A primeira vez (versão nacional)

Meses atrás, escrevi aqui no blog sobre a pesquisa de um autor americano, Jim C. Hines, sobre o caminho de um escritor até o primeiro livro publicado. Fiz a ressalva de que era um mercado bem específico –  Hines escreve livros de fantasia e a maior parte dos entrevistados também, e o critério que ele usou foi de primeiro livro publicado com adiantamento da editora – e me deu vontade de tentar algo do tipo por aqui. Focando em literatura e em grandes editoras, de alcance nacional, boa capacidade de distribuição e de divulgação.

Tá certo que não fui disciplinada desde os primeiros questionários que disparei por e-mail para autores, em maio, até o momento em que consegui voltar a pensar na pauta, agora no meio de julho, o que fez desta minha semana algo das mais caóticas.  Parecia simples, né, enviar e-mails, jogar tudo no Excell e fazer umas regras de três para as porcentagens. Mas daí, ao juntar todas as respostas, percebi que teria de abusar da boa vontade dos 60 que toparam participar (uns 6 ou 7 não responderam), refazer perguntas, mandar outras. Não é fácil ser Ibope.

Sim, é uma pesquisa informal (como aviso no texto, publicado no Sabático) que faria o povo das estatísticas ficar de cabelo em pé. Mas é sempre bom sair da rotina, tem lá sua graça. Com base no que os autores escreveram, dá uma dimensão: idade média de publicação do primeiro título de literatura, 34 anos; tempo entre o primeiro livro escrito, publicado ou não, até o livro publicado por uma grande editora, algo entre 5 e 6 anos (esse último dado não incluí na reportagem porque é mais complexo, já que muitos responderam só “menos de um ano” até a publicação, o que pode significar dois ou 11 meses).

A arte (do Rubens Paiva, ex-colega de Folha com quem voltei a trabalhar no Estadão), com os principais resultados, ficou incrível. O texto foi uma novela, fiquei tão preocupada em checar estatísticas (ok, “estatísticas”) que, ao reler a versão impressa que apareceu na redação e ver o que tinha escrito depois de tanto cortar e mudar, quase tive uma coisa. Consegui dizer um pouco melhor o que queria dizer ao fazer uns retoques pro on-line, que, afinal, é o que fica.

Mas as respostas, que não pude aproveitar na íntegra (pena, porque tinha muita coisa boa por ali), ainda me deram ideias para pautas futuras que podem ajudar a entender a árdua missão que é fazer literatura no País. Gracias a todos os autores que participaram, pela boa vontade.

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O incerto caminho até a publicação

Em enquete com 60 escritores, levantamos os dilemas enfrentados por autores em busca de editoras

Clique aqui para ver a arte em tamanho maior no PDF

Raquel Cozer – O Estado de S. Paulo

Anos atrás, o editor Paulo Roberto Pires presenciou uma inflamada discussão acerca do excesso de autores estreantes que as grandes editoras andariam colocando no mercado. Ele sabia que, a qualquer momento, um dos críticos poderia apontá-lo entre os culpados pelo que seria “falta de parcimônia” editorial. Como jornalista cultural, depois um dos organizadores da primeira Flip (2003) e, por fim, editor em duas das maiores casas publicadoras do País, a Planeta e a Ediouro, ele apresentou a um público mais abrangente alguns dos principais nomes da Geração 00, como João Paulo Cuenca, Joca Reiners Terron e Santiago Nazarian.

Pires não considera isso negativo. “Se um escritor é bom ou ruim, o tempo é quem diz. Era preciso sacudir o mercado naquele momento em que era enorme a diferença entre o que se editava e o que se via de interessante na internet.” O fato é que atitudes como a dele ajudaram a estimular a aceitação a novos autores. “A internet alterou o perfil do lançamento de um estreante”, avalia Vivian Wyler, gerente editorial da Rocco. “Está mais fácil ser autor agora do que quando quem badalava sua obra era visto com desconfiança, como se não tivesse a pátina correta de eruditismo. Hoje, ninguém vai criticar quem quer estar onde os leitores estão. As feiras literárias estão aí para provar.”

A exposição só não alterou o fato de que a publicação por uma grande editora marca, em geral, o momento em que tudo muda na trajetória de quem quer viver de literatura – ou se tornar uma pessoa jurídica, como diz Cristovão Tezza, que pôde parar de dar aulas e viver apenas em razão de seus livros desde que O Filho Eterno, publicado pela Record, abocanhou quase todos os prêmios literários de 2008. “É importante a recepção que o livro tem quando vem de uma grande. As pessoas olham diferente para um livro da Companhia das Letras, por exemplo”, diz Antonio Prata, que ingressou nesse olimpo literário em 2003, com As Pernas da Tia Corália, publicado pela Objetiva.

O Sabático resolveu saber dos próprios autores qual o impacto de uma grande editora em sua carreira, como foi o caminho até ela e como se sentem a respeito numa época em que, cada vez mais, surgem boas casas de pequeno ou médio porte no País – como a 34, a Iluminuras e a Ateliê Editorial, só para ficar em três exemplos. Numa espécie de pesquisa informal, enviamos pequenos questionários a quase 70 escritores de todas as idades, dos quais 60 aceitaram participar. As questões foram feitas em cima do primeiro título de literatura lançado com distribuição nacional e grande alcance de divulgação. E que, na maior parte dos casos, não foi o primeiro que tiveram editado – Lya Luft, por exemplo, escreveu o primeiro livro 13 anos antes de chegar à Record, onde virou best-seller com As Parceiras, em 1980; Ana Miranda escreveu dois de poesias por editoras pequenas e ficou 10 anos retrabalhando o mesmo romance até enviar os originais de Boca do Inferno para a Companhia das Letras – foram mais de 200 mil exemplares desde 1989.

É claro, o caminho é bem mais rápido para quem não se dedica a outros trabalhos antes, como Lya, ou não se debruça tanto tempo sobre a mesma obra, como Ana. As duas, que estrearam em grande editora com 40 e 37 anos, respectivamente, estão acima da média de idade que os participantes da enquete tinham quando chegaram lá, 34 anos. Quase um quarto dos escritores (23%) conseguiu fechar um contrato no mesmo ano em que terminou de escrever o primeiro livro – apostas em iniciantes, como no caso dos autores editados por Paulo Pires, ajudam a engrossar esse número; prêmios literários e publicações anteriores de contos em periódicos e antologias também.

Mas um número parecido (20%) esperou mais de uma década desde as primeiras tentativas literárias até receber um convite de uma grande editora. Caso de gente como Affonso Romano de Sant’Anna (que esperou 22 anos até, aos 38, ter Poesia sobre Poesia publicado pela Imago), Cristovão Tezza (17 anos tendo obras recusadas até Traposair pela Brasiliense) e Marcelo Mirisola (15 anos escrevendo livros até ser convidado pela Record a lançar Joana a Contragosto).

Mas Mirisola, assim como Marcelino Freire e outros escritores, já era conhecido quando teve o romance editado pela maior editora do País. O reconhecimento chegou com Fátima Fez os Pés para Mostrar na Choperia, que a Estação Editorial, uma editora de médio porte, publicou em 1998. “No meu caso, não mudou nada”, diz o paulistano sobre o título que saiu pela Record. Tanto que, depois disso, voltou para uma editora média, a 34, e em breve terá um infantil (a quatro mãos com Furio Lonza) pela Barcarolla.

Indicações. Só quatro dos 60 autores (Mirisola, Ana Miranda, João Almino e Tiago Melo Andrade) disseram que recomendações feitas por outros escritores ou pessoas próximas não facilitam o caminho para um iniciante. Tirando um ou outro que preferiu não emitir opinião a respeito, a grande maioria respondeu ao Sabático que a indicação abre portas, sim – mas todos ressalvaram que apenas permite aos manuscritos uma mãozinha para chegar logo ao topo da pilha de originais. Vinte e um dos autores disseram que escreveram a convite – está certo que boa parte deles já era algo conhecida por textos em antologias, periódicos ou editoras pequenas. Outros 38 afirmaram que enviaram originais; desses, 24 conheciam o editor ou tiveram a tal recomendação; os 14 restantes afirmaram só ter oferecido os originais nas editoras. E uma única, dentre os 60, recorreu a um agente – Ana Maria Machado, publicada pela Francisco Alves, uma das grandes em 1983. “Nos EUA, é mais comum iniciantes contratarem agentes. Por aqui é raro o autor se arriscar a pagar um agente sem a certeza da publicação; isso só costuma acontecer quando eles já estão com carreira mais estabelecida”, diz a editora Izabel Aleixo.

Por curiosidade, metade dos 38 autores que foram bem-sucedidos após enviar originais preferiram fazê-lo para uma só editora – uma espécie de ética que as casas publicadoras não exigem e que pode acabar sendo um problema para quem aspira ser editado. Luciana Villas Boas, diretora editorial da Record, por exemplo, diz que não vê mais originais em papel não solicitados. “Não há como. Se vem um e-mail, a gente até se situa. Se achar que a carta está bem feita e que existe um mínimo de potencial, vai para leitura. Recebo uns 25 emails por mês, sem falar nos que recebem todos os outros editores, e uma quantidade absurda de papel que não serve para nada.”

Vivian Wyler, gerente editorial da Rocco, diz que passam de 150 os originais que chegam por mês à editora. A Rocco não veta os que chegam em papel, mas exige que todos venham gravados em CD – se o autor quiser mandar a impressão em anexo, fica por conta dele. “E, vou te dizer uma coisa, 98% dos livros. logo nas primeiras páginas, senão na carta de apresentação, você vê que não é um livro de verdade. Não falo nem de regras gramaticais, e sim de um mínimo de estilo, de consciência literária”, diz Izabel Aleixo, ex-diretora editorial da Nova Fronteira, que acaba de assumir cargo na Paz e Terra. Isso faz com que bons livros se percam na montanha de aspirações literárias. E é aí que entra a recomendação. Não porque vá privilegiar alguém, mas porque permite a triagem.

