O escultor de livros

O artista plástico norte-americano Brian Dettmer vem há alguns anos usando facas, pinças e instrumentos cirúrgicos para cavar obras de arte em livros. Só cavar mesmo: nenhum material é implantado ou transferido de lugar. O que ele faz é retirar pedaços de enciclopédias antigas, revistas médicas e volumes de ilustrações para dar uma nova cara a elas, muitas vezes mantendo a ideia do tema do livro no resultado.

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Kingdom, 2008, Altered Books, 9-5/8" x 10-3/4" x 9-3/4"

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Modern Painters (1873), 2008, Altered Books, 9-1/8" x 7" x 6-3/4"

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Libraries of Health, 2008, Altered Books, 10-3/4" x 10-1/4" x 8-1/2"

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Raphael, 2008, Altered Book, 15" x 11-1/2" x 2-1/2"

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The New Century, 2008, Altered Books, 11" x 12" x 11-3/4"

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Column 1, 2007, Altered Book, 12" x 7" x 5-1/2"

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Tem mais uma infinidade de imagens no site dele.

Update em 2/3: O Guardian acabou de dar um texto no site sobre essas esculturas – ai, ai, A Biblioteca de Raquel sempre pautando a imprensa internacional… (mentira, mas isso prova ao menos que frequentamos as mesmas fontes) – e incluiu um link mais recente com obras do artista.

A generosidade de Scliar

Estava na praia ontem, de folga, quando recebi a notícia da morte do Moacyr Scliar. Havia já sete dias que o filho dele, Roberto, não atualizava o Twitter com notícias do pai, uma saga de melhoras e pioras que a gente acompanhava com aflição. Parei para ajudar na cobertura, já que o Bira estava em Los Angeles e não poderia dar conta disso também. Enquanto recebia depoimentos de escritores, me impressionou a coincidência: “generoso” foi palavra quase unânime para defini-lo, por autores de diferentes gerações.

Agora, parando para escrever aqui no blog, me dei conta de que nunca o encontrei pessoalmente. Nós nos falamos tantas vezes por telefone quando eu cuidava das páginas de livros da Ilustrada (além de colunista da Folha, ele era colaborador frequente na seção de resenhas) e a figura dele era tão presente em eventos e programas literários que eu tinha a certeza de já tê-lo visto frente a frente.

E então me lembrei de algo curioso. Sempre fui uma fechadora meio cheia de cuidados (chata, diriam alguns). Na Folha, onde acumulava as funções de repórter e redatora, vivia conversando com os críticos para perguntar se podia mudar um ou outro detalhe, errinhos que tivessem passado no envio das resenhas, coisas pequenas que pudessem ser melhoradas na edição. Certa vez, falei para minha então editora que esperava resposta dele sobre alterações que tinha sugerido, e ela respondeu que era impensável mexer no texto de um colunista da casa. Achei melhor nem comentar que, em inúmeras outras ocasiões, mudanças foram feitas aqui e ali, sempre com o consentimento e até boas sugestões dele.

Parando para pensar, agora, não há como não reconhecer a enorme generosidade intelectual que representava ele aceitar sugestões de alguém com menos tempo de vida do que ele tinha de carreira. Nem todo mundo leva isso na boa.

Segue meu texto sobre ele, capa do Caderno 2 de hoje. É só um apanhado da trajetória, mas achei que não podia passar em branco aqui no blog.

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Todos os caminhos da ficção

“Não preciso de silêncio, não preciso de solidão, não preciso de condições especiais. Preciso só de um teclado.” Em meio a dezenas de depoimentos de autores sobre as mais diferentes manias no momento de escrever, publicados desde o início do ano passado no blog do escritor Michel Laub, o de Scliar se destacou pelo pragmatismo: para o criador prolífico e naturalmente inspirado, o único impedimento para a escrita seria a falta da ferramenta com a qual levá-la a cabo.

Tanto era assim que, em quase 50 anos de carreira literária, o porto-alegrense publicou mais de 80 livros – o primeiro, Histórias de um Médico em Formação, em 1962, mesmo ano em que concluiu a faculdade de medicina na Universidade Federal do Rio Grande do Sul; e o mais recente, o romance Eu Vos Abraço, Milhões, em setembro do ano passado. Entre um e outro, publicou romances e livros de crônicas, contos, literatura infantil e ensaios, numa média de mais de um livro por ano, com destaque para O Ciclo das Águas, A Estranha Nação de Rafael Mendes, O Exército de um Homem Só e O Centauro no Jardim.

