No mercado, mais e melhores títulos

A reportagem abaixo saiu neste último sábado, dia 28, como parte do material de capa do Sabático sobre literatura infantil, acompanhando texto do Toninho feito a partir de entrevista com o teórico Peter Hunt. A foto é do Robson Fernandes/AE e foi feita na Biblioteca Monteiro Lobato.

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No mercado, mais e melhores títulos

Compras do governo brasileiro ajudaram a aquecer o setor, atraindo editoras e livrarias para produtos de qualidade

RAQUEL COZER

O boom de séries como Crepúsculo e Percy Jackson colocou o filão literário juvenil entre os mais visados desta década, o que ajudou a encobrir, para o público em geral, a percepção de outro crescimento significativo no setor editorial do País – o da literatura para crianças.

Uma análise das últimas quatro pesquisas anuais de Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro, conduzidas pela Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), dá essa dimensão. Em 2006, editoras brasileiras colocaram no mercado 321 milhões de exemplares de livros, número que passou para 386 milhões em 2009 – aumento de cerca de 20%. A literatura juvenil foi a que mais engrossou no período (256%), seguida da infantil (124%). Ainda assim, a produção de obras literárias para crianças (28,7 milhões de exemplares em 2009) permanece à frente das obras para jovens (26,8 milhões).

Hoje, só livros didáticos e religiosos são mais produzidos que os de literatura infantil no País, mas o fenômeno é recente. Até o ano retrasado, o terceiro lugar era da literatura adulta, cuja produção teve queda de 6% desde 2006.

Para quem acompanha de perto esse cenário, os números não chegam a surpreender. Historicamente dominado por empresas que também editam didáticos, como Ática e Moderna, o mercado de literatura infantil ganhou variedade e qualidade nas últimas décadas, quando passaram a se dedicar à área editoras já estabelecidas com catálogo adulto, como Martins Fontes (nos anos 80), Companhia das Letras (nos 90) e Cosac Naify (anos 2000), e chegaram outras especializadas nesse público, como Brinque-Book e a espanhola SM.

A grande virada aconteceu depois que, em 1997, o Ministério da Cultura criou o Programa Nacional de Biblioteca na Escola (PNBE), pelo qual o governo passou a adquirir enormes quantidades de títulos literários. Os critérios foram (e ainda são) muito questionados. A princípio, pouquíssimas editoras emplacaram dezenas de títulos. Com o tempo, restringiu-se o número de obras por editora, mas então algumas das maiores passaram a concorrer com títulos espalhados por diferentes registros de empresa.

Ainda assim, a simples possibilidade de concorrer a uma das generosas tiragens da compra federal estimulou os grupos a editarem mais e melhores livros. “O mercado infantil ainda tem vendas baixas. A maior parte sai com 3.000 cópias e demora anos para vender”, diz Júlia Schwarcz, editora da Companhia das Letrinhas. “Mas, se o governo seleciona, a compra é de 20 mil, 40 mil exemplares. Com isso, os selos infantis ficaram importantes dentro das editoras.”

A Cosac Naify ilustra bem esse efeito. Dos cerca de 750 títulos de seu catálogo, um terço é de literatura infantil, mas o faturamento desse nicho já corresponde a 40% do total anual da empresa, tornando-se seu carro-chefe. A editora teve ainda papel central na evolução da qualidade gráfica dos títulos editados, sendo inclusive bem-sucedida em duas áreas nas quais as casas brasileiras ainda são tímidas, os prêmios internacionais e as vendas de títulos infantis para o exterior – só neste ano, comercializou três obras.

A produção maior alimentou também o setor livreiro. Lojas voltadas para o público infantil, como as paulistanas Novesete e Casa de Livros, ganharam destaque e passaram a competir com seções cada vez maiores nas megastores. “Você precisa de mais espaço para armazenar a produção. A venda justifica isso”, diz Frederico Indiani, diretor comercial da Saraiva. Na Cultura, a comercialização de infantis cresceu 25% em relação aos oito primeiros meses de 2009, enquanto as vendas gerais tiveram aumento de 15%.

A coluna da semana

[publicada no Sabático de 28/8]

BABEL

Raquel Cozer – raquel.cozer@grupoestado.com.br – O Estado de S.Paulo

CLÁSSICO
Reedição de A Comédia Humana organizada por Rónai sai em 2011

A Globo Livros coloca nas livrarias no começo do ano que vem o primeiro volume da íntegra de A Comédia Humana, de Honoré de Balzac, na celebrada tradução coordenada por Paulo Rónai (1907-1992). O projeto, que reuniu em 17 livros os 88 títulos da obra, começou a ser organizado pelo tradutor e crítico literário ainda na década de 40 e demorou dez anos para ser concluído, contando com versões de Carlos Drummond de Andrade, Mário Quintana e Brito Broca, entre outros. Na década de 80, a Globo fechou acordo com Rónai para revisão geral, e os títulos voltaram a ser editados, desta vez com mais de 7 mil notas de rodapé e um prefácio do húngaro naturalizado brasileiro para cada volume. O primeiro livro da edição de 1989 teve 15 mil cópias vendidas. O conjunto estava fora de catálogo havia 15 anos e, após contrato com as herdeiras de Rónai, sairá em novo projeto gráfico. A princípio, a edição ficará a cargo de Joaci Furtado – mesmo com a despedida dele da Globo Livros, anunciada na semana passada, para se dedicar a um novo trabalho.

CINEMA
Revista resgatada

Editada de 1954 a 1958 no Centro de Estudos Cinematográficos de Minas Gerais, com curta sobrevida nos anos 60, a Revista de Cinema ganhará neste ano, pela Azougue, antologia organizada por Marcelo Miranda e Rafael Ciccarini. A previsão é a de que saia em dois volumes, resgatando textos de nomes como Cyro Siqueira, Jacques do Prado Brandão e José Haroldo Pereira.

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A publicação repercutiu no País e chegou a ser reconhecida no exterior ao discutir temas como neorrealismo italiano e cinema brasileiro. Prestes a ser fechada, recebeu de Paulo Emílio Sales Gomes, no Suplemento Literário, do Estado, apelos para que não deixasse de circular. O colunista do Sabático Silviano Santiago, um dos principais articulistas da revista, assinará o prefácio.

NO BRASIL-1
Best-seller contra a maré

O americano Nicholas Sparks, que entre anjos e vampiros cavou espaço para seus romances açucarados e hoje aparece em dose dupla nas listas de mais vendidos, com Querido John e A Última Música, chega ao Brasil na primeira semana de dezembro para visitar Rio, São Paulo e Porto Alegre. Antes disso, a Novo Conceito publica outro título dele, Diário de Uma Paixão.

NO BRASIL-2
Britânico no Rio ComiCon


O desenhista inglês Kevin O”Neill, parceiro de Allan Moore na série As Aventuras da Liga Extraordinária, confirmou participação no primeiro Rio ComiCon, que ocorre durante dez dias de novembro, com exposições, palestras, oficinas, vídeos e venda de quadrinhos. Segundo a Casa 21, organizadora do evento, a vinda do italiano Milo Manara ainda depende de “pequenos acertos”.

QUADRINHOS
Nova adaptação de Dante

A Peirópolis lança em 2011 HQ de A Divina Comédia, de Dante, ilustrada a nanquim e aquarela pelo cartunista e grafiteiro Piero Bagnariol. O texto do Purgatório será o adaptado por Henriqueta Lisboa (1901-85). Outra versão em quadrinhos de A Divina Comédia, já antecipada pela coluna, será a de Seymour Chwast, pela Quadrinhos na Cia.