Mas nem todos são adeptos da fidelidade. Elvira Vigna, ao terminar O Assassinato de Bebê Martê, abriu um catálogo do Snel (sindicato dos editores) e mandou uma cópia do romance a cada editora cujos nome reconheceu. Em menos de um mês, recebeu a resposta de uma das melhores do País, a Companhia das Letras. Nelson de Oliveira também mandou seus contos de estreia para cerca de 20 editoras, mas precisou esperar oito anos, ganhar um prêmio, o Casa de Las Americas, e ser recomendado por um dos jurados, Rubem Fonseca, para publicar pela mesma casa Naquela Época Tínhamos um Gato>. Hoje, voltou a publicar por pequenas editoras: “Não há mais muita diferença. Em geral, as pequenas se profissionalizaram.” Ignácio de Loyola Brandão, que mandou cópias de seu Depois do Sol para 13 editoras, recebeu cartas padrões de quase todas e uma que não esqueceu, da Civilização Brasileira: “O autor escreve como quem mija.” “Achei até que era elogio, mijar é um ato natural”, conta. Acabou sendo publicado logo pela Brasiliense – e o editor Caio Graco, lembra Ignácio, aceitou a obra sem nem fazer reparos de edição.

Autores falam sobre o primeiro livro

“Já na Ateliê (de médio porte), com o Angu de Sangue, em 2000, minha vida literária mudou. Fui bastante resenhado, divulgado. Não sou desses que ficam com a bunda na cadeira, reclamando de editor”

Marcelino Freire

“As pessoas olham diferente para um livro da Companhia das Letras, por exemplo. Se fica mais fácil? Creio que sim. Mas não acho que no Brasil publicar seja problema. Isso é fácil. Difícil é vender”

Antonio Prata

“Aprendi que as pessoas não querem palpite nem sugestões, querem endosso e apadrinhamento. Qualquer restrição ou dica, por mínima que seja, é vista como ofensa e se ganha um desafeto”

Ana Maria Machado

“A passagem da Revan (de pequeno porte) para a Nova Fronteira não significou nada. Meu desempenho de público até piorou. Tanto que a Nova Fronteira não quis um segundo livro meu”

Alberto Mussa

“Aquele era o meu livro, era o livro possível, e se o editor fosse mais invasivo a obra não seria tão autêntica. Prefiro caminhar com as minhas próprias pernas e aprender com os meus próprios erros”

Adriana Lisboa

“A gente também passa a fazer outros trabalhos: textos de prosa e ficção para jornais, orelhas de livros, palestras. Para isso, é imprescindível ser publicado por uma grande editora, é evidente”

Cintia Moscovich

“Editoras grandes ajudam sobretudo em distribuição e divulgação, mas é precipitado dizer que necessariamente trazem mais público. Nada impede que isso seja alcançado em publicação independente”

Daniel Galera

“Quem leu (o primeiro livro que escrevi) achou péssimo e tive de concordar antes de enviar a qualquer editora. Mas todo livro é o primeiro. Já tive livros recusados depois de publicar o primeiro”

Bernardo Carvalho

“(A indicação) facilita o acesso à editora, mas não garante a publicação. É lenda achar que, por conhecer o autor ou ser amigo de alguém de seu círculo, o editor vai publicar o livro”

Cristovão Tezza

A coluna de 24/7

[Publicada no Sabático]

BABEL

Raquel Cozer, raquel.cozer@grupoestado.com.br – O Estado de S.Paulo

INFANTIL
Saem 100ª edição do Maluquinho e novo Ziraldo, com realidade aumentada


A Melhoramentos decidiu fazer tiragem especial “bem pequena” da 100.ª edição de O Menino Maluquinho, a ser lançada na Bienal Internacional do Livro de São Paulo, quando a companhia celebra 120 anos de história. Serão 2 mil cópias para Ziraldo e a editora distribuírem a pessoas próximas. Neste caso, o livro terá capa redesenhada pelo autor e, nas orelhas, depoimentos de gente como Martinho da Vila e Ferreira Gullar. Já a tiragem para o público terá 10 mil exemplares – a obra, que completa 30 anos, já vendeu 2,8 milhões de cópias. Ziraldo também lança O Menino da Terra, primeiro infantil nacional com jogo de realidade aumentada, no qual a criança usa o livro como joystick na frente da webcam.

LIVRARIAS
Distribuição desigual

O número de livrarias no Brasil cresceu 11% em três anos, totalizando 2.980, mas o aumento veio acompanhado de distribuição mais desigual das lojas pelo País, segundo a Associação Nacional de Livrarias. O Sudeste, que tinha 53% das livrarias nacionais em 2006, passou a 56% – a população da região corresponde a 42,5% da nacional. Já no Nordeste, com 28% da população brasileira, a proporção de livrarias caiu de 20% para 12%.

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O levantamento refere-se a 2009 e integra o Diagnóstico do Setor Livreiro, que a ANL divulgará nesta terça-feira, em São Paulo, e discutirá a partir do dia 9 na 20.ª Convenção Nacional de Livrarias.

LITERATURA CUBANA
O nada e o todo

Quinze anos depois de lançar O Nada Cotidiano, sobre sua vida em Cuba, a exilada Zoé Valdés publica em setembro na Europa a sequência da obra, O Todo Cotidiano, no qual fala da vida da França. Aqui, o primeiro livro saiu em 1998 pela Record. No começo do ano que vem, a Benvirá será a primeira editora a juntar os dois títulos num só volume.

CONTOS
Teatro de sombras


A L&PM comprou e mandou fotografar marionetes de teatro de sombra chinês (foto) para ilustrar o infantil Contos Sobrenaturais Chineses, de Sergio Capparelli e Márcia Schmatz. O livro deve sair no fim de setembro.

GUERRA
Depois da televisão

A Bertrand Brasil comprou os direitos do livro The Pacific, de Hugh Ambrose, que originou a série da HBO sobre fuzileiros navais na 2.ª Guerra. Produzida por Tom Hanks e Steven Spielberg, a minissérie teve 24 indicações para o Emmy, que será entregue em 29/8. O problema agora é correr com a tradução das mais de 500 páginas. Com sorte, sairá no primeiro trimestre de 2011. O último episódio foi exibido no Brasil em junho.

DIGITAL
Cabo de guerra

A Random House, maior editora do mundo, anunciou que não fará novos acordos com o mega-agente literário Andrew Wylie. Foi a resposta ao anúncio de Wylie de que negociará direitos digitais de autores direto com as lojas. Wylie criou para isso a Odyssey Editions, que dará dois anos de exclusividade à Amazon, vendendo a US$ 9,99 títulos como os quatro Coelho, de John Updike, cujos direitos de edição impressa são da Random.

MÚSICA
Lou Reed em liquidação

A Livraria da Vila encomendou cem exemplares de Pass Thru Fire – The Collected Lyrics, de Lou Reed, no embalo da Flip. Como o músico não vem mais, a baixa foi imediata: de R$ 49, o livro importado sairá por R$ 39. A Companhia das Letras vende o título traduzido, Atravessar o Fogo, por R$ 51,50.

O prenúncio de uma muvuca

Tááá, vocês pessoas que entraram aqui desde sexta buscando por Crumb e Livraria da Vila. Ou você, pessoa isolada que fez isso com várias variáveis na formulação da busca no Google para ter certeza. Se tudo correr como combinado, será no dia 10, ao lado de Gilbert Shelton, na loja da Fradique. Evento organizado pela Conrad, que fará durante a Flip um minilançamento de Meus Problemas com as Mulheres, do Crumb. No dia 10, já deve ser mais fácil comprar o livro recém-editado (parece que para a Flip eles só conseguirão levar uma tiragem pequena). O horário ainda não está definido – início da noite, I guess -, nem o formato do evento. Não, Crumb não gosta de dar autógrafos. Não, a Livraria da Vila não comporta o número de pessoas que pretende estar lá.  Sim, seria a cara do Crumb trocar a muvuca por uma caça a discos antigos de samba e choro, e quem iria culpá-lo se optasse pela troca?

[update em 27/7]
O encontro será das 19h30 às 21h, com mediação de Caco Galhardo.

Texto, ilustração e raciocínio (ou só viagem)

Duas das entrevistas que mais gostei de fazer nos últimos anos foram com cartunistas, o Crumb (que, pena, nunca entrou no ar na íntegra) e o Spiegelman. Tudo bem, uma das que mais me frustraram também foi, com o Quino, mas preferia que isso não atrapalhasse a teoria sobre a qual falo no outro parágrafo. É que os três têm fama de não gostar de falar com jornalistas, mas Crumb e Spiegelman ao menos disfarçam muito bem, mesmo tendo provavelmente ouvido antes centenas de vezes várias das perguntas que lhes são dirigidas. Tá, a gente sempre tenta perguntar algo que saia do lugar comum, mas é difícil acreditar na possibilidade de questões inéditas para quem passou a vida respondendo a elas.

Gilbert Shelton corroborou minha teoria (três contra um; já posso usar os números a meu favor?) de que cartunistas tendem a ser bons de oratória, por mais que se digam tímidos ou avessos a qualquer tipo de notoriedade. De alguma maneira, vejo uma conexão entre a capacidade que eles têm de contar uma história simultaneamente em texto e imagem e a inteligência de elaborar raciocínios de forma… visual, digamos assim. Indo direto ao ponto, mas com frases que acrescentam algo de concreto a quem quer entender melhor criador e, por extensão, criatura. Nem que seja só para se livrarem logo daquele incômodo inquisitório, a versão contemporânea das torturas medievais.

Sei lá. Pode ser mesmo viagem minha. Também não consigo explicar direito, o que percebi ao tentar escrever aqui. Xá pra lá. Qualquer dia publico a íntegra da conversa com o Shelton por aqui, o que será mais autoexplicativo. Por enquanto, segue o texto que saiu hoje no Sabático.