Tudo isso mantendo os critérios que o tornaram um dos mais reconhecidos autores brasileiros contemporâneos em solo nacional, com uma cadeira na Academia Brasileira de Letras desde 2003 e três Jabutis (1988, 1993 e 2009); no exterior, teve obras publicadas em 20 países e recebeu honrarias como o Prêmio Casa de Las Americas, em 1989.

E também sem deixar de lado a carreira na medicina. Na área, destacou-se desde 1969 em cargos como chefe da equipe de Educação em Saúde da Secretaria da Saúde do RS e diretor do Departamento de Saúde Pública. Entre o lançamento do livro de contos que Scliar preferia considerar como sua primeira obra profissional, O Carnaval dos Animais, em 1969, e o primeiro romance, A Guerra no Bonfim, em 1971, encontrou tempo ainda para cursar pós-graduação em medicina comunitária em Israel. Ainda no início da década passada, em 2002, concluiu doutorado em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública, com a tese Da Bíblia à Psicanálise: Saúde, Doença e Medicina na Cultura Judaica.

A tradição judaica o acompanhou em toda a carreira literária, assim como o imaginário fantástico – nascido em 23 de março de 1937 no bairro do Bom Fim, que até hoje reúne a comunidade judaica de Porto Alegre, e alfabetizado pela mãe, Sara, que era professora primária, Scliar chegou a ter o romance O Centauro no Jardim incluído numa lista com os cem melhores livros relacionados à história dos judeus dos últimos dois séculos, elaborada pelo National Yiddish Book Center. Também se tornou um grande porta-voz do País sobre temas relativos ao judaísmo, mantendo laços de amizade com alguns dos maiores autores israelenses no mundo contemporâneo, como David Grossman, A.B. Yehoshua e Amos Oz.

A especialização em saúde pública, por sua vez, deu a Scliar a oportunidade de vivenciar temas como a doença, o sofrimento e a morte – características que podem ser percebidas tanto em sua ficção, em obras como A Majestade do Xingu, quanto na não ficção, caso de que A Paixão Transformada: História da Medicina na Literatura é um dos exemplos mais claros.

Casado desde 1965 com Judith Vivien Oliven e pai de Roberto, nascido em 1979, Scliar também dedicou atenção especial às obras infanto-juvenis. Costumava dizer que, escrevendo para os jovens, reencontrava o jovem leitor que havia sido. Boa parte de sua produção nessa área foi considerada “altamente recomendável” pela Fundação Biblioteca Nacional.

Além de produzir textos para vários jornais e revistas, o autor também teve trabalhos adaptados para o cinema, caso do romance Um Sonho no Caroço do Abacate, adaptado em 1998 por Luca Amberg sob o título Caminho dos Sonhos, em cujo elenco apareceram atores como Taís Araújo, Caio Blat e Mariana Ximenes. Em 2002, o romance Sonhos Tropicais também virou filme, sob direção de André Sturm, com Carolina Kasting, Ingra Liberato e Cecil Thiré no elenco.

Escreva (e deixe escreverem) seu romance na web

Por falar em romances colaborativos, ouvi hoje essa entrevista aqui com o criador do recém-lançado Neovella, um aplicativo on-line para a elaboração de narrativas em parcerias com outros internautas.

A Neovella se descreve como uma variação daquela brincadeira em que uma pessoa põe uma frase num papel e outra escreve a partir disso para criar a história – o nome original é exquisite cadaver, ou corpse, mas não faço ideia de como se chama no Brasil a brincadeira. Usa-se a tradução literal?

Aliás, essa mesma brincadeira inspirou uma experiência do Tim Burton sobre a qual tratei aqui no blog no fim do ano passado. Mas aquela era baseada no Twitter, esta tem como ferramenta de compartilhamento o Facebook.

E aquela foi uma única história feita pelo Burton em parceria com internautas (a história terminou no dia 6 de dezembro), enquanto na Neovella cada qual cria sua própria história, que pode ser privada (fechada para um grupo de amigos) ou pública (para qualquer pessoa que queira participar), do gênero que você quiser (poesia, romance, conto…).

Criei aqui um livro de poesias chamado Raq, fechado a participações, só para ninguém poder dizer que nunca fui lembrada numa obra literária.