INTERNET
Suas estantes combinam?

Uma nova rede social, Alikewise.com, propõe-se a encontrar o par perfeito para os usuários com base no gosto literário. O criador, Matt Sherman, disse que teve a ideia ao imaginar que sua mulher ideal deveria conhecer A Lógica do Cisne Negro, livro de Nassim Nicholas Taleb sobre o improvável.

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Por enquanto, a rede só aceita usuários de países de língua inglesa. E precisa de ajustes. Em procura por Borges, localizou 13 usuários (um deles aceitava companheiras de 18 a 99 anos), mas avisou que havia “expandido a busca” para incluir títulos com alguma relação com o argentino. Na busca por Thomas Pynchon, a obra mais recorrente foi 1984, de George Orwell, prefaciada pelo autor de O Arco Íris da Gravidade.

Geoff em Veneza e Varanasi

Geoff Dyer foi um dos primeiros escritores que entrevistei, ainda na Folha, por conta do lançamento de Ioga Para Quem Não Está Nem Aí (Companhia das Letras). Era início de 2007 e eu nem cobria literatura ainda. Escrevia lá minhas coisas sobre dança (!) música brasileira e internet, mas ambicionava mesmo era um espaço nas páginas de livros aos sábados (só que esses repórteres de literatura, vou contar uma coisa, não largam o osso. E, ok, falo por mim mesma agora). Até que um dia o Mag, editor dos melhores que tive e que chefiava a Ilustrada, disse que o Luiz Schwarcz tinha falado maravilhas do autor e me pediu para avaliar. A boa notícia era que o Luiz tava certo. O texto saiu (link para assinantes) e o resto é o resto.

Daí, na véspera desta última Flip, chegou por aqui Jeff em Veneza, Morte em Varanasi (Intrínseca), o novo do Dyer. Um ótimo livro num momento horrível. Consegui ler e falar com ele apenas nesta semana, depois da Bienal do Livro, e o texto saiu só hoje no Caderno 2, por conta do início da Bienal de Veneza, que é um dos temas abordados na história.

Foi engraçado voltar a falar com ele. Em 2007, sem muita experiência em falar com autores, morri de medo de fazer perguntas idiotas  (fiz várias). A curiosidade é que o protagonista de Jeff em Veneza é um jornalista que, a certa altura, levanta a teoria de que, quanto mais imbecis forem as perguntas, mais à vontade se sentirá o entrevistado e melhor será a conversa. Geoff Dyer é terrivelmente gentil, e a conversa que tive com ele nesta semana foi ainda mais bacana que a primeira, o que prova que sou cada vez mais capaz de fazer perguntas idiotas.

Segue abaixo o texto que saiu no Caderno 2 e, mais embaixo ainda, a íntegra da conversa que tivemos por telefone.

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Paixão e arte no verão veneziano

Raquel Cozer – O Estado de S.Paulo

A ansiedade chega antes mesmo da Bienal de Veneza, com o receio de que haja festas melhores do que aquelas para as quais se foi convidado – o que não deixará dúvida quanto ao patamar de prazeres que o status de cada um garante. Nas festas, os escolhidos reclamarão das pequenas taças em que lhes servem drinques à vontade. Quando, enfim, chegarem aos pavilhões de arte, cheios de ressaca, todos carregarão sortimentos de sacolas oferecidas como brinde.

Seria de se esperar no meio artístico uma reação às ácidas descrições da Bienal de Veneza (e de obras de fato exibidas por lá) que aparecem em Jeff em Veneza, Morte em Varanasi (2009), mas o escritor Geoff Dyer diz ter se surpreendido. “Tanta gente achou que era uma sátira do mundo da arte”, conta o britânico ao Estado por telefone, de Londres, com a voz tranquila que mal denuncia a peremptoriedade das opiniões. “Era só a descrição da ideia que tenho de passar um bom tempo. Me assustei com as pessoas desse universo vendo isso como um retrato corrosivo. É claro que tenho opinião incrivelmente baixa sobre alguns artistas e seus trabalhos, mas a questão é que não há dúvida de que muitos vão a esses eventos por gostar do que é de graça. Eu mesmo adoro viajar sem pagar nada.”

Conhecido por confundir leitores com narrativas em que episódios fictícios respingam em descrições realísticas e incensado como um dos grandes escritores britânicos vivos, Dyer, de 52 anos, diz que seu livro mais recente é eminentemente fictício. Isso apesar de o protagonista se chamar Jeff (mesma pronúncia do prenome do autor, Geoff), de ter a mesma capacidade de extrair ironia dos detalhes e de a história ter sido pensada após viagens de Dyer a Veneza (foi a três Bienais, de 2003 a 2007) e Varanasi, na Índia.

Na trama, em 2003, Jeff Atman, jornalista quarentão, é enviado à cidade italiana pela revista Kuchlur com a pouco nobre tarefa de entrevistar Julia Berman, cujo maior feito na vida foi ter com o celebrado pintor Steven Morison uma filha, Niki, hoje cantora famosa. Já na primeira noite, o jornalista conhece e se apaixona pela galerista Laura Freeman, com quem viverá uma história, narrada em terceira pessoa, tão quente quanto Veneza naquele verão.

Na segunda parte do livro, Jeff é convidado pelo Telegraph a escrever uma reportagem em Varanasi. Aqui, o narrador fala em primeira pessoa e, apesar de semelhanças com o Jeff de Veneza, a todo momento resta a dúvida sobre como as histórias se conectam – Laura não é nem sequer mencionada. Enquanto no período veneziano o personagem vive uma passagem de êxtase, como num sonho, a temporada indiana promove uma transformação espiritual.

O livro é, como o nome sugere, uma homenagem à Morte em Veneza, de Thomas Mann, cuja ideia Geoff Dyer teve ao enfrentar o incrível calor da cidade na Bienal de 2003, à qual foi com a mulher, Rebecca (hoje assistente do magnata Charles Saatchi). “Não pude escrever o livro àquela altura porque estava terminando o meu sobre fotografia (The Ongoing Moment). Daí fui para Varanasi, e, assim que coloquei os pés lá, soube que complementaria a história”, conta.

Não chegam a ser duas novelas separadas, embora também seja complicado resumir o livro como romance – a difícil definição é característica da obra de Dyer, cujo Ioga Para Quem Não Está Nem Aí (Companhia das Letras), lançado por aqui em 2007, tem textos que ficam entre os contos e os relatos de viagem. “A maneira perfeita para descrever Jeff em Veneza, se não fosse tão pretensioso, seria como um díptico. São duas histórias distintas, mas a experiência que oferecem é única.”

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Há quem descreva Jeff em Veneza, Morte em Varanasi como romance, há quem descreva como duas novelas, embora separadas elas não funcionem tão bem. Como você descreve o livro?
A descrição perfeita, se não soasse tão pretensiosa, seria a de que o livro é um díptico. Sabe, como nas artes plásticas, quando você tem dois painéis que dependem um do outro? Acho que tende a ser um romance, embora as histórias sejam bem diferentes uma da outra. A experiência que oferece é unificada. Cada parte do livro depende totalmente da outra e, se uma é tirada, a outra colapsa, embora as conexões não apareçam tão claramente à primeira vista.

