Um pouco de Babel na Biblioteca de Raquel

Correr atrás de notas exclusivas para coluna é algo que nunca tinha me passado pela cabeça. Ou, ok, até tinha, mas isso é uma longa história… Mas admito que, estresses à parte, tenho achado divertido arrumar coisas para a Babel, a coluna sobre o mercado editorial do Sabático.

Tudo bem que duas semanas foram o suficiente para perceber que as coisas quase nunca saem como o esperado. Meu texto de abertura da coluna deste sábado caiu na última hora – como na semana passada, por sinal. É uma droga quando acontece, mas depois achei que foi até sorte. Juntei uns pontos inesperados e consegui em primeira mão essa história abaixo. Pros fãs de HQs é ótima notícia.

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Leya e Saraiva entram no mercado de graphic novel

Raquel Cozer

O lançamento do selo Quadrinhos na Cia., da Companhia das Letras, há menos de um ano, abriu os olhos de duas outras grandes editoras para a disputa por esse mercado. A Leya acaba de fechar uma parceria com a Barba Negra para lançar ao menos dez títulos em 2010. A princípio, serão três estrangeiros, incluindo a celebrada Stitches, de David Small (que por aqui sairá como Cicatrizes) e sete nacionais – uma delas, uma graphic novel com peças de Plínio Marcos roteirizada por Mário Bortolotto. A editora portuguesa também comprou da americana First Second os direitos de tradução da HQ online Zahra’s Paradise. No ar em oito idiomas, Zahra’s poderá ser lida na rede em português já na semana que vem e sairá em papel em 2011. Já a editora Saraiva tem pelo menos cinco livros em quadrinhos previstos para sair até setembro, como The Beats, por Harvey Peaker, e Terra do Nunca, versão de Brom para a história de Peter Pan.

O quadrinho acima é do Stitches, que sai pela Leya.

Soube que a Leya foi só uma entre várias editoras brasileiras que entraram em contato com o povo da First Second depois do meu texto sobre Zahra’s Paradise no Caderno 2, em fevereiro. Outras consideraram prematuro apostar numa HQ on-line que mal tava começando. Não sei. Acho que, para uma editora sem tradição em quadrinhos (a bem da verdade, ainda sem tradição em nada no Brasil), foi bola dentro arriscar. Vamos ver se assim dá para esquecer o evento Wannabe July.

Falando corporativês

Era para ter escrito algo aqui muito antes, mas foi uma semana tão curta que não teve jeito. O Sabático chegou ontem, com uma delícia de entrevista do Bira com o Umberto Eco e outras cositas más – incluindo a coluna Babel, de notas do mercado editorial, que ficará sob minha responsabilidade, com ajuda de outros repórteres.

Hoje saiu um texto meu no primeiro C2 Domingo, que – além de ter um conteúdo mais “revistizado”, como eles dizem – dará espaço para a cultura ligada a internet e tecnologia, assuntos que eu já abordava com frequência nos meus tempos de Ilustrada. Revirei o novo portal do Estadão (que, corporativismo à parte, achei muderno) em busca do link para a matéria – sobre quem são e o que pensam os raros usuários de e-readers no Brasil – mas está apenas na versão digital do jornal impresso. Segue abaixo o texto; no jornal, tá aqui, para assinantes.

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Quem usa Kindle, no fim das contas?

Muito mais falado que usado no País, leitor de e-books já se tornou imprescindível para quem o comprou

Raquel Cozer

A sensação de quem lê livros no Kindle em ambientes públicos hoje em dia é mais ou menos como a de um pai ou uma mãe que sai para passear com o bebê.  Todo mundo que esbarra no dono de um e-reader para, faz festa, quer pegar e saber detalhes.

O leitor de títulos eletrônicos foi assunto abordado à exaustão pela imprensa cultural e de tecnologia no ano que passou, mas a verdade é que parcela ínfima da população brasileira chegou sequer a ver um de perto. Tanto é um artefato beirando o exótico que, em geral, a primeira descoberta de quem coloca as mãos num deles é a de que meter o dedo sobre o espaço do texto suja a tela. À primeira vista, ele dá a impressão de ser touchscreen, como o iPhone, mas não é.

Para os detentores de e-readers, porém, esses aparelhos já ocupam um  patamar que os celulares alcançaram por aqui nos anos 90: foi possível viver sem eles por décadas, mas deixar de usá-los agora seria um problemão.  Ao menos é essa a opinião de quem lê neles com frequência.  Em geral, gente que tem interesse bem acima da média nacional pela leitura e que comprou a ferramenta só para uso profissional antes de se render a ela.


Assim como os celulares não aboliram o telefone fixo, o Kindle também não elimina o livro impresso para essa primeira geração de usuários.  Os critérios de compra são diferentes, avalia o escritor e editor Paulo Roberto Pires. Com 1.500 títulos em papel em casa, sendo que na última limpa conseguiu desapegar de 600, carrega o Kindle que usa há nove meses com o que chama de volumes “meio descartáveis”, que ele não pode mais se dar ao luxo de tentar enfiar nas estantes.  Integram essa lista, hoje com 50 títulos, romances policiais, por exemplo.

Por estes, Pires até abre mão da “coreografia do livro” da qual todo leitor compulsivo conhece variações – e que quase sempre inclui a checada básica por cima para ter noção do quanto falta ler.  Os e-readers, que não numeram as páginas, até tentam facilitar a coisa: indicam a porcentagem de texto já superada. “Não é a mesma coisa.  Perde-se a noção de progressão”, avalia.

São os pequenos detalhes que incomodam, na opinião do escritor Sérgio Rodrigues, paladino do Kindle desde que ganhou um da namorada, no fim do ano passado.  Ele defende que a tela lembra tanto a de papel que “o aparelho fica invisível”, mas, como bom representante de uma geração que não nasceu na frente da tela de um computador, ainda encontra dificuldades. “Quando você está na página 80 e quer conferir o nome de um personagem na 20 é um saco.  Tem de voltar uma por uma.” O mecanismo de busca deveria facilitar a tarefa, mas como fazer a busca por um personagem cujo nome não se lembra?

Folhear faz falta, assim como ver a estante cheia.  A editora Mariana Zahar tem quase uma coleção de e-readers – um Sony Reader, um Cooler, um Kindle e um aplicativo de Kindle para iPhone –, mas não raro eles servem de aperitivo para a compra do título impresso.  Já aconteceu algumas vezes, quando começou a ler um livro num e-reader e foi para a praia – onde prefere ler em papel para não estragar o aparelho – ou quando achou o livro tão bom que “precisava ter em casa”.

É curioso que a maior desvantagem do Kindle em relação a plataformas como o Nook (e-reader da Barnes&Noble) e o iPad (dispositivo eletrônico da Apple) seja, na avaliação de Sérgio Rodrigues, sua maior vantagem: o fato de não ter acesso à internet.  Há algumas semanas, o escritor fez uma veemente defesa do Kindle em seu blog, o Todoprosa. “É um aparelho bisonho, quase jurássico, feito exclusivamente para ler”, escreveu. “Se você está lendo um romance, a última coisa que quer é um e-mail bipando.  As distrações on-line ficam de fora, é para ler livros e pronto, não serve para mais nada”, diz.

É possível que em algumas décadas não seja fácil encontrar quem entenda a opinião de que o “livro em papel é um objeto tecnologicamente perfeito”, como diz Paulo Pires.  Mas, por enquanto, difícil é não se identificar com uma charge publicada no último dia 10 no USA Today.  Nela, um homem observa a vitrine de uma livraria, onde lê-se o aviso: “Livros sem baterias”.