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Gilbert Shelton, o verdadeiro Freak Brother

Um dos precursores dos cartuns underground da década de 60 divide mesa com Robert Crumb na Flip

RAQUEL COZER

Quase meio século como cartunista rendeu a Gilbert Shelton um lugar entre os pioneiros das HQs underground e também caixas e caixas de material inédito. Elas o acompanham desde Nova York, onde, em 1962, publicou os primeiros desenhos como profissional, e ganharam volume em Paris, cidade em que se instalou há 25 anos com a mulher, a agente literária Lora Fountain.

Nos últimos tempos, Shelton andou revendo o conteúdo. Imagina ter material suficiente para um livro autobiográfico, que intercale histórias curiosas e ilustrações – uma espécie de caderno de recortes, como define -, mas ainda não falou sobre a ideia com os editores. “Acho que pode ser interessante”, avalia, antes de uma breve pausa. “Mas não sei. Talvez as pessoas achem entediante.”

Difícil acreditar na segunda hipótese. Trata-se, afinal, do pai de Fat Freddy, Phineas e Freewheelin’ Franklin, trio de maconheiros que resumiu, nas histórias de Fabulous Furry Freak Brothers, a psicodelia e o desbunde reinantes entre a juventude mais avançadinha dos anos 60 e 70. Acontece que Shelton sempre fez questão de negar a crença pública de que seus personagens mais conhecidos refletissem seu estilo de vida. Nada que o cartunista tenha contra a maconha, mas ele costuma argumentar que, se a consumisse na mesma quantidade dos personagens, não estaria em condições de contar a história. E, bem, ele chegou em maio último aos 70 anos e continua na ativa, ainda que num ritmo de trabalho bem menor que nos áureos tempos.

No próximo dia 3, o artista desembarca no Brasil com a mulher e o casal Aline e Robert Crumb para um temporada de seis dias em Paraty. Ao lado do amigo e criador dos célebres Fritz the Cat e Mr. Natural, participará daquela que é uma das mesas mais concorridas da oitava edição da Flip, no dia 6. “Vi na televisão um documentário sobre Paraty, então agora sei como é a cidade, uma coisa colonial”, diz Shelton em conversa por telefone com o Sabático, a fala tão pausada que por vezes dá a impressão de ter concluído o raciocínio quando, na verdade, está apenas pensando na melhor palavra a usar em seguida. “A arquitetura antiga me lembrou muito as construções espanholas do México.”

Ao contrário de Crumb, que vive entocado com a mulher numa vila no sul da França, Shelton gosta de viajar. Nasceu no Texas, passou a juventude em Nova York, morou por em Barcelona de 1980 a 1981 e voltou para a Califórnia antes de se mudar de vez para Paris. Não porque rejeitasse a violência dos Estados Unidos e o conservadorismo da sociedade americana, como Crumb, mas por questões profissionais. “Achei que viajaria mais, mas começamos a nos envolver em muitos projetos em Paris. Especialmente Lora”, diz, sobre a mulher, que abriu por lá uma agência literária e hoje tem entre seus clientes a família Crumb – a filha do casal de cartunistas, Sophie Crumb, também enveredou para os quadrinhos e terá um livro publicado em novembro.

Ironia. Shelton e Crumb se conheceram em 1969, em Nova York, quando ambos já tinham criado alguns de seus personagens mais famosos. O primeiro de Shelton, Wonder Wart-Hog, paródia do Super-Homem, apareceu numa publicação juvenil em 1962, mas só seis anos depois os Freak Brothers o colocariam entre os grandes do gênero. Naquele mesmo ano, em 1968, Crumb, já conhecido por Friz the Cat, reuniria artistas da contracultura no primeiro número da revista Zap Comix. Por ter alcançado a fama depois do amigo, apesar de ser três anos mais velho, o texano diz se sentir um “protégé” de Robert Crumb. “Ainda me impressiono com o estilo dele. É difícil dizer. Nós dois temos as mesmas influências, mas ele é diferente porque… Ele desenha tanto. É muito melhor que eu. É como estudar um idioma ou uma música. Quanto mais você pratica, melhor você é.”

E Shelton não gosta muito de praticar. Em 1974, já com bom status como criador de tiras e livros de quadrinhos, resolveu que precisava de ajuda e convidou o artista e escritor Dave Sheridan para trabalhar com ele nos livros que saíam por sua própria editora de fundo de garagem, a Rip Off Press. Desde então, contou com parceiros como Paul Mavrides e Gerhard Seyfried, com quem passou a intercalar criação de roteiros e ilustrações.

Por quê? Porque ilustrar, explica o pai dos Freak Brothers, não é algo que goste tanto de fazer. “Não sou prolífico, em especial na comparação com o Crumb, que é um desenhista compulsivo. Eu trabalho em projetos específicos. Tenho mais interesse em contar boas histórias, piadas. Desenhar não é meu ponto forte.” Com as parcerias, sentiu o trabalho fluir mais rápido, o que lhe deu liberdade para focar mais nos roteiros. A avaliação dele é a de que a história importa mais que a ilustração numa tira. “Se você tiver uma boa história e um desenho ruim, a tira será boa. Mas, se a história não for boa, não haverá arte que a segure.”

Seja como for, Shelton sabe dizer muito com pouco. Enquanto os quadrinhos underground eram combatidos pelos defensores da ordem e dos bons costumes, o artista resumiu em um cartum todo o preconceito com o qual seu trabalho era visto. Numa imagem de página inteira, os três Freak Brothers apareciam numa cama com uma mulher nua, cercados de drogas, bebidas, armas e pôsteres com dizeres na linha “Fuja do alistamento” e “Trepe pela paz”. Deitada, a mulher dizia: “Uau! Isso foi muito louco! Vamos ler mais umas revistas e começar de novo!!” – uma ironia escrachada contra a ideia de que HQs desvirtuavam os jovens. “Qualquer assunto pode ser bom, o difícil é tirar uma boa história dele. O tema central é menos importante que os detalhes de uma história. Em geral, a grande sacada está escondida sob a superfície da trama. Em HQ, é preciso fazer mais ou menos o que faz um dramaturgo numa peça, colocar os leitores ou o público dentro da história, suspender a descrença deles no que está sendo mostrado e fazê-los entrar no espírito da coisa.”

A autobiografia que boa parte de seus contemporâneos explorou nos quadrinhos ele diz ver nas suas histórias só naquele ponto em que “toda ficção inclui algo de autobiográfico”. No caso dos Freak Brothers, afirma: “Se houver alguma semelhança comigo, está muito bem escondida.” No fundo, ele se identifica mais é com o quarto personagem da história, o gato de Fat Freddy. O bichano, que apareceu numa tira do trio em 1969, ganhou pouco tempo depois vida e tiras próprias, o Fat Freddy’s Cat. “Talvez eu seja um pouco como os três, mas, vá lá, pareço mais com o gato, que é o mais inteligente deles.”

Rock’n’roll. Embora ainda faça de tempos em tempos histórias dos Freak Brothers e do Fat Freddy’s Cat, o cartunista tem se dedicado mais, nos últimos anos, às aventuras do Not Quite Dead, sobre a banda de rock de menos sucesso no mundo. A série foi criada em 1992 e o livro mais recente de um total de quatro, Last Gig in Shnagrlig, saiu na França em 2009. Ainda não há nenhuma previsão de que seja editada no Brasil. “Preciso falar com meu editor brasileiro”, diz Shelton, ao ser informado do fato. “Vou avisar à minha agente, que é minha mulher. Ela ficou muito ocupada com o Gênesis do Crumb e me esqueceu“, graceja. A Conrad, que entre 2004 e 2005 publicou dois volumes do Fabulous Furry Freak Brothers, com tradução de Alexandre Matias, afirma que as edições atuais ainda não se esgotaram e que espera vender os exemplares ainda em estoque durante a Flip.

Outro projeto no qual ele se vê envolvido desde 2003 empacou. Naquele ano, a produtora inglesa Bolexbrothers entrou em contato para transformar uma das histórias dos Freak Brothers numa animação em stop-motion, com bonecos de massinha. O filme leva o nome de uma das aventuras criadas por Shelton para os personagens, Grass Roots, e foi roteirizado por Paul Davis. Na trama, Fat Freddy, Phineas e Freewheelin’ se veem envolvidos com colheitas de maconha geneticamente modificadas, plantadas pelo governo. Um piloto do longa pode ser visto no site http://www.grassrootsthemovie.com, mas é tudo o que existe de material filmado. “Eles não conseguem dinheiro”, explica o cartunista, que participou apenas como consultor. Uma das estratégias para reunir os US$ 10 milhões que viabilizariam a obra é o que a produtora chama de “fundo de frame”. O site explica: “Se você quer que seu nome apareça no filme, compre um frame. Doze frames farão seu nome aparecer por meio segundo, o que deve ser visível a olho nu.