E como pensou em dividir essa homenagem a Morte em Veneza em duas partes tão distintas?
Bem, minha mulher e eu fomos à Bienal de 2003, estava estava incrivelmente quente, e ficamos lá um par de dias. Daí eu disse: ‘Vou escrever minha própria versão de Morte em Veneza, mas durante a Bienal’. Desde o começo, soube que seria um romance heterossexual, mas que remetesse ao que acontece no romance de Thomas Mann. Não pude começar o livro logo porque àquela altura estava escrevendo minha história da fotografia, e então fomos a Varanasi. Assim que chegamos e ficamos lá um par de horas, percebi que a parte em Veneza seria complementada por outra em Varanasi. Àquela altura não sabia como seria isso, a conexão foi ficando clara para mim aos poucos. Que é: a segunda parte seguindo a primeira cronologicamente, mudando da terceira pessoa para a primeira pessoa, mas sem que houvesse dúvida de que era a mesma pessoa. Tinha incluido até uma pequena explicação sobre o que acontece no romance com Laura. As partes não poderiam ser mais obviamente conectadas. Então um amigo disse que achava que as partes deveriam ser ainda mais bem conectadas. Tentei fazer isso, mas conclui que era muito melhor, em vez de resolver esse problema, aumentá-lo ainda mais, completamente. Em vez de aproximar as histórias, estava interessado em acabar com conexões óbvias, ao ponto de nunca ficar claro se a parte dois acontece depois da parte um, se os dois narradores são a mesma pessoa e o que acontece com Laura. Em vez de conexões estritas, o que tínhamos agora eram conexões quase invisíveis.

Eu tinha ficado na dúvida sobre o motivo de você mudar a pessoa da terceira para a primeira na narrativa. Se era para evitar explicações sobre se o personagem da segunda parte era mesmo Jeff. Ou se era porque, na primeira parte, a relação dele com o Veneza é mais superficial, enquanto, na segunda, a relação com Varanasi é algo tão pessoal e intenso…

Bem, acho que na primeira parte essa relação também é de certa maneira pessoal. Sobre ser superficial… Sim, claro, alguém pode dizer que a relação dele com Veneza é menos intensa que com Varanasi, mas, ao mesmo tempo, o que eu insisto sobre a parte um é que, acima de tudo, é uma história de amor. É sobre a experiência de se apaixonar, viver um momento que te deixa realmente feliz. E as impressões que ele tem sobre a mulher numa viagem como aquela. Foi realmente interessante construir as duas partes uma contra a outra.

Quando falei sobre superficial, na verdade, foi no sentido de que, na minha opinião, a viagem para Veneza não muda Jeff como pessoa, como acontece na segunda.
Hmmm, me desculpe, não quero discordar…

Você pode. Você deve!
(risos) Bem. Ele é o tipo de cara cínico, de saco cheio, enfastiado. E, quando ele conhece essa mulher, ele volta a ter apetite pela vida, é algo que o ilumina. A única coisa é que ele quer que algo mais aconteça, é como o inverso de um romance típico, no qual, você sabe, o marinheiro chega num porto, conhece uma mulher, eles se apaixonam e ele vai embora. Neste caso, ela é quem vem e vai, e ele fica pensando que eles poderiam viver juntos. Sim, a viagem especificamente não tem um efeito realmente profundo sobre ele, mas, no meio tempo, toda a felicidade, e, enfim, especialmente a coisa com a cocaína, tudo o deixa desesperado de certa maneira.

Mas será que o narrador entende Veneza como entende Varanasi na segunda parte?
É uma questão interessante, porque em Veneza as coisas acontecem… Há coisas que eu entendi sobre Veneza, mas que Jeff não entende. O ponto de vista dele é muito mais limitado que o meu. Posso dar um pequeno exemplo disso. Eu estava muito consciente de que Veneza não é apenas uma cidade real, física, mas uma que protagonizou tantos filmes e livros, que conhecemos parcialmente pelos olhos e pelas palavras das pessoas que estiveram lá antes. Então eu queria achar uma maneira de dar esse clima. Isso é o que acontece na cena em que ele vai ver os túmulos de Ezra Pound e Joseph Brodsky. Sobre a lápide de Brodsky, eles acham canetas e papel, uma coisa para quem vier depois e quiser escrever. A certa altura, Jeff diz que nunca leu Brodsky, mas que sabe que ele é “big deal”. Ok, sugere que ele não conhece nada de Brodsky, enquanto eu mesmo conheço muito bem Brodsky. Posso brincar com isso porque, no livro de Brodsky sobre Veneza, Watermark, ele diz: “No tipo de trabalho que eu faço, Ezra Pound é ‘big deal’”. Jeff, de uma maneira ignorante, ele não tem noção de que o que ele pensa sobre Brodsky é o que Brodsky pensava de Pound, enquanto eu sei disso. Então, de certa maneira, sua limitada maneira de ver as coisas me permite brincar um pouco com isso. Ao mesmo tempo, a consciência dele é muito menos limitada que a de alguém como John Self, o narrador de Money, do Martin Amis, ou Robert Angstrom, nos livros de Updike. Ele tem consciência, mas é muito mais limitado que eu.

Como é seu interesse por arte contemporânea? As Bienais de Veneza para as quais você foi, foi como jornalista?
Não. Minha mulher, em 2003 e 2005, era editora de revistas de decoração e arte. Agora ela trabalha por Charles Saatchi, o grande colecionador de arte em Londres. Em parte, me interesso pelo mundo da arte por meio do olhar da minha mulher, embora seja muito mais interessado em fotografia.

Existe alguma relação entre seu interesse pela fotografia e sua maneira de descrever imagens?
É difícil descrever em palavras o que já foi de certa maneira registrado em filmes e vídeos e  fotos, mas também há maneiras de… Quando estou lendo e escrevendo, gosto de visualizar o que está acontecendo, não gosto quando não fica claro quem está onde, essas coisas. Acho que já tendia a ter essa maneira de escrever antes de me interessar por fotografia, mas sempre tive uma fascinação pela maneira de como a narrativa pode conter imagens registradas numa fotografia.

Você é bem ácido no livro sobre as pessoas que vão às Bienais, sobre o quanto elas se interessam por brindes e reclamam das coisas que ganham. Como as pessoas do meio reagiram a isso?
Isso é curioso. Quando o livro saiu na Inglaterra, fiquei realmente surpreso porque tanta gente achou que era uma sátira do mundo da arte. Para mim, eu estava só descrevendo a ideia que eu tenho de passar um bom tempo. Não tive a intenção de fazer uma sátira, e acho que isso precisa ser intencional. Mas assustei com as pessoas desse universo vendo isso como se eu tivesse pintado um retrato corrosivo. E, claro, vivemos num tempo em que… Bem, é claro, eu tenho uma opinião incrivelmente baixa sobre alguns artistas e os trabalhos que eles fazem. E, sabe, não há dúvida de que muitas pessoas vão a essas viagens porque gostam de coisas gratuitas, junkets, festas. Coisas de que eu gosto. Gosto de viagens de graça e de festas também. Uma coisa importante é que vemos equivalentes disso no mundo literário, na Feira de Frankfurt ou nesses festivais internacionais… Eu gosto, quase todo mundo gosta de uma viagem de graça com pessoas que dividem o mesmo interesse.