É possível iniciar várias histórias ao mesmo tempo, e ainda ler e participar de criações alheias no banco de títulos em progress já disponíveis – o site está no ar desde meados de janeiro, mas já tem uma boa quantidade de narrativas no acervo, todas em inglês (mas imagino que não exista impedimento a escrever em português).

E o site promete se tornar também se tornar o paraíso da fan fiction (tramas com personagens consagrados, mas escritas por fãs), a se julgar pelas histórias de Harry Potter & cia que vi numa primeira passada de olhos…

A coluna Babel de 26/2

[Publicada no Sabático]
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BABEL

Raquel Cozer – raquel.cozer@grupoestado.com.br – O Estado de S.Paulo

REFORMULAÇÃO
Paz e Terra estreia projeto editorial em março
Foram seis meses de reformulações, período em que a Paz e Terra quase não teve novidades nas livrarias. A escassez chega ao fim no mês que vem, quando a editora mostra ao público sua nova fase. “Éramos uma editora universitária sem reitor, só tínhamos teses”, diz o dono, Marcus Gasparian. Contratada como diretora editorial após 12 anos na Nova Fronteira, Izabel Aleixo trabalhou na criação de um selo de ficção, na entrada na área infantil e na reorganização das marcas Paz e Terra (focada em ciências sociais) e Graal (psicologia e exatas). A meta será lançar um título por segmento a cada mês. Best-seller da editora, Paulo Freire terá a obra toda reeditada, com quatro volumes já em março. Entre os infantis, sairão traduções de títulos premiados, e, na ficção, romances como O Que o Dia Deve à Noite, de Yasmina Khadra. Falta concluir uma etapa difícil: a análise dos 1.200 títulos da editora para saber o fica em cada selo e o que sai de catálogo – destino provável de obras datadas como Golpe de Estado: Um Manual Prático, de Edward Luttwak.

CADASTRO
ISBN via internet

A partir de terça, dia 1.º, ficará mais fácil o contato entre editoras e a Agência Nacional do ISBN (International Standard Book Number). A Fundação Biblioteca Nacional, agência do ISBN no Brasil, estreará um site para realizar esse atendimento. Ainda neste semestre, poderão ser feitos também pela internet cadastros de empresas e de obras, algo hoje possível apenas pelos correios.

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Atualmente, quase 60 mil empresas físicas (autores que lançam obras independentes) e jurídicas estão registradas na FBN, com média de 180 novos cadastros por mês.

GRAPHIC NOVEL
Clássico indie… e inédito

Uma das principais HQs independentes dos EUA nos anos 90, Ghost World (imagem), de Daniel Clowes, ganha enfim tradução no Brasil. Sai como Mundo Fantasma em abril, pela Gal Editora. A história de duas garotas que passam os dias criticando tudo e todos foi eleita uma das dez melhores graphic novels de todos os tempos pela Time e ganhou versão no cinema – em filme homônimo de 2001, que tornou Scarlett Johansson conhecida -, mas seguia inédita por aqui.

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O livro saiu em Portugal em 2001 pela Devir, que não o lançou no Brasil. Maurício Muniz, editor da Gal, procurou a Fantagraphics Books para entender a razão. Descobriu que a obra foi licenciada há 11 anos no País por uma casa chamada Contato – que desapareceu – e, então, garantiu os direitos.

TRADUÇÃO
O resgate de Levrero

O uruguaio Mario Levrero (1940-2004), pouco conhecido fora de seu país, teve a obra resgatada nos últimos tempos em países como Argentina e Espanha, onde a Random House Mondadori relançou seus livros. Chegou a vez do Brasil. A Rocco adquiriu três de seus títulos de narrativas curtas: Deixem Todos em Minhas Mãos, Novela Luminosa e A Cidade (o primeiro da Trilogia Involuntária). Este último sai no segundo semestre, com tradução de Joca Reiners Terron.

ANTOLOGIA
Registros íntimos

O prolífico antologista Flávio Moreira da Costa está perto de concluir sua primeira “antologia da vida real”, trabalho que lhe consumiu cinco anos. Trata-se de Intimidades Célebres: O Livro dos Diários, seleção de registros íntimos de grandes nomes. Entre os textos, há relato de H.L. Mencken sobre seus encontros com Al Capone e com Scott Fitzgerald em fase quase terminal de alcoolismo, e de Kierkegaard sobre seu método de sedução antes de abandonar as moças.