O homem foge

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Mais velho e menos famoso por aqui que David Grossman e Amós Oz – os conterrâneos com quem divide o título de maior nome da literatura contemporânea israelense e com os quais aparece na foto acima – , Abraham “Bulli” Yehoshua, a.k.a. ierroxúa para nós que não falamos hebraico, quase não chamou atenção ao ser confirmado para a Flip deste ano.
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Mas tenho cá para mim que a mesa dele com a iraniana Azar Nafisi será das melhores desta edição. Porque ele tem opiniões fortes e irredutíveis, como na defesa que faz do sionismo, e ao mesmo tempo é um velhinho simpático e de oratória deliciosa. E ela, por sua vez, está entre as autoras mais interessantes que já entrevistei (para texto publicado no início do ano no Caderno 2). Conversei com o Yehoshua na semana passada para o texto abaixo, que saiu no último final de semana e eu não tinha conseguido parar para postar aqui até agora.
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(By the way, o título do post é uma referência ao A Mulher Foge, do David Grossman, pela semelhança na atitude de personagens centrais desse livro e de Fogo Amigo, do Yehoshua, que está saindo por aqui)
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[Publicado no Sabático de 18/7]
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Lamentos de uma crise milenar
RAQUEL COZER
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“Posso dizer que estou cansado disso, mas não tenho como escapar”, diz ao telefone o escritor israelense A.B.  Yehoshua quando questionado se, assim como Yirmiyáhu, personagem de seu romance Fogo Amigo, alguma vez pensou em fugir do peso da realidade de seu povo.  No que diz respeito à história de vida do autor, a interrogação é algo provocativa.  Sionista convicto, integrante da quinta geração de uma família de judeus sefarditas radicada em Jerusalém desde muito antes da criação do Estado de Israel, Yehoshua feriu os brios da comunidade judaica internacional ao afirmar, alguns anos atrás, que a completude da vivência em sua religião é possível apenas na Terra Prometida.  Em outros territórios, a possibilidade seria somente a de “brincar de judaísmo”.
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Mas, ao discorrer sobre o personagem que na trama de Fogo Amigo se esconde na África para esquecer o próprio passado, o escritor deixa claro que a motivação para uma fuga seria compreensível hoje mesmo para alguém que, como ele, incentiva a migração de judeus para Israel. “As emoções de Yirmiyáhu são colocadas de forma intensa, mas, a exemplo dele, estamos todos fatigados. É algo que sinto em mim e à minha volta; as pessoas estão exaustas da identidade judaica.  Estamos há milhares de anos em conflitos.  Vemos todas as guerras começarem e acabarem, menos a que se desenrola ao nosso redor”, diz o ficcionista e ensaísta ao Sabático de Haifa, onde vive com a mulher, a psicanalista Rivka, e leciona literatura.
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Aos 73 anos, Yehoshua não passa nada da austeridade que suas fortes opiniões sobre o sionismo poderiam fazer pensar.  Pede para ser chamado pelo prenome, Abraham, ao ser questionado sobre a pronúncia correta do nome com que assina (“ierroxúa”). “É um nome respeitável, que está na origem hebraica do nome de Jesus, mas difícil de pronunciar”, concede.  Um dos maiores e mais premiados ficcionistas israelenses da atualidade, ele agora se prepara para uma segunda temporada no Brasil – esteve há muitos anos no Rio e retornará ao País no mês que vem devido ao convite para participar da 8ª Festa Literária Internacional de Paraty.
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Diz ter enorme curiosidade sobre a cidade histórica fluminense, alimentada pelas “maravilhas” ouvidas de dois amigos que participaram de edições anteriores, os escritores Amós Oz e David Grossman. E ri com gosto ao ouvir a sugestão de tirar férias por tempo indefinido nesse lugar que os conterrâneos definiram como “paraíso” – ele se dará o direito de apenas uma esticada com a mulher até cidades litorâneas da Bahia. “Tenho meus filhos, meus netos e minhas responsabilidades em Israel. Mesmo que fugisse, não haveria a possibilidade de a minha mente escapar.  As pessoas me procuram o tempo todo, e, como escritor, eu me sinto na obrigação de criticar, de gritar, de explicar para o mundo o que acontece por aqui”, argumenta.  Propícia, portanto, a mesa da qual participará na festa literária com a iraniana Azar Nafisi (de Lendo Lolita em Teerã), que terá entre seus temas centrais a literatura como caminho possível para culturas em conflito.
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Engano. Fogo Amigo, o romance que sai agora pela Companhia das Letras, é o quinto do autor de A Mulher de Jerusalém (2008) a ser publicado no Brasil. Ao título segue o subtítulo Um Dueto, que Yehoshua define como a base de toda a história.  O duo seria uma espécie de diálogo inconsciente que se constrói ao longo das quase 400 páginas entre os personagens centrais, o engenheiro Amotz Yaári e sua mulher, Daniela, durante o feriado judaico de Hanucá.  Na semana de descanso, Yaári permanece em sua casa, em Tel-Aviv, enquanto Daniela parte para uma viagem de cinco dias à Tanzânia, na África, onde o cunhado (o Yirmiyáhu do parágrafo inicial) mora desde a morte do filho único, Eyáli. É essa morte a origem do “fogo amigo” que nomeia o romance.  Eyáli, assim como cerca de 15% dos soldados  israelenses convocados para a guerra (é a estatística oficial, informa Yehoshua), foi atingido por um colega do Exército.  Em outras palavras, morreu por engano.
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“Escrevendo o romance, fiquei impressionado ao saber como é comum a morte por fogo amigo.  No último conflito em Gaza, houve até mais do que isso.  De seis ou sete soldados israelenses mortos, metade morreu por disparos do próprio Exército.  Quando um jovem é atingido, todos sofrem, mas, se quem deu o disparo está do seu lado na guerra, a dor é redobrada.  Para os parentes, a morte perde qualquer sentido de heroísmo que pudesse consolá-los.”
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Paralelos. Ao construir duas histórias paralelas em pequenos capítulos que intercalam as vivências simultâneas de Yaári e de Daniela, Yehoshua quis deixar na mão do leitor a possibilidade de criar conexões, formulando o que ele define como um terceiro caminho possível dentro do espaço literário do romance.  Conhecido pela linguagem alegórica à qual recorre em seus textos, o vencedor de honrarias como o Brenner Prize (1983) e o National Jewish Book Award (1992) afirma ter elaborado até inconscientemente algumas das ligações entre as duas pontas desta narrativa.
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Um exemplo dessas conexões aparece logo nos primeiros capítulos.  Em Tel-Aviv, o engenheiro Yaári se vê às voltas com as reclamações de moradores de um moderno edifício cujo poço dos elevadores foi projetado por ele.  Por uma razão que desconhece, ventos que entram pelo poço soam para os usuários como assustadores lamentos, uma “fúria contida, que em certos andares muda de tom e transforma-se num pranto tristonho”.  Yaári envia uma especialista ao local, e esta diagnostica com facilidade a origem dos uivos, que estaria em rachaduras no poço.  Ao mesmo tempo, na Tanzânia, Daniela descobre o passado sangrento da sudanesa Sijin Kuang, que teve toda a família assassinada e acredita em espíritos.
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Aqui, um parêntese ajuda a entender a conexão: Yehoshua explica que a inspiração para o poço que grita saiu de uma experiência de seu passado recente, ao comprar um apartamento em Tel-Aviv. “Os elevadores faziam esse som triste.  Sabia que era uma questão estrutural, mas, ouvindo aquilo, me ocorria que os uivos eram resquícios das mortes de civis durante a Segunda Intifada (revolta de palestinos contra a política de ocupação israelense, que resultou em 5 mil mortes de 2000 a 2006)”, conta.  Em Fogo Amigo, argumenta, Yaári nunca fala em espíritos, mas sente-se compelido a resolver a questão mesmo depois que a especialista deixa claro que a responsabilidade não é dele, e sim dos  executores da obra.
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Mas é em Yirmiyáhu, justo o homem que deixa para trás tudo o que Yehoshua não deixaria, que as ideias de autor e personagem parecem mais se aproximar. A princípio reservado e avesso a todas as lembranças de sua terra natal, o cunhado de Daniela exterioriza os fantasmas que o assombram quando a vê carregando uma Bíblia – única leitura encontrada por ela no lugar que o marido de sua falecida irmã escolheu para viver. “Traduza uma página qualquer”, diz Yírmi sobre o livro de Jeremias, “um trecho qualquer, ao acaso, e a violência fica visível num instante.  Uma profecia de destruição, com muito prazer.  Tragédia e morte e canibalismo.” O Deus judaico, descreve o personagem, não age por justiça, mas por ciúme e poder.
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Trata-se de um ódio ancestral que, para A.B.  Yehoshua, nenhum israelita ou palestino poderá resolver. “Acredito que a paz está nas mãos das comunidades internacionais”, afirma o escritor. “Todos sabem a solução: a paz terá de ser imposta.  Estamos como crianças, batendo pés. É preciso que os pais digam: ‘Basta, vocês não terão dinheiro nem apoio se não fizerem da maneira que diremos que tem de ser feito’.”

A coluna Babel da semana (passada)

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[Publicado no Sabático de 17/7]
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BABEL
Raquel Cozer – raquel.cozer@grupoestado.com.br – O Estado de S.Paulo