No caso da literatura, você acha que esse tipo de festival traz alguma coisa de positivo?
Bem, literatura é sobre ler e escrever, arte é sobre fazer e olhar para isso. Mas a coisa social que envolve isso… Não sei se é tão importante, mas é importante passar um tempo legal. Nos diverte. E o crucial sobre Veneza, que esqueci de falar, é que, diferente de muitos outros festivais, ele acontece em Veneza, esse lugar mágico, essa inacreditável obra de arte, uma cidade fantástica de Calvino.

Você fala a certa altura dos africanos vendendo bolsas em Veneza, o que depois você descobriu ser uma instalação (de Fred Wilson, em 2003). O livro trata muito dessa coisa da dificuldade de separar as fronteiras do que é ou não é arte hoje em dia. Como você vê isso?
Uma das coisas que eu particularmente gosto na arte contemporária é quando ela usa tecnologia, o que permite às pessoas criar ambientes nos quais você imerge complentamente. Eu gosto, parece um mundo de sonho. Uma das experiências mais incríveis que tive nos últimos dez anos foi o festival Burning Man em Nevada, sobre o qual escrevi no Ioga Para Quem Não Está Nem Aí. Há arte em todo lugar, é impossível dizer onde ela acaba, e a experiência de estar no deserto por uma semana inteira… A coisa mais simples nesse tipo de ambiente toma proporções incríveis. Aquele é o exemplo mais extremo de como as obras de arte podem estar completamente integradas com a vida, com o dia a dia.

Na epígrafe da parte sobre Varanasi, você cita Borges. É curioso porque ele era esse escritor que viajava somente na leitura, enquanto sua maior característica é escrever sobre as coisas que você  aprende quando viaja. Você teria interesse, ou se sentiria capaz, de escrever sobre lugares que não conhece?
Hmmm, essa é outra boa questão. Você está certa sobre Borges. Para mim, é isso mesmo, eu escrevo sempre a partir de um senso de lugar. Se eu não tivesse ido a todos esses lugares, eu acharia muito difícil escrever sobre eles. Mas é claro que não são só os lugares em si que me interessam, são sempre as interações de sensibilidades, da minha com a do lugar.

Em Ioga Para Quem Não Está Nem Aí, você conta parte da história doidão de cogumelo. E isso volta a acontecer, com outras drogas, maconha, cocaína, nas duas partes de Jeff em Veneza, Morte em Varanasi. Acha que as drogas melhoram a capacidade de observação ou de escrita?
Há algumas coisas sobre isso. Estou absolutamente convencido de que usar drogas pode desenvolver sua  percepção de um lugar. Para mim sempre foi algo positivo, na experiência que tive. Outra coisa, quando ia escrever, a maconha, particularmente quando eu era mais jovem, era algo extramemente útil para a criatividade.  Obviamente muita coisa que você escreve quando está doidão depois você relê e não faz o menor sentido, mas isso não importa, porque depois, quando você está com os pés no chão, isso já serviu como uma especie de desinibidor criativo e já está no papel, o que você pode  trabalhar depois já com o olhar calmo, a mente de edição. Mas agora estou mais velho, estou numa fase em que as drogas já não fazem mais tanto parte da minha vida. Não porque eu tenha ficado careta ou esteja numa reabilitação, só não funciona mais para mim como método criativo.

A coluna da semana

[publicada no Sabático de 21/8]

BABEL

Raquel Cozer – raquel.cozer@grupoestado.com.br – O Estado de S.Paulo

MERCADO
Editoras registram vendas mais expressivas na Bienal do Livro 2010

O balanço de público da 21.ª Bienal do Livro de São Paulo será anunciado amanhã, mas ao menos um resultado desta edição já foi notado por editores: o aumento no número de livros vendidos na comparação com o mesmo período do evento paulistano em 2008. O maior salto dos primeiros dias levantado pela coluna foi o da Record: 90%. A Objetiva teve crescimento de 55% e a Zahar, de 38%. Chama a atenção também o fato de, em alguns casos, o aumento ser perceptível até na comparação com a Bienal do Rio, que costuma fazer maior caixa. O estande conjunto da Companhia das Letras e da Zahar, por exemplo, teve aumento de 12% na comparação com o mesmo período do evento carioca de 2009. Mas editores, que dão brindes e descontos nas vendas, dizem que o investimento em bienais ainda não se paga financeiramente. “É ganho institucional. Ganha-se espaço na mídia e na mente do público, que vê as marcas de perto”, avalia a editora Mariana Zahar.

FICÇÃO
Novo selo no mercado

Após recuperar os 51% em ações que havia vendido em 2007 à franco-espanhola Anaya-Hachette, o grupo Escala entrará na área de ficção, não contemplada por seus selos atuais. Detentor nacional da Larousse – especializada em obras de gastronomia e interesse geral -, o grupo lança em fevereiro os títulos iniciais de sua nova marca, a Lafonte, focada em literatura contemporânea.

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A Escala não divulga o valor do investimento, mas a aposta é grande. Saem pela Larousse cerca de 100 títulos por ano; com a Lafonte, a intenção é pôr no mercado (considerando livrarias, bancas e vendas porta a porta) 400 obras em um ano. A diretora editorial Janice Florido diz já ter “autores estrangeiros conhecidos e que despontam”. Literatura nacional, só num segundo momento.

GASTRONOMIA – 1
Ciência na cozinha

On Food and Cooking, livro seminal de Harold McGee sobre ciência e culinária, publicado em 1984 e reeditado em 2004, sairá no Brasil no ano que vem pela WMF Martins Fontes. O colunista do New York Times analisa ingredientes e suas interações com o corpo e explica questões como a natureza da fome, o que ocorre quando um alimento se estraga e por que o álcool embriaga.

GASTRONOMIA – 2
Crise na culinária

Já a Zahar lança em outubro um título que deu o que falar no exterior. Em Adeus aos Escargots, Michael Steinberger mergulha em questões culturais, econômicas e políticas para decifrar o que ocorreu com a França, cujos chefs e restaurantes perderam lugar entre os mais influentes do mundo.

DIGITAL
Propaganda no e-book

Artigo no Wall Street Journal de anteontem defende a ideia de que anúncios serão inevitáveis nos e-books. O WSJ avalia que a queda no preço dos livros, combinada com o formato propício à publicidade – o e-reader pode ter anúncios sempre atualizados -, tornará essa a melhor saída para os editores. Mas o texto argumenta que o interesse dos autores em controlar o conteúdo anunciado pode originar novos impasses.

CLÁSSICOS – 1
Inéditos em coleção

Parte da tentativa do grupo Ediouro de reposicionar títulos de seu imenso catálogo, a recém-anunciada Coleção Fronteira – que sai pela Nova Fronteira com edições mais simples e preços abaixo dos R$ 30 – incluirá textos inéditos em livro. Entre eles, ainda neste ano, Mário no Cinema, reunião de ensaios de Mário de Andrade, e um volume com o teatro completo de Antonio Callado.

CLÁSSICOS – 2
Teatro brasileiro

Por falar em teatro (e em livros mais baratos), a Penguin Companhia Clássicos deve ter selo exclusivo para dramaturgia no primeiro semestre de 2011. A princípio, serão textos de peças brasileiras do século 19 e início do 20 que estejam fora de catálogo.