HISTÓRIA
Testamento de guerra

Uma análise da atuação francesa na 2.ª Guerra, A Derrota Estranha, do consagrado historiador Marc Bloch, sai em abril pela Zahar. Trata-se de um olhar próximo dos acontecimentos: Bloch morreu em 1944, torturado por nazistas, e o livro foi publicado apenas dois anos depois. Além de descrever o caos do front e as responsabilidades do país derrotado, a obra inclui uma espécie de “testamento” escrito em 1941 e um poema em que o autor satiriza o Exército francês.

LIVRARIA
Jeitinho inglês

Versão literária do “quero ter um milhão de amigos e que cada um deles me dê um real”: a livraria independente Big Green, na Inglaterra, enviou uma newsletter aos seus mil mais fiéis compradores pedindo a cada um deles que compre um livro para garantir a sobrevivência da loja. Em tempos de Borders pedindo concordata, é uma saída.

Espere Godot você também

Semana passada o Rodolfo Viana postou no Substantivo Masculino (“O blog de literatura da VIP, porque nem só de orgias, bebedeiras e jogatinas vive um homem.” Sei.) sobre a versão de O Grande Gatsby em videogame. Joguei e achei divertido, ao menos no meio minuto que durou a aventura antes de eu morrer.

Daí que soube hoje dessa nova investida dos games no universo literário, o jogo Esperando  Godot.

Um emocionante jogo sobre dois homens esperando um terceiro homem que nunca chega.

Atente para o vídeo.

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Não é incrível? Baixe aqui o seu jogo e espere Godot você também.

Update tipo dois segundos depois: assim que dei send neste post, por coincidência recebi um email da Mariana Delfini com um link pro blog dela, o Galharufa, que, por sua vez, tinha alguns posts pra baixo um link pro mesmo game… no blog do Prosa e Verso! E de uma semana atrás! Shame on me, que  manterei o post mesmo assim, com o argumento de que inclui o link para baixar o jogo. =P

Uma questão de gênero

Não gosto muito de discussões de gênero, por isso demorei a tratar aqui do assunto deste post (embora tenha tuitado a notícia quando saiu): uma pesquisa, divulgada semanas atrás em sites gringos, sobre o fato de grandes suplementos literários em língua inglesa terem muito menos resenhistas mulheres que homens, e também resenharem muito menos livros delas do que deles.

Vamos à pesquisa, e depois explico por que resolvi abordar o assunto agora.

A organização Vida: Women in Literary Arts dissecou vários jornais e revistas dedicadas à literatura ao longo de todo o ano de 2010 e constatou diferenças gritantes. Por exemplo, o New York Review of Books teve 39 resenhistas mulheres ante 200 homens assinando resenhas no período; além disso, publicou resenhas sobre 59 livros delas ante 309 livros deles. A New Yorker, por sua vez, teve só 8 colaboradoras ante 29 colaboradores; e 9 títulos de mulheres resenhados ante 36 títulos de homens.

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Arrufos (1887), de Belmiro de Almeida

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A abordagem da qual senti falta na pesquisa: no que diz respeito ao número de livros resenhados, isso não é um reflexo da quantidade menor de obras publicadas por elas do que por eles? Não sei se é uma diferença grande de fato, mas se o levantamento englobasse a proporção de livros publicados por gênero ficaria mais fácil entender se a disparidade no número de resenhas resulta de algum preconceito de editores ou é apenas uma herança de um mercado editorial eminentemente masculino no passado.

Não tenho dados sobre isso, só uma experiência pessoal. No ano passado, quando fiz uma enquete com 60 autores brasileiros sobre o caminho até a publicação do primeiro livro, levando em conta autores já publicados por grandes editoras, foi bem mais fácil encontrar  exemplos masculinos que femininos (no total, participaram 41 homens e 19 mulheres. Uma minoria de homens e de mulheres não respondeu ao questionário que mandei, não lembro quantos foram).

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Enfim. Resolvi tratar da questão aqui porque anteontem saiu um artigo com respostas de vários editores sobre a pesquisa, e achei que os argumentos ajudam a entender a numeralha.