Jovem editora carioca aposta no Leste Europeu
A jovem editora Tinta Negra – lançada neste ano e cujo catálogo conta com apenas oito títulos, sete deles nacionais – faz uma aposta agora em obras doLeste Europeu premiadas e elogiadas em vários países, mas cujos autores são pouco ou nada conhecidos por aqui.  O investimento engloba textos clássicos e contemporâneos, de ficção e não-ficção e HQs.  Entre os previstos para sair em 2010 está Máfia, reportagem sobre os bastidores do crime organizado italiano realizada pela alemã Petra Reski.  Ainda sem título em português, Bieguni (Runners) apresentará ao público brasileiro a polonesa Olga Tokarczuk, três vezes vencedora em seu país do Prêmio Nike de Literatura. Nos quadrinhos, a aposta é no designer e escritor alemão Flix, autor da premiada graphic novel de reportagem Da War Mal Was (o título provisório em português é Quando Tinha um Muro…  Lembranças Daqui e de Lá).  O autor, de 34 anos, virá ao País neste ano a convite do Goethe-Institut, para uma série de eventos, mas o livro sai por aqui só no começo do ano que vem.
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INTERNET
Aulas com Faulkner
De 1957 a 1958, já detentor do Nobel de Literatura (1949), William Faulkner foi escritor-residente da Universidade de Virgínia, nos EUA.  Pouquíssimos alunos tiveram chance de assistir às suas palestras e leituras. Recém-digitalizadas, as sessões agora podem ser ouvidas em faulkner.lib.virginia.edu.
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O site inclui textos e cartoons (acima) de publicações locais no período, além de fotos e cartas.  Numa delas, o criador de O Som e a Fúria responde ao convite para falar aos alunos: “Meu primeiro pensamento foi que eu era só um escritor-residente, não um palestrante-residente, (…) mas talvez seja meu dever (…) tentar dizer algo válido.”
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CINEMA 1
Filho multimídia
Um mês após o anúncio de sua adaptação teatral, O Filho Eterno, romance nacional mais premiado de 2008, teve os direitos comprados para o cinema.  A obra de Cristovão Tezza será adaptada pela RT Features.
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CINEMA 2
Vida eterna
Para quem acredita que a onda de livros de vampiros vai amainar, indícios recentes provam o contrário: a Terra dos Vampiros, lançado pela Planeta, será adaptada para as telas por John Carpenter, diretor de filmes de terror
cult como Halloween (1978).  O papel principal será de Hilary Swank.
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E outro que ainda nem saiu por aqui, A Passagem, de Justin Cronin, teve os direitos comprados pela Fox, que deixou o roteiro aos cuidados de John Logan (Oscar por O Gladiador).  O título abre uma trilogia que a Sextante põe nas
livrarias a partir de agosto.
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JUVENIL
Ao redor do mundo
Adriana Lisboa assinará os textos de A Volta ao Mundo em 190 Histórias, coletânea da Rocco organizada por Celina Portocarrero.  A série, para o público juvenil, recuperará lendas de todo o mundo.  O primeiro título, previsto para janeiro, será dedicado à África.  Depois, virão Europa, Ásia e Américas.
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A autora acaba de entregar à editora os originais de Azul-Corvo, romance adulto que parte de pesquisa sobre a Guerrilha do Araguaia para narrar a trajetória de um ex-combatente que se torna imigrante nos EUA.
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REVISTA
Número cinco
A quinta edição da quadrimestral serrote, que sairia neste mês, ficou para agosto, por conta da Flip.  Destaca-se a série de ilustrações da israelense Maira Kalman, autora de livros infantis e capista da New Yorker.  Os desenhos foram feitos para edição especial do clássico manual The Elements of Style, à exceção de um serrote desenhado especialmente para a publicação do Instituto Moreira Salles.
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QUADRINHOS
Filosofia pop
A Desiderata garantiu os direitos da graphic novel Nietzsche – Se Créer Liberté.  Com texto de Michel Onfray e arte de Maximilien Le Roy, a biografia vem sendo considerada na Europa a melhor HQ do ano.

Adivinhe quem vem para jantar

Pensei em milhares de coisas (ok, talvez dezenas. Ou talvez só unidades) para fazer na minha segunda-feira de folga e, meio que por comodidade, resolvi apenas ler. O dia inteiro, sem pressa, sem ter de ser no metrô ou antes de dormir, e nada sobre o que fosse escrever depois no jornal. Não consegui cumprir esta última meta; acabei passando boa parte da tarde mergulhada num autor que entrevistarei em breve. Ao menos não precisei correr mais do que gostaria com a leitura, o que incluí na minha cota de consolo, junto com o fato de fazê-lo numa mesa de calçada do Valadares, acompanhada pelo sol do fim da tarde e por alguma cerveja.

Sempre que ouço alguém reclamar da obrigação de trabalhar me seguro para não cair no insuportável discurso de que, se é para passar um terço da vida adulta fazendo algo que garantirá o divertimento e o sono tranquilo dos outros dois terços, não é mal passar esse primeiro terço em um trabalho do qual se goste, com o perdão do raciocínio que de tantos terços mais parece um rosário. Me seguro porque já repeti isso tantas vezes que daqui a pouco todos os amigos pararão de me chamar para participar do terço que corresponde ao divertimento deles.

Mas tenho de admitir que, no caso da literatura, a receita não funciona assim tão bem. É claro, é ótimo passar oito horas por dia pesquisando sobre livros, avaliando quais títulos valem ou não resenha e quais resenhistas podem escrever sobre, apurando notas sobre o mercado literário e entrevistando autores e editores. É uma delícia dedicar parte do dia a ler por obrigação sites de literatura de que gosto.

Mas há uma coisa que não há como fazer no horário de trabalho, e essa coisa é parar para ler um livro que renderá texto a ser publicado. Então o dia de trabalho para quem escreve sobre literatura não acaba no jornal. Ele continua no metrô, participa do jantar, vai junto pra cama e fica para tomar café da manhã, como um amante sem noção que não sabe a hora de ir embora. E também elege os títulos que você lerá.

Nenhuma ambição de ler as 800 e tantas páginas de 2666 antes da aposentadoria, por exemplo. Ou de aproveitar um feriado para acabar com aquela clássica lacuna nos conhecimentos de literatura clássica. Nos últimos tempos, o que me deixa satisfeita é descobrir que Roth e afins publicaram como romance a última novela que escreveram, já que só a concisão garante a leitura por prazer nas horas vagas. Só não me venham cobrar dessa gente livros mais extensos, por favor.

Enfim, algo a dizer

Confesso que quando soube, meses atrás, que a Flip teria mesa sobre o futuro do livro tive vontade de parar o que estava fazendo e tirar uma soneca.  O problema é que, no Brasil, fala-se muito mais sobre o tema do que se vê algum avanço, e não será uma mera falta de assunto que impedirá um repórter de escrever um lide.

Daí que foi uma boa surpresa conversar com um dos integrantes da mesa sobre o tema  na Flip (junto com Robert Darnton), o CEO da Penguin, John Makinson, por conta da parceria da editora com a Companhia das Letras (sobre a qual falo aqui e aqui, em reportagem publicada ontem no Caderno 2). Por uma razão simples: ao contrário da maior parte das pessoas que discorrem sobre o assunto no Brasil, ele fala com conhecimento de causa, já que a Penguin tem trabalho forte nesse sentido.

Agora, relendo a entrevista, faço um mea culpa. Durante a conversa a questão não me ocorreu, mas agora ela esperneia na minha frente.

A ideia do conteúdo extra como diferencial para um e-book sobreviver à pirataria de livros não lembra algo que você tenha ouvido antes? Não lembra aquele discurso do mercado cinematográfico de que “um DVD pirata não tem os extras que existem no oficial”? Não posso dizer que acompanhe de perto o mercado de DVDs, mas a gente tem uma ideia. Ou, se não, dá pra ter uma noção do capítulo seguinte lendo esta reportagem que a Ana Paula Sousa fez para a Ilustrada meses atrás.

Mas, enfim. A gente pode até desconfiar do futuro no caso dos livros. Mas, como ninguém está aqui para mãe Diná, vale ouvir quem faz o negócio funcionar hoje.

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[entrevista publicada no Caderno 2 de 16/7]

O desafio é tornar a leitura interessante nos E-BOOKS’

John Makinson, que estará na Flip, fala das apostas bem-sucedidas da editora em e-books e das possibilidades do mercado

Raquel Cozer – O Estado de S. Paulo

Uma exigência da Penguin na parceria com a Companhia das Letras foi que todos os livros da coleção Clássicos também saíssem no formato digital. Por quê?

Nos EUA, o mercado de e-readers vem crescendo rapidamente. Em pouco tempo, eles se tornaram plataformas atraentes para o leitor. No Brasil, as opções de leitores eletrônicos em celulares ou tablets ainda são incipientes, mas aposto que em poucos anos haverá um mercado significativo. Essa é uma razão. Outra razão foi entendermos que é possível oferecer bom material extra na literatura em formato digital. Por exemplo, se você pega Jane Austen, Orgulho e Preconceito, pode enriquecer o conteúdo digital com descrições de características do período, informações históricas sobre lugares onde os fatos se passam, trabalhos críticos. Tenho confiança na ideia de testar limites editoriais e acho que o Brasil logo terá mercado para isso. Você, que vê esse mercado de perto, o que acha?

O que me chama a atenção é o receio que editores têm de apostar nesse mercado. Tivemos em São Paulo um congresso sobre livro digital, e era dúvida recorrente a questão dos lucros. É possível lucrar com e-books?

Sim, claro que sim, porque o e-book não exige nada de manufatura, não exige investimento em distribuição e estoque. Você ainda tem o investimento, é claro, na edição, na divulgação do livro, mas não há custos físicos. Então a questão é: você pode determinar o preço do livro de forma que o consumidor fique satisfeito, e também o editor? Essa é uma das questões sobre as quais vou falar na Flip.

Já é lucrativo para a Penguin?

Sim, claro. Por que não seria?

Devido à pirataria, por exemplo.

Sim, isso é um fato. Mas no mercado do livro não tem sido como foi no da música. Há várias diferenças. Uma é que a psicologia do consumidor é outra. Na música, é interessante para jovens ter enorme quantidade de faixas no iPod, milhares delas. Não é cool ter milhares de livros no e-reader, porque ninguém conseguirá lê-los. Isso é um ponto. Outro ponto é que a indústria da música descobriu que o consumidor não queria comprar o álbum, e sim a faixa. Então o modelo desenvolvido por muito tempo não era o ideal. Não é o caso do livro. Não temos evidência de que as pessoas estejam interessadas em comprar capítulos, elas querem o livro. E, em terceiro lugar, as pessoas têm relação sentimental com o livro. Uma coisa importante na Penguin é a certeza de que os livros sejam bonitos para que as pessoas queiram ter e colecionar.

Mas na música também havia relação sentimental com álbuns. Será que as novas gerações terão essa relação com os livros?

Não sei! Creio que sim. Acho que há algo duradouro na relação sentimental com o livro. Nos EUA a oportunidade para pirataria e infração de direitos autorais já existe há muitos anos, há muitos sites de upload de conteúdo de livros. Não digo que não seja um problema. É um problema, mas não é “o” grande problema como na música. As vendas na Penguin continuam bem. Não estamos encolhendo, estamos crescendo.

Qual a parcela de livros da Penguin vendida no formato digital?