Colaborou Ubiratan Brasil

E a coluna da semana

[publicada no Sabático de 14/8, no Estadão]

Raquel Cozer –  raquel.cozer@grupoestado.com.br – O Estado de S.Paulo

MERCADO
Leya completa um ano com bons números em vendas

Em setembro, a portuguesa Leya celebra um ano no mercado nacional com números nada desprezíveis – foram 500 mil livros vendidos. Seu maior hit, Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, obra de estreia de Leandro Narloch, saiu sem estardalhaço em novembro e acaba de passar as 90 mil cópias comercializadas. Há 32 semanas nas listas de best-sellers, deve chegar a 100 mil antes de um ano nas livrarias. A editora prepara agora edição ampliada, com dois novos capítulos, a serem baixados de graça na rede por quem já tem o título. Em segundo lugar está O Efeito Sombra, de Depak Chopra (50 mil cópias), e em terceiro, O Morro dos Ventos Uivantes, de Emile Bronte (40 mil; capa abaixo, à esq.). O súbito sucesso do clássico se explica pela citação a ele em livro da série Crepúsculo (Intrínseca; capa abaixo, à dir.) e pelo fato de a Leya tê-lo lançado com capa similar às dos títulos sobre vampiros. A próxima aposta é em Brasil, Uma História, de Eduardo Bueno.

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PESQUISA
Pode confiar, é Millôr

Millôr Fernandes é o autor no qual os brasileiros mais confiam, segundo a pesquisa anual Marcas da Confiança, parceria da Seleções do Reader”s Digest com o Ibope Inteligência. Ele foi eleito por 73% de 1.500 pessoas que preencheram questionário na internet. Dez nomes eram sugeridos aos votantes. Em 2009, venceu Drauzio Varella.

EUA E RIO
Mais Lionel em 2011

So Much For That, de Lionel Shriver, sai em 2011 pela Intrínseca. Elogiado pelo humor e pela delicadeza com que aborda a vida de uma paciente de câncer, a obra narra a realidade do atendimento médico nos EUA, onde foi lançada em março, quando Obama assinou a reforma no sistema de saúde.

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Após participar da Flip, Shriver ficou no Rio até quinta. Não quis visitar Pão de Açúcar nem Corcovado. Preferiu ir à Feira de São Cristóvão e às favelas Pavão Pavãozinho e Chapéu Mangueira. Diz ter interesse na questão da migração para grandes cidades.

VENDAS
Best-sellers em Paraty

Ao contrário de 2009, quando títulos de convidados da Flip logo se esgotaram no estande da Livraria da Vila em Paraty, neste ano as editoras enviaram bons estoques para o evento. A campeã em vendas foi Isabel Allende, com 400 cópias de A Ilha Sob o Mar. Em segundo, ficou Azar Nafisi, com 350 exemplares de Lendo Lolita em Teerã.

INFANTIL
John Boyne para menores

Noah Barleywater Runs Away, livro em que John Boyne volta à literatura infantil após O Menino do Pijama Listrado (2006) e que sai só em setembro no exterior, foi comprado pela Companhia das Letras. Boyne estará na Bienal do Livro amanhã e depois. Na segunda, ainda dá autógrafos na Saraiva do shopping Pátio Higienópolis.

MÚSICA
Sob controle dos Stones

Escrito por Bill German, fã que editava um fanzine sobre os Stones e conviveu de perto com eles de 1985 a 1989, Under Their Thumb foi comprado pela Nova Fronteira. O subtítulo explica: “Como um bom garoto do Brooklyn se misturou com os Rolling Stones (e viveu para contar a história).”

REVISTA
Discurso em nova casa

Criada em 1970 como instrumento de resistência à ditadura, a revista Discurso, da Filosofia da USP, passará a sair pela Barcarolla, em parceria com a Discurso Editorial. E será agora semestral, em vez de anual. O número 39, que chega em setembro, terá ensaio de Jean Galard, ex-diretor do Louvre, e poemas de Ruy Fausto, entre outros textos.

BÍBLIA
Mergulho na fé

A Sociedade Bíblica do Brasil acaba de lançar o Novo Testamento à Prova d”Água, cujas páginas, impermeáveis, permitem que a “Palavra de Deus seja lida em qualquer lugar – na praia, à beira da piscina, na chuva e até durante a prática de mergulho”. O curioso é que ao mesmo tempo sai pela SBB nova edição da Bíblia do Surfista, cujo papel não resiste a uma entrada no mar.

Estranho amor

Delícia de romance O Único Final Feliz Para Uma História de Amor É Um Acidente, do JP Cuenca, que sai pela coleção Amores Expressos e sobre o qual escrevi no Sabático deste último final de semana. O texto segue abaixo

As fotos com as quais ilustro este post eu roubei do próprio autor, do blog que ele assinou no tempo em que esteve em Tóquio pesquisando para o livro, em 2007.

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Estranho amor em terra estrangeira

João Paulo Cuenca, 32 anos, firma-se como um dos nomes de destaque de sua geração com romance de encomenda ambientado em Tóquio – onde viveu por um mês – que tenta escapar do ”olhar domesticado”

Raquel Cozer – O Estado de S.Paulo

O Rio amanheceu algum tempo atrás com muros e postes tomados por lambe-lambes que, entre anúncios de shows e eventos afins, chamavam a atenção pela enigmática mensagem que exibiam: O Único Final Feliz Para Uma História de Amor É Um Acidente. Para a maior parte dos transeuntes a frase em tom de profecia não deve ter causado mais que estranhamento, mas era essa mesmo a intenção do escritor João Paulo Cuenca quando decidiu espalhá-la pela cidade. Para ele, o extenso título de seu terceiro romance carrega um sentido quase completo, como se fosse outra obra em si – característica que ele não quis desperdiçar. “Quem já sabia do livro me ligou ao ver os cartazes, mas fico imaginando quem não sabia do que se tratava. As pessoas reagem a essa frase, param para pensar. Quem lê o título já frui alguma coisa”, imagina o carioca, de 32 anos.

A sensação de estranhamento perpassa toda essa história, desde sua concepção. O livro resulta da participação do escritor no projeto Amores Expressos, que em 2007 mandou autores brasileiros a cidades estrangeiras que lhes inspirassem a escrever ficções sobre amor. A J.P. Cuenca coube atravessar meio globo rumo a Tóquio, onde passou o mês mais esquisito da vida, num estado de solidão que não era interrompido nem em pensamento. “Se você entende o que escuta, de alguma forma presta atenção. Mas, se não pode ler o que está escrito no outdoor ou no ônibus, não entende o que se fala, entra numa bolha de incomunicabilidade”, descreve. “Cheguei a ficar dias sem falar com ninguém. Tinha fluxos de pensamentos enormes.”

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As torrentes de raciocínio levaram a uma intrincada narrativa na qual a história de amor é central e de certa maneira periférica; sufocante nos detalhes íntimos e ao mesmo tempo superficial, artificial, fetichista. Ou seria mais justo dizer as histórias de amor, no plural: entre o jovem executivo Shunsuke Okuda e a garçonete romena Iulana Romiszowska; entre Iulana e a dançarina Kazumi, de proporções milagrosamente harmoniosas; entre a boneca erótica Yoshiko e o velho poeta Atsuo Okuda, pai de Shunsuke. E, em meio a tudo isso, câmeras que tudo veem: uma gigantesca rede de espionagem, o “submarino”, criada por nenhum motivo mais nobre que a obsessão do velho Okuda em seguir (e atrapalhar) cada passo da vida amorosa de Shunsuke.