Seguem alguns trechos que me chamaram a atenção:

David Remnick, editor da New Yorker (e que participa da Flip deste ano):  “Você está certa (em artigo sobre o tema publicado no dia 2 na Slate). Certamente tem sido uma preocupação antiga entre os editores aqui, mas temos de melhorar ainda – é tão simples e gritante assim”

Ellen Rosenbush, editora da Harper: “A Harper sempre publicou grande escritoras mulheres, de Edith Wharton a Jane Smiley a Joyce Carol Oates, Sallie Tisdale, Susan Faludi, Lynn Freed, Rivka Galchen — e planejo solicitar mais textos de escritoras. Quando me tornei editora da Harper, no ano passasdo, uma das primeiras coisas que anunciei para a equipe foi que gostaria de ver mais escritoras na revista. A escassez de histórias femininas, no entanto, é uma questão da indústria como um todo. Deve haver uma espécie de ressaca do passado que resultou em termos menos textos de mulheres, e eu gostaria de mudar essa equação.

Robert Silvers, editor da New York Review of Books: “Posso apenas esperar que nossos leitores apreciem a qualidade dos trabalhos de mulheres que publicamos. Ouvi de mulheres assinantes que elas ficam particularmente agradecidas por nossas contribuições femininas. Certamente esperamos publicar mais.”

Jonathan Chait, editor sênior do New Republic: “A maior parte dos homens no nosso negócio quer ficar longe dessa questão, porque entrar nesse debate sem endossar a resposta feminista é como se voluntariar como réu num julgamento por sexismo (…). Estou me voluntariando para responder (como escritor, não em nome da revista, ele esclarece) porque é uma questão que me preocupa há muito tempo. Presenciei conversas nas quais editores se davam conta de que a lista de colaboradores era muito masculina e tentavam remediar isso. (…) Dito tudo isso, a revista permanece eminentemente masculina. Minha explicação, que não posso provar, é que garotos são mais predispostos a se interessar tanto por produzir quanto por consumir jornalismo opinativo (…).”

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E você? Tem alguma opinião sobre isso tudo?

Literatura dente de leite

A notícia fofa do dia chega via Dani Arrais: o blog My Milk Toof – The Adventures of Ickle and Lardee, da artista coreana radicada nos EUA Inhae Renee Lee, ganha versão em livro agora em março pela Chronicle Books (já está em pré-venda na Amazon e em outras redes).

Formada em belas artes pela California Institute of the Arts e pela École Nationale Supérieure des Beaux-Arts, em Paris, Lee trabalhava com animação para videogames quando ficou em desempregada, em 2009, e por alguma razão que a razão desconhece começou a pensar nas aventuras de dois dentinhos de leite na imensidão de uma casa.

São histórias infantis para qualquer adulto morrer de fofura, como a dos dois acordando de madrugada com frio e fazendo uma lambança infernal com migalhas de cereal ou realizando uma exploração sofá adentro em busca de moedinhas (me identifico muito com a busca por moedinhas).

A mais recente é esta, autoexplicativa e sem texto (algumas vêm com legendas):

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(Ei, editoras brasileiras, alguma de vocês já comprou os direitos desse livro? Please let me know, que incluo a informação aqui.)

Um making of do livro, que entrou no ar hoje, explica com é o trabalho desde a criação do storyboard até as imagens finais.

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A dança dos livros

Esse entrou no ar no YouTube anteontem. Uma criação de Sean Ohlenkamp e Lisa Blonder Ohlenkamp. Delicinha de vídeo. O mais legal é que ao final eles apresentam o “elenco”: I Am America, de Stephen Colbert; Blink, de Malcolm Gladwell; A Vida de Pi, de Yann Martel; e por aí vai.

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I've got a book under my skin

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Eca.

Menos, vai.

Daqui.

A seguir cenas dos próximos capítulos

Em setembro, dei uma nota na Babel sobre duas experiências literárias que estavam previstas para acontecer na internet, o romance colaborativo norte-americano The Novel: Live!, que rolou em outubro, e o espanhol To Be Continued.

Acabei de ver que este último começou faz pouco tempo, no fim do mês passado, com um capítulo do Santiago Roncagliolo, peruano que teve publicado por aqui o bom romance policial Abril Vermelho.

Os capítulos seguintes estão sendo escritos por leitores e selecionados por votação e por um editor – tirando o capítulo 5, escrito pelo espanhol Fernández Mallo, e o 10, que será feito por outro autor profissional. No total, serão 15.

O site acabou de abrir inscrições para leitores enviarem opções de capítulo 6.

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Não é de hoje que romances colaborativos na internet chamam a atenção. Quando este blog era só um bebê, em janeiro do ano passado, fiz um post sobre a Penguin e comentei lá a bizarrice que foi a tentativa da editora de lançar um wikiromance realizado a um milhão de mãos. Deu tudo errado, é claro.