Os e-books chegam a 10% das nossas vendas. O que percebemos foi que há livros mais adequados para o formato digital que outros. Não são categorias totalmente consistentes, mas um novo best-seller, por exemplo, tem mais potencial para conteúdo extra na versão digital que um clássico, já que o próprio autor pode produzir esse conteúdo. O que é interessante é tentar entender o que o consumidor não compra quando compra o e-books, se deixa de comprar o livro hardcover (de capa dura, em geral a primeira edição de livros nos EUA) ou o paperback (tipo brochura).

Você foi citado no ranking dos nomes mais importantes da mídia em 2010 segundo o MediaGuardian por ações no mercado digital. Quais os próximos passos da Penguin nesse sentido?

O interessante desse ranking foi o argumento de que estamos redefinindo a indústria do livro. Alguns dos aplicativos que estamos desenvolvendo serão bem diferentes de tudo o que fizemos até agora. A maneira como apresentamos informações de viagem no iPad, ou como fazemos livros ilustrados para criança virem à vida, ou ainda como envolvemos redes sociais e comunidades de um jeito novo no mercado para adolescente. Isso tudo é muito novo e requer novas habilidades de editores. Significa que temos de entender novas tecnologias, novos critérios para determinar preços, temos de ser criativos na maneira de pensar no leitor. Não diminuo as questões que você levantou, a pirataria, a preocupação com lucro, são questões sérias. Mas, acima de tudo, estamos muito otimistas.

A digitalização de clássicos que o Google promove pode prejudicar as vendas da Penguin?

Bem, você pode obter no Google os clássicos em domínio público, mas, se fizer isso, a experiência de leitura não será atraente. Eles digitalizam e escaneiam manuscritos originais, e estes são os velhos, difíceis de ler. Mas eles no Google são espertos, logo darão jeito de melhorar isso. Com isso, nos desafiam a pensar em como tornar os Clássicos da Penguin realmente atraentes por seus preços. A questão é: o que você compra quando compra nossos clássicos é design, introduções, qualidade de tradução, notas de rodapé. Devemos deixar claro para o leitor o que temos de diferente, porque estamos propondo que comprem por uma quantia razoável de dinheiro algo que podem conseguir de graça. É um desafio interessante.

A coluna no Sabático de 10/7

BABEL

Raquel Cozer – raquel.cozer@grupoestado.com.br – O Estado de S. Paulo

DIGITAL
Livros raros de Warhol e Bresson estarão à venda no Salão das Artes


Três exemplares de livros raros e autografados pelos autores serão vendidos pela livraria Fólio no Salão de Artes, que acontece de 16 a 22 de agosto no Clube A Hebraica, em São Paulo. Dois são de Andy Warhol: Portraits of the 70″s (1979), cuja edição teve apenas 200 cópias, custará R$ 6 mil; já The Philosophy of Andy Warhol (1975), que inclui desenho à mão do artista de uma de suas célebras latas de sopa Campbell, sairá por R$ 15 mil. A terceira obra é um exemplar da primeira edição de Paris à Vue D”Oeil (1994), com dedicatória de Henri Cartier-Bresson à pessoa que o ajudou a selecionar as fotos para o livro. Tem textos de Vera Feyder e André Pieyre de Mandiargues e custará R$ 4.600.

HISTÓRIA
As listas de Eco

O Livro das Listas, em que Umberto Eco vê a necessidade humana de criar listas como a origem da cultura, aporta em setembro no Brasil. Assim como ocorreu com A História da Beleza e A História da Feiúra, o título da Record será editado na Itália e virá de navio. “Me pergunto se não é tudo ironia. Talvez a piada seja fazer o leitor crer que o elogio de Eco às listas é sério”, concluiu a historiadora Mary Beard ao resenhá-lo no Guardian.

ARQUIVO
Beatles como nunca antes

Um arquivo inédito de letras, roupas e instrumentos será revelado em setembro em Beatles Memorabilia: The Julian Lennon Collection, que a Carlton publica com o filho mais velho de John. “Há itens que ninguém jamais viu”, resumiu o editor Roland Hall.

QUADRINHOS
Mutarelli no espaço

Sai em agosto, pela Zarabatana, O Astronauta ou Livre Associação de Um Homem no Espaço, HQ que foi gestada por seis anos. O texto é de Lourenço Mutarelli, que pela primeira vez aceitou escrever para outros ilustrarem – no caso, os jovens Flavio Moraes, Fernando Saiki e Olavo Costa.


FLIP 1
Calçada de pedras da fama

O agente de Lou Reed avisa que “tudo bem” o músico ser clicado por fotógrafos na Flip, desde que não usem flashes. A ver se Lou consegue se proteger também dos flashes dos fãs que lotarão, dia 7, a sua mesa, uma das duas mais concorridas do ano.

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A outra convidada cujos ingressos se esgotaram mais rápido na segunda, Isabel Allende, recebe cuidado redobrado da Record. Com mesa no dia 5, será a única dos autores a pegar helicóptero do Galeão até Paraty.

FLIP 2
Programa em Paraty

E o Itaú Cultural estreará no evento em Paraty. O Jogo de Ideias, exibido em TVs educativas desde 2004, terá episódios gravados na Casa de Cultura. Entre os convidados, dois da Tenda dos Autores, Benjamin Moser e Berthold Zilly. A entrada será gratuita.

CONCURSO
Prêmio para capas

A Getty Images abre em agosto inscrições para a segunda edição de seu concurso de capas de livros. Em 2009, concorrendo com 52 trabalhos, venceu a capa criada por Rodrigo Rodrigues de Azevedo para Os Espiões (Alfaguara), de Luis Fernando Verissimo.

ORIGINAIS
Sinais dos tempos

A pequena Tin House, dos EUA, anunciou que aceita receber originais de autores inéditos. Desde que venham junto com recibo de título comprado em livraria. É a campanha Compre Um Livro, Salve Uma Livraria.

Colaborou Ubiratan Brasil

A China operária nos anos 2000

Não me surpreendeu a repercussão nos comentários do Estadão.com sobre a capa de sexta do Caderno 2 para minha entrevista com Leslie T. Chang, ex-correspondente do Wall Street Journal em Pequim e autora do livro As Garotas da Fábrica. Os leitores se dividem entre quem acha o resultado da pesquisa manipulador e os que defendem que, ao contrário da jornalista, nenhum dos críticos entre os comentaristas esteve na China, não tendo portanto base para questioná-la.

De fato, ao pegar o título, eu esperava ler apenas denúncias sobre as péssimas condições de trabalho das operárias chinesas, já que a mulher ficou quatro anos só conversando com pessoas que trabalham nas fábricas e conhecendo Dongguan, cidade de 9 milhões de habitantes em que tudo gira em torno das indústrias (e que, pelas descrições dela, me lembrou uma coisa opressiva no estilo Brooklands, o subúrbio londrino descrito por J.G. Ballard em O Reino do Amanhã).

Há muito lá sobre isso, é claro. Se elas largam um emprego, ficam sem receber dois salários. Não têm direito a ver por dentro a fábrica onde vão trabalhar até serem contratadas. Não podem conversar durante o expediente, sob o risco de terem descontado parte do salário. Mas o livro segue rumo inesperado ao acompanhar bem de perto algumas dessas personagens. Não é fácil defender algo que já movimentou ativistas de direitos humanos (com resultados visíveis, segundo o livro), mas em alguns pontos Leslie Chang foi especialmente firme na nossa conversa: jornais tendem a procurar a manchete e generalizar; ainda não são as condições ideais de trabalho, mas as alternativas são muito piores; é o que eles querem e é o que lhes permite sair da linha da pobreza para uma nova classe média.

A crítica mais forte no Estadão.com, feita por um leitor protegido pelo codinome Clefonésio Astrogildo, com toda essa macheza opinativa que o anonimato permite, levanta pontos relevantes. Mas tudo o que questiona (incluindo o erro de avaliação do leitor) está descrito e muito bem explicado no livro. Ficou de fora da reportagem porque resumir  400 páginas em um pequeno texto com entrevista e ainda levantar novas questões também implica deixar muito de fora.

Enfim. A entrevista está abaixo. A quem quiser questionar a autora com propriedade, recomendo antes ler o livro, porque não posso fazer isso por ela. Mas é claro que comentários de quem assina embaixo são sempre bem-vindos.

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O olhar feminino sobre a vida operária na China

Livro ‘As Garotas da Fábrica’ investiga como as indústrias mudaram a rotina das jovens no país

Raquel Cozer – O Estado de S.Paulo

Uma sátira a um anúncio da Nike que corre na internet mostra uma menininha chinesa de laço no cabelo costurando um tênis. Acima, o slogan da marca: “Just do it” (apenas faça isso). A ilustração alude às denúncias feitas nas últimas décadas contra grandes empresas americanas, acusadas de contratar mão de obra escrava e infantil em países asiáticos. Por curiosidade, a maior fabricante de tênis da Nike, a empresa Yue Yuen, foi a única que aceitou abrir as portas para a jornalista Leslie T. Chang quando ela iniciou as pesquisas para o livro As Garotas da Fábrica (2008), que sai agora aqui pela Intrínseca.

Nos anos 90, operários chineses trabalhavam até mais de 24 horas seguidas e tinham só uma folga por mês. Depois que ativistas dos direitos humanos protestaram contra as condições nas fábricas, as marcas americanas passaram a pressionar fornecedores a melhorá-las. Não chega a ser o paraíso na Terra – a jornada hoje é de 11 horas, com folgas aos domingos, e operários dividem dormitórios com uma dezena de colegas -, mas, na cidade industrial de Dongguan, ao sul do país, muitos consideram Yue Yuen um bom lugar para trabalhar.

Leslie Chang, americana que trabalhou de 1998 a 2005 como correspondente do Wall Street Journal na terra de seus pais, quis contar essa história por um ângulo que os jornais não abordam, o de como a industrialização transformou a trajetória de mulheres que saem das aldeias em busca de projeção na vida. Escolheu a metrópole de Dongguan, que tem algo em torno de 9 milhões de habitantes e cuja origem é indissociável das centenas de fábricas que compõem seu cenário, e ali acompanhou operárias por quatro anos, tempo em que as viu prosperarem, abrirem negócios, fecharem negócios, casarem. Veja a seguir os principais trechos da entrevista que Leslie deu por telefone ao Estado, de Colorado (EUA), onde vive com o marido.