Estranho o bastante? É ainda mais singular saber que uma das inspirações para tal rede de espionagem foi a decisão de Cuenca de seguir pessoas pelas ruas de Tóquio, “uma boa maneira de entender uma cidade”. Com isso, definiu detalhes da trajetória de gente como o velho Okuda e a garçonete romena – esbarrou por lá em várias moças do Leste Europeu, com suas cabeças louras e mais altas que o japonês médio, o que as fazia parecer “girafinhas” entre a multidão. “Em vários momentos tentei ser o submarino. Espionar, mesmo. É uma experiência louca, muito doente. Nos outros romances, foi um processo mais saudável.”

Outro exercício insalubre foi tentar se colocar, como narrador, na pele de um nativo japonês, Shunsuke. Admirador de Encontros e Desencontros (2003), de Sofia Coppola, Cuenca não quis reproduzir a opção do filme de narrar do ponto de vista de um gaijin (estrangeiro). Concluiu que tal olhar seria “domesticado”, parecido demais com o dele próprio. “Busquei a zona de sombra. Esse narrador que construí é uma maluquice. Tenho medo de japoneses quererem me matar”, brinca. Acha graça agora, mas ficou de fato preocupado. A ponto de pedir para sua editora, a Companhia das Letras, verter para o inglês três capítulos para que pudesse enviar a um amigo japonês – que aprovou, assim como “um ou outro” nissei a quem mandou o romance por aqui.

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Estrangeiro mesmo acaba sendo o olhar de Shunsuke para a romena que ele ama sem entender (“Tocar em Iulana Romiszowska é como tocar num animal desconhecido”, reflete). Cuenca esforçou-se na arriscada tarefa de mimetizar o pensamento oriental sem estereotipá-lo, chegando a dormir num hotel cápsula, aquele com quartos de fibra de vidro pouco maiores que um caixão, e a conviver com os salarymen, assalariados que, após o expediente, enchem a cara em bares e boates. Sente que, com isso, o narrador se tornou mais “malandro” que os de seus romances anteriores, Corpo Presente, de 2003, e O Dia Mastroianni, de 2007.

Humanização. Um dia antes da conversa com o Estado, Cuenca enviou um email: “O caminho para terminar esse livro foi tão longo, em tantos sentidos, que acho que pela primeira vez como escritor tenho algo para dizer numa entrevista.” Por telefone, explicou melhor: os outros romances encerravam neles mesmo o que tinham a expressar; de O Único Final Feliz… ele não se cansa de extrair sentidos.

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Numa das passagens mais bonitas da história, Yoshiko, a boneca erótica fabricada para servir ao velho Okuda, descobre o ciúme (“sinto um foco de calor preciso dentro do meu corpo, como se alguém houvesse acendido um fósforo no meu peito”, tenta descrever, com o pouco de informação que tem sobre o mundo). Um sentido que o autor vê na boneca é o de representar a literatura em si. Ela nasce artificial – abre a narrativa descobrindo o mundo fora da caixa em que chegou à casa do sr. Okuda -, assim como é para Cuenca o ato de escrever. “Há formas de arte que se aproximam do impulso, do movimento natural. Pintar, dançar, até escrever poesia. Mas romance é artificialismo em estado puro. A atividade de escrever, sentado numa cadeira, tentando aprisionar em palavras aquela torrente de sensações. A linguagem é um inimigo.” Da mesma forma que o romance quando já passou do estágio da escrita e está no papel, Yoshiko se humaniza. Descobre o tempo, toma consciência da finitude, percebe o amor e quer aprisionar a sensação de infinito que ele oferece.

O produtor Rodrigo Teixeira, que financiou o Amores Expressos, tem os direitos dos livros da coleção para o cinema. O Único Final Feliz… é um prato cheio para qualquer plano de adaptação – nesse sentido, lembra Murakami -, mas Cuenca diz que a ideia nem lhe ocorreu durante a escrita. Se fosse para ser filmado, gostaria de vê-lo como animação realizada por algum escritório japonês. Isso ao menos ajudaria a resolver imagens nonsense, quase oníricas, como a do velho Okuda transformando-se no monstro Gyodai e destruindo parte da cidade… Gyodai? “Adoraria falar que descobri Tóquio pelos filmes do Ozu ou pelos livros do Mishima, mas não. Minha primeira imagem da cidade foi com a série Changeman”, esclarece o autor, que não resistiu à referência.

Com muito atraso, a coluna de 7/8

Opa. Tinha esquecido de postar aqui a coluna do sábado passado, apurada em meio a pedras de Paraty e a uma gripe interminável (que completa hoje 11 dias, um recorde na história dessa imunidade que não tenho). Algumas notícias aí já estão velhinhas, como a do Google, mas, se consola, elas eram brand new no sábado.

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BABEL

Raquel Cozer, raquel.cozer@grupoestado.com.br – O Estado de S.Paulo

Ediouro quer apresentar “nova cara” até o fim do mês

Há dois meses acumulando função de publisher da Nova Fronteira e da Agir, Leila Name corre para apresentar até o fim do mês a “nova cara” dos selos do grupo Ediouro – a meta é, depois da Bienal do Livro, mostrar um desenho do que cada marca do grupo passará a publicar. “Temos pressa de concluir um projeto editorial. O grupo vai bem e queremos passar essa informação ao mercado”, disse à coluna. Por enquanto, o que o mercado viu foi enorme expansão, com a compra de editoras, seguida de indefinições e da saída de nomes como Izabel Aleixo (Nova Fronteira) e Paulo Roberto Pires (Agir e projetos especiais). O último revés foi o pedido de demissão de Carlo Carrenho, nesta semana. Até meses atrás, ele era publisher da Ediouro e da Thomas Nelson. Como os títulos do grupo estão sendo redivididos entre os selos e os que sairão como Ediouro são incógnita, o carro-chefe do grupo tinha saído do comando de Carrenho, que estava só com a Thomas Nelson. Em Paraty para a Flip, de folga, disse que se dedicará ao Publishnews, do qual é dono.

RELIGIÃO
Ateísmo “simplista”

O livro sobre o qual Terry Eagleton fala hoje na Flip, Reason, Faith and Revolution, já tem dono no Brasil. Assim como Why Marx Was Right, sai pela Nova Fronteira em 2011. Em Reason…, que reúne aulas ministradas na Universidade de Yale, o crítico cultural materialista questiona o racionalismo defendido por Richard Dawkins e Christopher Hitchens, avaliando como “simplista” o radicalismo com que defendem o ateísmo.

SUSTO 1
Como se fosse Teerã

A iraniana Azar Nafisi (foto), outra convidada do evento literário, levou um susto ao ouvir o estalido de bombinhas com as quais as crianças brincavam na praça do centro histórico de Paraty, perto da Flipinha. “Puxa, nasci em Teerã, as pessoas não deviam ficar estourando coisas perto de mim.”

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Envolvida na luta pela libertação da iraniana Sakineh, condenada à morte por apedrejamento, Nafisi admite que gostaria de poder falar menos de política e mais de literatura. Não por acaso, a autora, que vive em Washington, agora escreve o livro Republic of Imagination, sobre como a literatura “pode ser o lar de quem não tem mais um lar”.

