No Sabático de 29/5 – parte 2

Nunca tinha ouvido falar no autor, o colombiano Evelio Rosero, mas poucas páginas do romance Os Exércitos bastaram para perceber que valia muito a pena. Depois vi que o livro foi bem elogiado (e premiado) na Espanha e em outros países onde chegou a sair. Recomendo sem ressalvas para quem se interessa por assuntos espinhosos (e até incompreensíveis para quem olha de fora) do gênero no noticiário.

A foto abaixo foi encontrada no final do ano passado com um guerrilheiro da Farc morto pelo Exército da Colômbia.

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Uma guerra de muitas facções

Romance de Evelio Rosero retrata o terror no cotidiano dos colombianos que moram longe dos grandes centros, num país tomado pelo confronto de décadas entre o Exército, paramilitares, guerrilheiros e narcotraficantes

Raquel Cozer – O Estado de S.Paulo

A infinidade de cartazes pelas ruas de Bogotá poderia levar o incauto a crer que, nesta véspera de eleição presidencial na Colômbia, a disputa pelo poder se equilibra entre dois polos – a situação, personificada no candidato Juan Manuel Santos, e a oposição, no nome do Partido Verde, Antanas Mockus. Mas são, na realidade, quatro as forças que há décadas decompõem o país: o Exército militar, o paramilitar, os guerrilheiros e os narcotraficantes.

Nesse cenário em que não se distingue quem é de fato criminoso – há poucos dias, um relatório da ONU apontou que militares foram responsáveis pela morte de 3 mil civis, depois travestidos de guerrilheiros – se passa a narrativa de Os Exércitos, romance de 2006 que rendeu ao colombiano Evelio Rosero, autor de outros 12 títulos, reconhecimento internacional (ganhou, por exemplo, o Independent Foreign Fiction Prize). Uma história que poderia ser a de qualquer morador dos recônditos do país, e portanto situada no fictício vilarejo de San José: o drama do professor Ismael Passos, de sua vizinha brasileira Geraldina Almida e de tantos outros que se veem atingidos física ou emocionalmente pelos efeitos de uma guerra difusa. “Há uma espécie de indiferença nas grandes cidades da Colômbia, onde o fenômeno da violência não é tão direto como em outras regiões. Ouvem-se as notícias de massacres como se tivessem ocorrido na Lua, e não a poucos quilômetros de casa”, diz a o escritor em entrevista ao Estado.

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A íntegra do texto está aqui. Outros dos textos da edição você localiza via @cultura_estadao.

Do bordel às galerias

Tenho certo receio de romances históricos, mas a vida da chinesa Pan Yuliang, que inspirou A Artista de Xangai, vale o risco, e a estreante Jennifer Cody Epstein fez um bom trabalho com o material que tinha em mãos. De pesquisa, inclusive – a descrição da sociedade chinesa nos primeiros anos do século passado dá a dimensão. O livro merecia uma edição brasileira que não forçasse a barra nas frases da orelha e da contracapa (sério, “escolha dolorosa entre a arte e o amor” é de doer), mas, enfim. Escrevi sobre ele no Caderno 2 de hoje.

A vida da prostituta que virou pintora na China

A Artista de Xangai, romance de estreia da americana Jennifer Cody Epstein, parte da história real de Pan Yuliang (1899-1977)

Raquel Cozer

A trajetória da pintora chinesa Pan Yuliang (1899-1977), do bordel para o qual foi vendida aos 14 anos pelo tio viciado em ópio às galerias em que exibiu telas pós-impressionistas, inspirou um filme (Hua Hun, de 1994, com a atriz Gong Li) e um romance em seu país de origem. Numa sociedade em que as meninas tinham os pés esmigalhados por faixas de pano para que se mantivessem “diminutos como lírios perfeitos” na vida adulta, uma jovem que reproduzia a própria nudez em quadros não poderia passar despercebida.

O mundo ocidental dedicou bem menos atenção a essa história de contornos inusitados, embora tenha sido na França que Yuliang estudou artes plásticas e passou boa parte da vida. Foi por isso que, ao deparar com uma tela da pintora numa exposição de arte moderna chinesa no Museu Guggenheim, em 1998, a então jornalista Jennifer Cody Epstein se deu conta de que tinha ali um enredo melhor que a ficção. Ou bom o suficiente para inspirar uma.