Pelo que você conta no livro, a vida nas fábricas chinesas é melhor hoje do que quando surgiram as primeiras denúncias sobre as condições de trabalho…

Sim. De forma gradual, os pagamentos e as condições vêm melhorando. Se você olha para dez anos atrás, com certeza era tudo pior. Mas acho que, desde o início, as pessoas tiveram uma concepção errada dos trabalhadores migrantes, imaginando-os como escravos, todos oprimidos. Quis fazer o livro para mostrar um retrato mais completo e complexo desse cenário, para saber como essas pessoas veem suas próprias vidas. E não sinto que se vejam como vítimas.

E quanto a casos de fábricas que escravizam trabalhadores?

Bem, há algumas coisas sobre isso. Em primeiro lugar, o jornalismo – e eu fui jornalista por um bom tempo – tende a focar em casos de abuso ou injustiça. Então, o retrato que emerge dos trabalhadores não é o espelho de como é a vida da grande maioria deles. Fui atrás não das manchetes, mas do cotidiano. Outra coisa é que, quando você diz que um trabalhador ganha US$ 100 por mês, isso parece muito pouco, algo quase escravizante. Mas, quando vê o custo de vida dos trabalhadores, percebe que US$ 100 dá para muita coisa. Eles podem fazer todas as refeições pelo mês inteiro por US$ 3 ou US$ 4 e mandar de US$ 60 a US$ 80 para casa todo mês, o que é mais do que os pais deles ganham num ano inteiro. A quantidade de dinheiro que para nós parece pouco para eles é a diferença entre estar na pobreza ou fazer parte da classe média. Um dos pontos do livro é comparar a vida das mulheres com a que levavam nas aldeias de onde saíram. Trabalhar na fábrica não é viver no paraíso, mas é o que elas querem.

É curioso que as mulheres sejam quem mais tem a ganhar com as fábricas, sendo mais contratadas que os homens, por causarem menos problemas.

Antes de começar a escrever, tive contato com a parte rural do país. Aquilo sim é opressivo para jovens mulheres. Não há oportunidades, é uma cultura muito tradicional, sexista. Imaginava que viver na cidade poderia ser positivo para meninas de 18 anos, mas não sabia até que ponto até conversar com elas e ouvir suas histórias. Conheci migrantes mais antigas, que foram para Dongguan no início dos anos 90, e em 10 ou 15 anos elas mudaram para uma classe mais alta. Têm cargos mais altos dentro das fábricas, compraram apartamentos e carros, casaram-se, tiveram filhos. Se você vê só casos isolados, como fazem os jornais, não nota isso.


Sua descrição de Dongguan é a de uma cidade opressiva. Vendo imagens no Google, nem parece tão mal assim…

(Risos) Sim, sim. Quando comecei a escrever sobre a cidade, eu a achava opressiva, difícil, áspera. Ficava cansada só de estar lá. À medida que fui conhecendo as garotas e passando tempo com elas, Dongguan começou a ganhar vida para mim. Comecei a vê-la pelos olhos delas, com os restaurantes e parques que elas frequentavam, e aquilo se tornou um lugar mais humano.

Em que ponto decidiu incluir a história de seus antepassados, também migrantes, no livro?

Nasci e cresci nos EUA, e nunca tinha investigado nada sobre meus antepassados. Quando comecei a pesquisa, pedi licença no jornal e consegui tempo para visitar a aldeia da minha família, onde conheci parentes. Comecei a comparar as vidas deles com as das novas migrantes, e vi na história de meus avós e bisavós paralelos interessantes com as dessas garotas, no sentido de deixar tudo para trás em busca de uma vida melhor.

Alguma autoridade ou fábrica dificultou suas pesquisas?

Não muito. Queria escrever um capítulo sobre a vida dentro da fábrica, então entrei em contato com várias delas, e só Yue Yuen liberou e me deu acesso total a suas instalações. Acabei não tentando entrar em outras. O que acontecia com frequência era ouvir de garotas o pedido de que não as acompanhasse, para não lhes causar problemas.

Nesses dez anos em que viveu na China, o boom econômico foi muito perceptível?

Muito. Você vai a um restaurante e, quando volta, meses depois, toda a vizinhança foi derrubada para a construção de prédios. As cidades mudam mês a mês, e também a vida das pessoas. Em 1998, o governo anunciou um programa para incentivar a compra de apartamentos. Na época, meus amigos jornalistas e eu achávamos que isso não ocorreria, mas cinco anos depois todos tinham seus apartamentos. A mesma coisa com carros. A impressão que tenho é que eles estão se tornando modernos na economia, mas preservam ideias tradicionais. Mesmo as garotas das fábricas. Elas são livres, vivem com namorados, mas, ao mesmo tempo, querem casar cedo e ter filhos. E acham que têm que dar dinheiro aos pais porque devem a eles a educação recebida.

Mas há a questão da corrupção em todos os níveis, de que você trata no livro.

Acho que o mais difícil para os migrantes é viver nessa sociedade corrupta não só politicamente, mas também no nível pessoal, na qual todo mundo mente o tempo todo. Saí de Dongguan com a impressão de que essa é a pior coisa para a sociedade chinesa e o sistema político. Os maiores problemas não têm a ver com condições fabris, mas com a falta de saúde moral.

TRECHO

“Quando se encontrava uma garota de fábrica,…

…a primeira coisa era saber as referências. De que ano você é?, perguntava uma à outra, como se não estivesse falando de um ser humano, mas de fabricação de carros. Quanto por mês? Incluindo quarto e refeições?Quanto pelas horas extras? Podia então perguntar de que província era. Mas nunca perguntava o nome.

Ter uma amiga de verdade dentro da fábrica não era fácil. Dormiam 12 garotas em um quarto, e naquele ambiente claustrofóbico do dormitório era melhor guardar segredo. Algumas entravam para a fábrica com carteiras de identidade emprestadas e nunca diziam a ninguém os verdadeiros nomes. Outras só conversavam com colegas de sua província de origem, mas isso tinha lá seus riscos: o disse me disse percorria célere o caminho da fábrica até a aldeia, e, quando elas voltavam para casa, as tias e as avós sabiam quanto tinham ganhado, quanto tinham economizado e se saíam com rapazes.”

QUEM É

LESLIE T. CHANG
ESCRITORA

Filha de chineses que migraram para os Estados Unidos, Leslie Thonghe Chang formou-se em história e literatura americana pela Universidade de Harvard. Mudou-se para a China, em 1998, para trabalhar como correspondente do Wall Street Journal em Peguim, função que ocupou até 2005. De 2004 a 2007, fez as pesquisas para As Garotas da Fábrica (2008), seu primeiro livro. Vive hoje nos EUA.

Estante à moda cubana

E essas estantes, hein? Ok, é arte (da dupla cubana Los Carpinteros), mas bem que combina com minha capacidade de organizar livros em casa.

Gosto também desta aqui, a Sala de Leitura.

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E um update, já que estamos no assunto. Outra que acabo de ver no Bibliotecários Sem Fronteira. Da loja Foldaway Bookshop, montada (só por 13 dias) no Festival de Arquitetura de Londres deste ano para venda de títulos voltados ao setor. As estantes são de papelão e dobráveis, para facilitar o transporte e aproveitar melhor o espaço. Ideia simpática e barata para estandes em bienais de livros.


Lógica humana

Chegou às livrarias nesta semana a melhor graphic novel que li neste ano, Logicomix.  Escrevi sobre ela no Sabático de hoje, no Estadão.

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O lado humano da busca lógica

A partir da biografia do pensador inglês Bertrand Russel, Logicomix, elogiada graphic novel grega que acaba de chegar ao Brasil, traduz em aventura visual os intrincados fundamentos da matemática

Raquel Cozer – O Estado de S.Paulo

Foi a matemática que salvou Bertrand Russell (1872-1970) de seus arroubos suicidas juvenis. A noção que o filósofo e matemático inglês tinha desse fato, que ele tornaria público tempos depois na autobiografia Greek Exercises, ajuda a entender por que, dentre os tantos gênios da ciência exata no século passado, foi ele o escolhido para protagonizar a graphic novel Logicomix, recém-lançada pela WMF Martins Fontes.

Publicada na Grécia em 2008, Logicomix pode ser definida numa sinopse mais apressada como uma trama sobre a busca pelos fundamentos lógicos da matemática. Mas, fosse apenas uma espécie de manual para iniciantes, não teria arrebatado público ao ponto de liderar a lista de HQs mais vendidas do New York Times por semanas a fio e, ao mesmo tempo, arrancado elogios derramados da crítica internacional. “Queríamos uma história sobre as pessoas e as paixões que moveram suas ideias”, diz o roteirista Apostolos Doxiadis, em conversa por telefone com o Estado, de Atenas. A proposta aumentou a complexidade da narrativa, cuja elaboração exigiu dois anos de discussões e outros cinco para roteiro e arte, com uma equipe que incluía o especialista em lógica Christos H. Papadimitriou e os desenhistas Alecos Papadatos e Annie Di Donna.

Um lógico ciente de suas fraquezas era o personagem ideal para humanizar essa história. Descendente de nobres, Russell foi, além de filósofo e matemático, ativista político, ícone do pacifismo e galanteador incorrigível (casou-se quatro vezes, teve três filhos e apaixonou-se pela mulher de seu mais duradouro parceiro intelectual, Alfred North Whitehead). “Ele era muitos. Mudou várias vezes de ponto de vista, de filosofia, de posição política. Quando alguém fala sobre Russell, a questão é sobre qual está falando, qual idade, qual mentalidade, qual teoria. A única coisa que permaneceu por toda a vida foi a insatisfação com o que não podia explicar”, analisa Doxiadis. Por esse aspecto, Logicomix engloba vários Russells, já que o segue da segunda metade da década de 1870 até 1939. E se dá o direito de alguma “liberdade quadrinística”, inclusive nas participações de nomes célebres como Kurt Gödel, Gottfried Leibniz e Ludwig Wittgenstein.