SUSTO 2
Amor, mas só no papel
A Bienal do Livro destacou em seu material de divulgação três mesas do Salão de Ideias sobre o livro digital, um dos temas da edição. Uma delas pegou Ana Maria Machado de surpresa. Anunciada em debate sobre “o romance fora da página”, que questionaria “para onde vai a subjetividade do escritor e do leitor”, a autora disse que não era bem assim – falará, sim, sobre amor e literatura, mas nada de digital. A organização informou que o material seria corrigido.

HISTÓRIA
Musas do teatro musical
A Imprensa Oficial do Estado de São Paulo prepara para outubro o livro Grandes Vedetes do Brasil, com verbetes biográficos sobre 41 mulheres que fizeram a história do teatro musical brasileiro desde o século 19, pontuando sua relevância social e artística. O prefácio é de Silvio de Abreu.

INTERNET
Todos os livros do mundo
O Google pode não ter ainda digitalizado todos os livros do mundo, como prometeu, mas divulgou o que, segundo a empresa, é a quantidade de títulos existentes: 129.864.880. Sem confiar na catalogação do ISBN, preferiu coletar dados de fontes como livrarias, catálogos nacionais e fornecedores comerciais (explicação em http://bit.ly/googleb). Resta ver quem checará a conta.

ASSÉDIO
Conteúdo digital
Escritores como Marcelo Rubens Paiva vêm sendo sondados por editoras que formarão um pool com a Livraria Cultura para o lançamento de suas obras em conteúdo digital. Como não sabem ainda de que modo negociar os direitos, os autores pretendem se reunir para tratar do assunto.

A íntegra da conversa com Aline

Aline Crumb em Paraty, por RaqCozer

Ok, de volta pra casa. Uma faxina rápida na biblioteca depois de uma semana hospedada no blog do Estadão na Flip. Não pretendia voltar a nenhum dos assuntos abordados por lá, mas percebi que fiquei devendo a segunda metade da entrevista com Aline Crumb, que no ano que vem lança um livro com o Crumb e terá, no Brasil, outro publicado pela Conrad, só com o trabalho dela. Acho que a esta altura ninguém aguenta mais ouvir falar no assunto, mas promessa é promessa.

Vi um monte de gente reclamando da participação da Aline na mesa do Crumb e do Shelton. Aos que reclamaram, digo só uma coisa: vocês não entenderam nada (ops, desculpe, esqueci de medir as palavras). Aline é interessantíssima. Tem uma delícia de senso de humor e abriu caminho para gerações de quadrinistas mulheres – gente que todo mundo admira, como Marjane Satrapi.

Segue abaixo a íntegra da conversa que tive com ela na quarta passada, no jardim da pousada da Marquesa, em Paraty. No blog da Flip, cheguei a postar até a parte em que ela conta da mágoa do Crumb com a New Yorker.

Pra facilitar para quem já leu a primeira metade: a parte nova aparece a partir da ilustra feita por Sophie Crumb, a filha do casal, a moça de biquíni.

Entram nessa segunda metade os comentários de Aline sobre o trabalho de Sophie,  uma descrição incrível de como foi o trabalho na história que ela, Sophie e Crumb desenharam juntos para a New Yorker, e uma avaliação da nova geração de cartunistas mulheres, entre outras coisas. Lora Fountain, mulher de Shelton e agente literária de toda aquela galera, também participa da conversa.

E, P.S., acabo de ler no G1 que Crumb escalou o corrimão da Livraria da Vila para fugir dos autógrafos. Sorry. Gênio.

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Aqui no Brasil, do seu trabalho, é conhecido só o que faz junto com o Crumb…
Aline:
No ano que vem, sairá pela Conrad um livro com todo o meu trabalho. Não sei ainda como chamarão.
Lora: Da última vez que falei com eles, seria algo como Aline: Uma Autobiografia Não-Autorizada
Aline: Por mim, tudo bem, não vejo problema. Mas o título do livro em que se baseou esse da Conrad é Need More Love, que eu acho que é um bom título. E Love That Bunch, um livro mais antigo. Há algumas coisas dos dois livros. Need More Love tem fotos, pinturas e textos, é um livro multifacetado. É um grande livro, uma autobiografia gráfica, com todos os tipos de imagens. Mas Conrad usará apenas histórias desse trabalho.

Você também é pintora, então.
Aline:
Comecei meu trabalho como pintura. Fiz meus estudos em aquarela e óleo em tela, me formei e sou professora de arte, mas só dei um ano de aula em toda a minha vida. Quando me formei, nos anos 60, me interessava pelas comics underground, o trabalho do Gilbert, do Crumb, e de um artista chamado Justin Green, que fez um trabalho muito autobiográfico e me inspirou a fazer o mesmo. Comecei a fazer quadrinhos naquela época, embora não tivesse ideia de como publicar, o que fazer. Então me dei conta de que todos os quadrinhos estavam sendo publicados em San Francisco, então fui para lá, em 1971.
Lora: Você foi para lá originalmente para conhecer o Justin.
Aline: Sim, fui conhecer Justin Green, que era o artista que eu admirava de fato. Queria falar com ele e perguntar coisas. Ao mesmo tempo, alguns amigos nossos disseram que eu parecia um personagem de Robert Crumb e me levou para uma festa onde o conheci, e também Lora e Gilbert, ao mesmo tempo.
Lora: O que significa que todos nós nos conhecemos por quase 40 anos…

Você desenhava naquela época, certo, Lora?
Lora
: Sim, nós fomos as primeiras cartunistas mulheres naquela época. (Para Aline) Seu timing foi perfeito de chegar a San Francisco naquela época.
Aline: Eles precisavam de mais trabalhos desesperadamente, porque não havia cartunistas mulheres. Se você parar para pensar, não tinha isso. Então eles estavam tentando atrair isso, e para qualquer uma que pudesse minimamente desenhar um quadrinho eles diriam: OK, você pode estar nesse livro. Foi por isso que conseguimos entrar nisso.

Seus cartuns já eram autobiográficos naquela época, Aline?
Aline:
Sim, eu não sabia fazer mais nada. Não conheço nenhum outro assunto bem o suficiente para poder desenhar a respeito.
Lora: Você trabalhou naquele livro que fizemos para o (neurologista e escritor) Timothy Leary (El Perfecto)?
Aline: Sim, mas escrevi sobre mim, sobre LSD. Participei, mas escrevi sobre minha própria viagem de LSD.

E, Lora, por que parou você de desenhar?
Lora:
Eu? Porque… algumas pessoas pessoas podem fazer isso, e outras não. E eu não posso. Não tenho o talento ou a paciência para desenhar boas histórias. Comecei a me interessar mais por vídeo e fotografia.

Quando conversei com Crumb, no ano passado, ele me disse que você (Aline) tinha mais talento para o roteiro que para o desenho de uma HQ, um humor judeu…
Aline:
Sim, é verdade. Quando trabalhamos juntos, eu faço quase todo o roteiro. É como um time de duas pessoas, ele quer dizer uma coisa, e eu vou e quase sempre faço o humor. E, sim, é verdade, sou mais uma roteirista de quadrinhos. Meu desenho é muito primitivo e estranho e idiossincrático. Prefiro pintar, não sou uma cartunista profissional nem estou interessada nisso. Meus quadrinhos não são muito comunicativos no que diz respeito a forma dos quadrinhos, eles são muito pessoais e doidos. Eles são mais apreciados por pessoas que gostam de ver minha arte em galerias. É mais fácil para eles olhar para os meus quadrinhos do que é para as pessoas que gostam de quadrinhos profissionais. Não uso nenhuma das técnicas formais dos quadrinhos.