Um livro-espetáculo

Misto de livro, cenário e filme 3D, The Ice Book, disponível há poucas semanas no YouTube,  é só um rascunho de um espetáculo que o casal Davy e Kristin McGuire pretende produzir: uma peça que tenha um enorme livro pop-up como cenário, no qual atores possam interagir com projeções em vídeo.

Como a coisa toda sairia cara demais sem um bom investidor, o diretor e a cenógrafa conseguiram na Alemanha uma bolsa (leia-se alguns meses e uns tantos caraminguás) apenas para criar esse vídeo-maquete. Um trabalho enorme, superelaborado, só para apresentar a ideia a produtores.

O resultado é tão bonito que, pra mim, nem precisava ir além do vídeo. Dá uma espiada.

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Vi essa no ótimo Braimstorm9.

Ainda sobre obra vs. biografia

Depois de muito ler aqui, no Facebook e no Twitter opiniões as mais variadas possíveis sobre o post O gênio e o monstro, pensei em alguns pontos sobre a questão:

1) Ela ficaria mais bem colocada da seguinte maneira: é justo celebrar um autor cujas atitudes ou convicções causem repulsa, mas cuja obra seja genial? (Lembrando que eu complementava: é justo desmerecer uma criação artística genial pelos desvios de personalidade de quem está por trás dela?).

Afinal, toda a polêmica sobre Céline está na celebração do autor, não da obra – a efeméride que motivou a discussão na França não é relacionada a algum livro dele, mas à biografia, já que diz respeito aos 50 anos de sua morte. Mesmo quem prefere analisar a obra sem pensar na biografia há de convir que a celebração por efeméride envolve a imagem do autor. É claro que essa homenagem pode ser feita com a contextualização de pontos positivos e negativos do pensamento do autor. A homenagem a Gilberto Freyre na última Flip, por exemplo, deu margem para uma boa discussão nesse sentido.

2) Meu editor colocou na sexta-feira uma questão (já analisada na ficção, como lembraram) que cheguei a levantar no Facebook, mas para a qual não tive resposta: Hitler, como muitos sabem, era escritor e desenhista frustrado. Se, em vez disso, tivesse deixado junto com seu legado político uma criação literária ou artística absolutamente genial… seria possível fazer essa separação?

A coluna Babel da semana

[Publicado no Sabático de 19/2]

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BABEL
Raquel Cozer – raquel.cozer@grupoestado.com.br

CONCORRÊNCIA
Disputa cada vez mais apertada por títulos no PNBE

Está cada vez mais acirrada a disputa de editoras para emplacar livros no Programa Nacional de Biblioteca na Escola (PNBE), que garante a compra de grandes tiragens pelo governo. Pela primeira vez, o número de casas inscritas superou, e em muito, o de títulos a serem selecionados para distribuição em escolas federais. O edital para 2012, encerrado no dia 4, atraiu 301 editoras, com um total de 3.059 obras inscritas, sendo que 250 títulos serão escolhidos. Em 2006, para efeito de comparação, 165 editoras manifestaram interesse, inscrevendo um total de  2.264 obras para edital que selecionou 300 títulos. Mas naquela época era possível inscrever até 25 obras por CNPJ, enquanto que agora o limite é de 15. Essa redução no número de livros por editora, feita para obrigar as casas a realizar uma pré-seleção mais cuidadosa, explica em parte o aumento no número de casas concorrentes – algumas usam mais de um CNPJ no ato da inscrição. Em geral, segundo Rafael Torino, diretor de ações educacionais do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, de 60 a 90 editoras têm livros selecionados. O orçamento, que varia ano a ano, tendo chegado a R$ 74 milhões em 2009, fica em torno de 70 milhões no PNBE 2012.

DIGITAL-1
Entre Alemanha e Brasil
Uma inédita parceria entre a Feira de Frankfurt e o site PublishNews levou na última terça-feira à estreia da página quinzenal em inglês PublishNews Brazil – e renderá mais frutos nos próximos meses. Na próxima Feira de Londres, pela primeira vez o informativo Publishing Perspectives (ligado à Frankfurt, mas cuja edição impressa circula também no evento inglês) terá quatro páginas dedicadas ao Brasil, de um total de 28.