Wittgenstein, intenso

Não menos intrincada é a forma da narrativa. Como uma matrioska, a boneca russa que contém outras similares dentro de si, ela se constrói em camadas, na definição de Doxiadis. A exterior tem como personagens os autores da HQ, envolvidos na tentativa de esclarecer para eles mesmos o que será tratado nas páginas a seguir. Eles apresentam os fatos da segunda camada, na qual Russell chega a uma universidade americana, em 4 de setembro de 1939 – logo depois de o Reino Unido entrar na 2ª Guerra -, convidado a palestrar sobre a lógica nas questões humanas. É abordado na entrada por manifestantes, que clamam por seu apoio pela não-participação dos EUA no conflito, e os convence a entrar no auditório para ouvi-lo.

Na palestra, Russell passa a narrar a terceira camada, cronológica, que começa no dia em que ele, criança, vai morar com os avós e se vê num ambiente de regras rigorosas e ardor religioso. É nesse cenário que trava o primeiro contato com a matemática. Logo percebe uma insatisfação com aquela “mágica” que agora o fascina – a existência de fatos aceitos sem provas, como o axioma “através de um ponto exterior a uma reta só é possível passar uma reta paralela a ela”. “De que vale uma demonstração que se baseia em algo não demonstrado?”, questiona o garoto ao professor na graphic novel. A imagem o perseguirá pelo resto da vida: “A matemática era como o cosmos da mitologia indiana: sua aparente solidez na verdade dependia dos caprichos dos animais que o carregavam. A matemática se erguia sobre bases instáveis.”

Loucura. É irônico que, no sentido emocional, tenha sido também sobre bases instáveis que se construiu o pensamento da época. A estranha relação entre lógica e insanidade é outro tema central da HQ, que desfia exemplos. A loucura acometeu o russo Georg Cantor (1845-1918), “o homem que provou da árvore do conhecimento do infinito”, e o alemão Gottlob Frege (1848- 1925), autor dos Fundamentos da Aritmética; já o austríaco Gödel (1906-1978) morreu de fome, paranoico com a ideia de ser envenenado. Russell não perdeu a razão, mas temeu isso toda a vida. Dois de seus tios eram loucos e um filho sofria de esquizofrenia, assim como uma neta, que se suicidou. “A alta incidência de doenças mentais entre os fundadores da lógica foi algo sobre o que escreveu (o filósofo e matemático ítalo-americano) Gian-Carlo Rota. Faz sentido se pensarmos que a lógica leva a extremos”, analisa Doxiadis.

O jovem Bertrand Russell se colocava no limiar entre a filosofia e a matemática. Era seguidor do alemão David Hilbert (1862- 1943), que pregava a rigorosa exatidão da demonstração na matemática. O outro extremo tinha como maior nome o francês Henri Poincaré (1854-1912), defensor da importância da intuição. Mas, por curiosidade, a maior contribuição do inglês para a discussão enfraqueceu o lado que ele defendia. Foi em 1901, quando lhe ocorreu a questão que viria a ser exemplificada mais ou menos desta forma: os homens de uma cidade são obrigados por lei a fazer a barba todo dia. Eles podem fazer a própria barba ou recorrer ao único barbeiro local, cuja atribuição é barbear só aqueles que não fazem a própria barba. Assim sendo, quem faz a barba do barbeiro?

Russell descobrindo o paradoxo do barbeiro

Parece um simples jogo de palavras, mas, para a busca da base lógica na matemática, foi um baque. A ponto de, dois anos depois, Frege ter incluído um adendo no seu segundo Fundamentos da Aritmética: “Poucas coisas podem ser mais desastrosas para um autor de textos científicos do que ter um dos pilares de sua empreitada abalado depois de concluir sua obra. Vi-me nessa situação ao receber uma carta do sr. Bertrand Russell, justamente quando o processo de publicação deste volume estava quase concluído.” Russell e Whitehead passariam duas décadas tentando resolver isso em estudos que resultariam nos três volumes do Principia Mathematica. Não foram bem-sucedidos, mas plantaram as bases que inspiraram Gödel e Wittgenstein, entre outros, e foram fundamentais à ciência da computação.

Ficção. Formado em matemática na Universidade de Columbia, Doxiadis experimenta a intersecção com a ficção desde 1992, quando publicou o best-seller Tio Petros e a Conjectura de Goldbach (Editora 34). “Estou acostumado a me dirigir a pessoas que não entendem de matemática. Acredito que os leitores dos meus dois livros, em geral, gostam de literatura, e não de obras de ciência popular. Mas não vejo sentido em tornar as coisas difíceis para o leitor, em fazê-lo trabalhar para entender o que está lendo.” Sempre hábil com as palavras, o autor fica vários segundos em silêncio ao ser questionado sobre por que resolveu contar a história numa HQ. Por fim, argumenta: “Eu nunca poderia escrever um romance histórico. Isso exigiria enormes descrições, e elas me entediam. Tenho mais interesse por ideias, diálogos, ações e paixões. Numa graphic novel, você deixa a arte fazer a descrição.”

A coluna de 3/7

Na foto abaixo, o largo de São Bento visto do convento, em 1884, por Militão Augusto de Azevedo. Coluna publicada no Sabático de hoje, no Estadão.

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BABEL

Raquel Cozer – raquel.cozer@grupoestado.com.br – O Estado de S.Paulo

PERFIL
Loyola mostra Ruth Cardoso “por trás da catedrática”

Ignácio de Loyola Brandão já entregou à Globo Livros os originais do perfil Ruth Cardoso: Fragmentos de Uma Vida, ao qual se dedicou no último ano e que deve sair em setembro, quando a socióloga, morta em 2008, completaria 80 anos. Foi Fernando Henrique Cardoso quem sugeriu o nome dele para a editora, ao lembrar que, em 1995, o escritor e colunista do Estado havia realizado para a revista Vogue uma extensa entrevista com Ruth, que até então se recusava a falar no papel de primeira-dama. Na ocasião, Loyola tirou dela até comentários sobre a relação com FHC (“Todos o consideravam o bonitão, mas confesso que nem era tanto. Tão magrinho”). Trechos dessa conversa estão no livro, assim como lembranças de dezenas de parentes e conhecidos (“Não era amiga dessas de contar no detalhe uma intimidade. Nunca deixava ultrapassar certos limites”, descreveu a amiga Regina Meyer ao escritor). Loyola define a obra como um “retrato alongado” da “mulher por trás da catedrática, da doutora, da primeira-dama, da feminista”.

SOCIOLOGIA
Ruptura na modernidade

O clássico contemporâneo Sociedade de Risco, de Ulrich Beck, terá em agosto a primeira edição nacional, com tradução de Sebastião Nascimento para a Editora 34. No livro, o alemão argumenta que vivemos momento de ruptura similar ao do fim da era feudal e no qual “a produção social de riqueza é acompanhada pela produção social de riscos”. A obra saiu na Alemanha em 1986, logo após o acidente nuclear de Chernobyl.

INFANTO-JUVENIL
Best-seller para novo público

A estreia de John Grisham no gênero infanto-juvenil levou-o neste mês ao topo dos mais vendidos nos EUA e já tem dona no Brasil – até o fim do ano, a Rocco lança o primeiro título da série Theodore Boone, sobre um expert em advocacia de 13 anos. Antes, em agosto, sai A Lei, mais recente thriller de tribunal adulto do autor de A Firma.

CINEMA
Feitos um para o outro

A Intrínseca adquiriu os direitos de One Day, romance de David Nicholls que será adaptado para o cinema pela finlandesa Lone Scherfig (diretora do premiado Educação), com Anne Hathaway (protagonista do Alice de Tim Burton) no papel central.

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A trama tem um quê de Harry e Sally: os protagonistas, Emma e Dexter, encontram-se pela primeira vez em 1988 e voltam a se esbarrar por duas décadas. O próprio escritor faz o roteiro do longa, previsto para 2011 – quando também sai o livro por aqui.

ICONOGRAFIA
Lembranças reeditadas

Carlos Augusto Calil, secretário municipal de Cultura de São Paulo, reedita o livro Memória Paulistana, cuja primeira edição, de 1975, ele organizou para a inauguração da sede do Museu da Imagem e do Som na avenida Europa. Com fotos do fim do século 19 até os anos 40, o álbum era o catálogo de uma mostra idealizada por Rudá de Andrade, então diretor do MIS. Inclui imagens de Militão Augusto de Azevedo e Valério Vieira “razoavelmente desconhecidas à época”, escreve Calil no prefácio à nova edição. Deve sair este ano pela Imprensa Oficial do Estado de SP.


FANTASIA
Outros rumos da Panini

Líder em quadrinhos no Brasil, com obras da Marvel e DC Comics, a Panini aposta no que chama de “livros literários” no momento em que grandes editoras investem nas HQs. A estreia acontece com Orcs – Guardiões do Relâmpago (“no melhor estilo Senhor dos Anéis”, informa a editora). Ainda neste ano, saem títulos como Demonkeeper – O Guardião do Caos (sobre fera “muito, muito perigosa”) e Bram Hambric (“que segue a linha Harry Potter”).

ENSAIO
De onde vem a criatividade

Um dos maiores pensadores do cyberespaço, o americano Steven Johnson tenta decifrar a origem da criatividade – e por que determinados ambientes parecem mais propícios ao surgimento de boas ideias – em Where the Good Ideas Come From: The Natural History of Inovation, que sai em outubro nos EUA. Por aqui, os direitos estão com a Zahar, que lançou em 2009 A Invenção do Ar.