A Artista de Xangai (tradução de Flávia Carneiro Anderson, Record, 452 págs., R$ 57,90), romance de estreia da autora norte-americana, serve-se de fragmentos e lacunas de informações sobre a vida da Yuliang para contar esse passado. Não tem o compromisso de se limitar à realidade, embora inclua uma extensa pesquisa de campo, com a leitura de obras sobre outros artistas chineses daquele período, dois anos de aulas sobre a cultura da China na Universidade de Columbia e uma tentativa – malsucedida – da autora de aprender a pintar. O resultado é uma narrativa que permite imaginar como uma chinesa se sentia, em 1913, por não ter tido “determinação” para continuar quebrando os ossos dos pés após a morte da mãe. E como a adolescente que viveu três anos num prostíbulo lidou com a transição para o mundo artístico sob a reprovação da elite conservadora.

A íntegra do texto tá aqui. Lá em cima, claro, é uma pintura dela.

E, abaixo, Hua Hun, o filme em que Pan Yuliang é interpretada pela Gong Li (de 2046 e Lanternas Vermelhas).

Deu a louca no Martin Amis?

Martin Amis andava quietinho demais para o jeito Martin Amis de ser. No último ano, só me lembro de ter ouvido falar nele pela participação no lançamento do Original de Laura, o título que fez Nabokov se revirar no caixão à la Uma Thurman em Kill Bill.  

Daí, no intervalo de três dias, fico sabendo que:  

1) Ele concluiu que em 2020 a Inglaterra será cenário de um “tsunami grisalho”, com “uma população de dementes muito velhos, como uma invasão de imigrantes terríveis, a empestear os restaurantes e os cafés e as lojas”. E que, para evitar uma guerra civil entre os velhos e os jovens, seria interessante criar em cada esquina uma cabine de eutanásia, que premiaria quem compreendesse a inutilidade de sua existência com um martini e uma medalha.  

Amis e seus primeiros fios brancos, o prenúncio do tsunami grisalho de 2020

2) Ele argumentou, em entrevista à Prospect Magazine (ainda não publicada), que o sul-africano JM Coetzee, Prêmio Nobel, duas vezes Booker Prize, autor do sensacional Desonra, não tem nenhum talento e que “todo o seu estilo se baseia na ideia de não transmitir nenhum prazer”.  

3) Ele lançará nos próximos meses The Pregnant Widow, título já em pré-venda na Amazon (e que ele já andou dizendo que causará polêmica).   

E então tudo se encaixa.

Hugh Laurie, escritor

O Vendedor de Armas, livro que Hugh Laurie escreveu em 1996 e só agora ganha tradução para o português, é surpreendentemente bom. Não é alta literatura e tem lá seus momentos cafoninhas (deviam criar um Bad Romantic Scenes Award só pra ele), mas tem um ritmo de história e de humor que não deixa nada a dever aos melhores policiais.

Escrevi sobre o livro no Caderno 2 de hoje. Sem entrevista porque, como dá pra ver,  o Dr. House não é muito fã de propagandear seu lado escritor

Aventuras literárias de Hugh Laurie antes da fama

O divertido policial O Vendedor de Armas, romance de estreia do protagonista de House, escrito nos anos 90, sai no Brasil

Raquel Cozer

Hugh Laurie planejava usar um pseudônimo para lançar, em 1996, o romance de espionagem O Vendedor de Armas, de modo que sua fama como ator não interferisse na recepção do livro. Seu agente o convenceu de que não havia mal nenhum em garantir a venda de alguns exemplares entre fãs que ele já havia conquistado por mérito próprio. Com o detalhe de que, na época, o britânico era conhecido fora da Inglaterra apenas por pequenos papeis nos filmes Razão e Sensibilidade (1995) e 101 Dálmatas (1996), e, dentro dela, nos palcos e graças a séries como A Bit of Fry and Laurie e Jeeves and Wooster.

Eram de fato tempos bem diferentes. Na edição que chega agora às livrarias brasileiras (Planeta, 288 págs., R$ 39,90), o nome Hugh Laurie aparece com mais destaque inclusive que o título da obra na ostensiva capa cor de abóbora. Há também uma foto do ator ocupando toda a quarta capa, para o eventual caso de alguém não associar o nome à pessoa. Treze anos após a estreia literária, o protagonista de House – a série mais vista da tevê a cabo no Brasil, hoje na sexta temporada no Universal Channel e no quarto ano no canal aberto Record – virou uma grife que não se pode mesmo desperdiçar.

A íntegra do texto tá aqui.