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O site ainda organizará um evento sobre livros digitais, trazendo nomes internacionais com ajuda de Frankfurt. A ideia é criar um misto de Digital Book World e Tools of Change, os maiores do gênero no mundo. Ficou para o início de 2012, de modo a não competir com o 2.º Congresso Internacional do Livro, agora em julho, em São Paulo. Para esse event0, promovido pela Câmara Brasileira do Livro, estão confirmados Dominique Raccah, CEO da Sourcebooks, Cameron Drew, da Kobo Inc., e Bob Stein, do Institute for the Future of the Book.

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Expectativa de crescimento
Entre as grandes editoras, a Sextante foi das que mais hesitaram em apostar nos e-books, lançando seus primeiros títulos só em outubro. Totalizou 35 obras de lá para cá e, em 2011, pretende triplicar esse número, com mais 100 títulos. A princípio, priorizará versões digitais de best-sellers já lançados.

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A editora calcula que o mercado de livros tradicionais, no segmento obras gerais, crescerá 10% este ano, e que e-books representarão 0,5% das vendas. É número pequeno, mas mais expressivo que os atuais. De Aleph, de Paulo Coelho, por exemplo, a Sextante vendeu 100 mil cópias, ante cerca de 100 digitais – ou seja, a comercialização d0 e-book equivaleu a 0,1% da do impresso.

MUDANÇA
Vida nova para Alain de Botton

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Há anos na Rocco, por onde lançou o recente Uma Semana no Aeroporto, o ensaísta suíço Alain de Botton passará a ser publicado no Brasil pela Intrínseca. Dois títulos já estão previstos: o inédito Religião de Ateus, para o próximo semestre, e o relançamento de Como Proust Pode Mudar Sua Vida, para 2012.
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A Rocco informou que ainda está fazendo um levantamento para saber quais títulos do autor permanecem em seu catálogo até vencerem os contratos com o autor. Botton chegou a manifestar para a antiga editora, assim como também fez com a Intrínseca, a intenção de vir ao Brasil em novembro próximo.

REPORTAGEM
O lado B da bossa
Beco das Garrafas será o primeiro de uma série de livros de reportagem que a LeYa Brasil e a Barba Negra pretendem lançar a partir do próximo semestre. Assinado pelo poeta Bernardo Vilhena e pelo pesquisador Maurício Barros, abordará a passagem de nomes como Elis Regina e Baden Powell pela ruela carioca onde nasceu a bossa nova.

MÚSICA
Sinatra em dose dupla
Os dois volumes de Frank: The Voice, de James Kaplan, sobre o mais famoso intérprete de My Way, acabam de ser adquiridos pela Companhia das Letras. O primeiro livro saiu nos EUA em novembro e foi considerado pelo diretor Peter Bogdanovich (de A Última Sessão de Cinema) como a “melhor e mais rápida de ler” biografia do cantor. Isso porque só o primeiro volume tem 800 páginas. O segundo está sendo escrito.

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Menos badalada e mais sucinta, com 580 páginas, Sinatra: A Vida, lançada em 2006 pelo casal Anthony Summers e Robbyn Swan, sai pela Novo Século agora em junho.

O gênio e o monstro

Dos filmes que estrearam em 2010, O Escritor Fantasma, de Roman Polanski,  foi meu preferido. O suspense lidera indicações para o Cesar, que será entregue na França no próximo dia 25, mas na cerimônia do Oscar, dois dias depois, não se verá menção a ele. Polanski é acusado de drogar uma menina de 13 anos e fazer sexo com ela quando morava em Los Angeles, nos anos 70, e sua obra se tornou non grata junto com sua persona nos EUA.

Gosto tanto dos filmes que ele dirige que já me peguei tentando minimizar a história, em parte influenciada pelo elogio ao diretor que é o documentário Wanted and Desired, em parte apoiada pela apuração de Peter Biskind em Easy Riders, Raging Bulls, cuja descrição da Hollywood dos anos 70, repleta de histórias pesadas envolvendo sexo e drogas (e ele mal toca no caso Polanski), faz entender por que tantos atores e diretores o defendem. Depois concluí que não tenho nada que defender o indefensável. Embora a própria vítima já o tenha perdoado (mais em nome de sua própria paz, já que a imprensa revirava sua vida toda vez que o assunto voltava à tona), é um assunto delicado e complexo demais para alguém que nem tinha nascido quando tudo aconteceu pensar que pode entender.

E aí cabe a pergunta: é possível celebrar a obra de alguém cujas atitudes ou convicções pessoais causem repulsa? Ou, olhando por outro ângulo: é justo desmerecer uma criação artística genial pelos desvios de personalidade de quem está por trás dela?

