Fabrício e a capivara

É curioso não ser uma leitora contumaz de poesia quando o que mais gosto na prosa é de terminar um parágrafo e pensar: “Peraí, isso é incrível demais, deixa ler de novo para ter certeza”. Um livro de poesia, ou melhor, um bom livro de poesia, dá essa sensação o tempo todo. É o caso de Esquimó, novo do Fabrício Corsaletti. Você termina as 80 págs. de cabo a rabo em menos de uma hora, mas depois não há como não querer reler cada uma delas – só para ter certeza.

Escrevi sobre o livro no Caderno 2 de hoje.

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A voz prosaica e pop de Corsaletti

Destaque na atual poesia brasileira, paulista de 31 anos converte cotidiano em verso no livro Esquimó

Raquel Cozer

Da janela do escritório Fabrício Corsaletti vê a Marginal e o Rio Pinheiros. Não chega a ser uma paisagem graciosa, mas serve como inspiração. O poeta se lembra de Bob Dylan e do verso “My woman got a face like a teddy bear” enquanto presta atenção nos enormes roedores marrons às margens do leito. E então anota: “o nariz da minha mulher/ lembraria o focinho/ de uma capivara/ de pelúcia.” São as primeiras linhas de Exílios, poema que integra seu mais recente livro, Esquimó (Companhia das Letras, 80 págs., R$ 31).

Foi assim, com referências prosaicas e pop, que o paulista de 31 anos se firmou como um dos maiores nomes da atual poesia brasileira. Seus novos versos falam de verruga, sovaco, rabanetes e idiotas; citam também Frida Kahlo, Eva Green, César Vallejo e a Praça Roosevelt. Mas não há nada em excesso, agressivo ou fora de contexto; pelo contrário, até o despropósito trabalha em favor da delicadeza. A mulher com focinho de capivara, por exemplo, seria assim numa ilha onde tais bichos “corressem risco de extinção” – uma vida a se cuidar.

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A íntegra do texto está aqui, e o poema de que falo no lide segue abaixo.

Exílios
por Fabrício Corsaletti

o nariz da minha mulher
lembraria o focinho
de uma capivara
de pelúcia
se vivêssemos
numa ilha
selvagem
onde as capivaras
fossem os únicos
animais e corressem
risco de extinção


desde que conheci
minha mulher
me sinto exilado
dentro de mim mesmo