O assunto veio à tona com o cancelamento das celebrações dos 50 anos de morte de Louis-Ferdinand Céline na França, escritor considerado um dos maiores da língua francesa e também antissemita. A polêmica foi abordada por Mario Vargas Llosa num belíssimo artigo traduzido no Sabático de hoje. Para acompanhar esse texto, falei com três brasileiros ligados de alguma maneira à obra de Céline e me impressionei com o quanto as opiniões podem divergir num assunto como esse. Recomendo ler o texto do Llosa e, se sobrar um tempinho, dar uma olhada no meu, abaixo.

Update em 21/2: leia mais sobre a questão neste post.

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Intelectuais se dividem quanto à forma de encarar panfletos produzidos na ascensão do nazismo


Raquel Cozer – O Estado de S.Paulo

O escritor Milton Hatoum morava em Paris, no início dos anos 80, quando a obra de Louis-Ferdinand Céline passou por uma espécie de resgate, relançada com pompas após décadas de obscuridade. Na ocasião, imprensa e crítica foram unânimes em apontá-lo como um dos maiores autores em língua francesa. “A obra dele demorou a ser reavaliada após a 2.ª Guerra”, comenta. Foi com surpresa que o colunista do Estado acompanhou a atual rejeição ao romancista por parte de seus conterrâneos devido à militância antissemita. Hatoum arrisca uma análise: “A visão das artes mudou muito na França. As pessoas estão menos interessadas em literatura; a discussão ficou simplista.”

Tanto não é debate simples que o amazonense, admirador de obras como Viagem ao Fim da Noite e Morte a Crédito, não tem o menor interesse em conhecer os virulentos panfletos antissemitas que Céline escreveu entre 1936 e 1941, em plena ascensão nazista. “É evidente que discordo visceralmente da posição dele nesse ponto. Mas também discordo de Borges, que apoiou os militares na Argentina e foi condecorado pelo Pinochet no Chile. E, no entanto, é impossível não lê-lo.”

Os panfletos – foram quatro – não são mais editados na França, embora estejam disponíveis para download na internet e possam ser encontrados na Universidade de Paris 7, onde há um centro de estudos celinianos. Pós-doutorada na obra do francês, Leda Tenório da Motta, professora de Comunicação e Semiótica da PUC-SP, vê importância literária inclusive nesses textos. “Os panfletos de Céline são considerados pela melhor crítica francesa como uma fase intermediária, que leva ao auge da obra dele. Ali ele formula em definitivo seu estilo da ira, hiperbólico.” O fato de se tratar de convicção pessoal, em vez de representação ficcional, não reduz, para ela, o valor poético, “se for levado em conta o estilo”. “São textos mais sombrios que antissemitas. Apesar de carregarem um antissemitismo eminentemente francês da época, carregam também um clamor contra o capitalismo americano, por exemplo.”

O tradutor e professor da Unicamp Marcio Seligmann-Silva não vai tão longe na defesa à obra do autor, que pôs no papel frases como “os judeus racialmente são monstros, são híbridos, quistos que incomodam e devem desaparecer” (em Bagatelles Pour Un Massacre, de 1937). Mas faz coro com Leda na opinião de que, ao lado de Proust, Céline foi responsável pela melhor ficção da França do século passado. Seligmann avalia que uma característica não anula a outra. “É fácil dizer que tudo é literatura, mas há momentos em que a escrita se torna apenas política. É preciso perceber os limites.”

Para o tradutor, a solução está em manter a tensão entre a admiração pelo gênio e a repulsa ao antissemita. “Entendo que um governo tenha cuidado em enaltecer a memória de alguém que teve essa postura num momento recente da história. A obra de arte não machuca, mas um panfleto pode levar à morte.”

Seu gato não pode viver sem

Você gosta de gatos? Então vai vendo essa estante.

Uma estante com escada para o gato! E ainda um cestinho para ele se alojar lá em cima. E, pra completar, sem verniz, pro pobre do bicho não correr o risco de escorregar.

É tão perfeito que nunca daria certo com a gata Whatever, porque ela não se importa com nada que seja dela por direito.

A Cat Library foi criada pelo belga Corentin Dombrecht a estava em exposição até sábado passado na Feira de Móveis de Estocolmo. Abaixo, um vídeo imperdível para alguém que ainda esteja em dúvida quanto à relevância de ter essa estante em casa (sorry, não faço ideia de onde se pode comprá-la).

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