De que tipo de técnicas você fala?
Aline:
Estilização, simplificação, por exemplo, quando você tem um personagem, fazê-lo sempre da mesma maneira o tempo todo. Quando desenho, eu mudo o tempo todo. Se estou de bom humor, eu me desenho melhor, se estou de mal humor, me desenho mais feio. Mudo meu cabelo, meu peso. Cada desenho para mim é um desenho, não penso no sentido de arte sequencial, expressão comercial, de manter um público.

E você é tão magra, mas se desenha tão grande nas HQs em que aparece com o Crumb…
Aline:
Eu costumava ser maior. E ainda sou muito, sabe (levanta o braço e mostra os bíceps sob a blusa)… forte. Eu me sinto como uma guerreira. Dou aulas de pilares seis horas por semana. Eu gosto de comer, mas também de me mover muito.

Quando você desenha com Crumb… Ele tem esse respeito pelas técnicas da arte sequencial, e você não tem…
Aline
: É insano como isso funciona. Não deveria funcionar, mas, por alguma razão, funciona. Eu aproveito as deixas. Ele coloca a linha lá e eu aproveito as deixas. Mas, em termos de desenho, é totalmente irracional, porque o desenho de Robert é tridimensional, e o meu é chapado. Da primeira vez que fizemos isso, não era para publicar, era só para nos distrair. Foi em 1974, eu acho, e eu tinha caído e quebrado a perna, e estava chovendo, e estávamos no campo, e eu estava muito entediada e o deixando louco. Então, para me deixar ocupada, meu irmão e eu costumávamos fazer quadrinhos juntos, como ele fazia com o irmão dele, Charles, então ele falou, vamos fazer isso.
Lora: Para evitar que você o deixasse louco.
Aline: Sim, para que ele não pirasse. O primeiro que fizemos foi muito louco, a história vai a todo lugar, espaço sideral, criaturas que aterrissam na nossa fazenda,Timothy Leary aparece, é realmente louco. Não tentamos fazer nada coerente porque não pensávamos em publicar, mas daí um editor viu e quis publicar.
Você sabe quantas histórias fizeram desde então?
Aline:
Temos esses dois livros chamados Dirty Laundry, dos anos 70, e uma compilação. Fizemos para jornais locais, para a revista Weirdo.
Lora: Quando começaram a fazer para a New Yorker?
Aline: A primeira coisa que fizemos para a New Yorker foi no meio dos anos 90. Fizemos algo, a primeira acho que foi sobre nossa reação ao documentário de Terry Zwigoff, chamado Crumb, que saiu em 1995. A New Yorker pediu para nos escrever sobre nossa reação. Nós queríamos desaparecer depois daquele filme. Robert usava chapéu e não usava barba, mas ele começou a ser reconhecido em todo lugar. Então ele mudou o tipo de chapéu e deixou a barba crescer, mudou o visual.
Lora: Ele ainda usa o mesmo tipo de roupa.
Aline: Não, naquela época ele usava uns casacões de homem velho, agora ele acabou voltando a usá-los, mas durante aquele tempo ele parecia mais um francês, com uma jaqueta. Ele foi ver o filme num cinema central onde estariam todos os seus fãs, com esse visual diferente, barba e tal, e ele estava na tela, e dentro do cinema, e ninguém o reconheceu.
Lora: Teve uma vez que um fã o parou e disse que o viu no filme, mas estava falando sobre Max, e não sobre Crumb. Achou que Crumb era o irmão.
Aline: Sim, sim. Hoje ele ainda é muito reconhecido, mas naquele época foi mais estranho.Em qualquer lugar alguém o reconhecia, era demais.

E aqui em Paraty, como tem sido? Ele quase não saiu da pousada…
Aline:
Não, não muito.
Lora: Nós acabamos de chegar, também, ontem…

Mas vocês e Shelton foram passear, ele não.
Lora
: Ele estava cansado. Não estava com fome, e nós estávamos. Mas nós saímos ontem à noite para jantar com ele.
Aline. Ele não está se escondendo. Ele virá para almoçar agora. Ele é um cara muito doce, muito legal. É tímido. E, depois de certo ponto, ele não pode mais falar. Ele não gosta de falar dele mesmo.
Lora: E ele falou tanto do Gênesis no ano passado. Você falou com ele naquela época, Raquel, logo no começo, mas você foi uma em um milhão…
Aline: Centenas de milhões. Foi muito. Ele divulgou muito, fez uma tour nos EUA, fez uma conferência com cententas de jornalistas.

Ele deve estar cansado de responder sempre as mesmas coisas.
Aline:
Sim, as perguntas são sempre as mesmas. É normal, os jornalistas fazem as perguntas que eles têm de fazer, é normal, nada contra o jornalismo. Mas, depois de um tempo… Depois de um tempo ele não aguenta mais falar sobre o assunto.

E como vocês dois sabem quando têm uma história em parceria?
Aline:
A gente não tem nenhuma regularidade para isso. A New Yorker sempre nos pede coisas, mas ele não quer mais fazer nada para eles.

Por quê?
Aline:
Porque eles pediram a ele uma capa, e ele fez, estava muito boa. Era meio controversa, porque pediram a ele que fizesse uma capa sobre casamento, e ele fez uma sobre casamento gay, e eles não usaram. Até aí tudo bem, ele não se importa, mas eles nunca explicaram a ele por que não usaram a capa. Ele perguntou muitas vezes, e nunca teve resposta. Ele disse: “Se eles me dissessem a razão, estaria tudo bem, eu faço outras coisas para eles. Mas, como eles não tiveram coragem nem respeito o suficiente para me explicar isso…”. Ele está zangado. É compreensível. Durante um ano, eles ficaram dizendo que usariam, que usariam, fizeram isso dez vezes, durante um ano, eles pagaram pela capa… Mas ele ficou realmente frustrado de não saber por quê. Se não gostaram. Ele trabalhou com muito afinco naquilo, e não tiveram coragem de ligar para ele e dizer o que houve. Era só dizer: “Não é seu melhor trabalho”.

Mas vocês ainda fazem histórias juntos?
Aline
: Sim, estamos trabalhando num novo livro. O título provisório é Drawn Together, que tem dois significados em inglês, atraídos um pelo outro e desenhando juntos. Sairá simultaneamente em francês e em espanhol. Incluirá o trabalho New Yorker, o trabalho anterior e algumas outras histórias. Sai no ano que vem.

Será a história de amor de vocês dois?
Aline:
Sim… Sim. Bem. Como você quiser chamar (risos). Mas haverá trabalhos antigos que provavelmente quase ninguém viu, que fizemos há muito tempo foi publicado só em editoras muitas pequenas, que poucas centenas de pessoas viram. E histórias totalmente inéditas.


E Sophie também lança um livro neste ano, certo?
Aline:
Sim, o livro dela sai em novembro. Se chama Evolution of a Crazy Artist. Tenho aqui comigo uma mostra desse livro, uma apresentação de 16 páginas, posso te mostrar. Robert trouxe.

E como você se sente em ver esse trabalho publicado?
Aline:
Ela já teve publicados dois livros, quando estava com 20 e poucos, por conta dela.

Mas este é um que reúne toda a trajetória dela, da qual vocês fazem parte.
Aline
: Sim. Este é um livro incrível. Mesmo que ela não fosse minha filha, nunca houve um livro como esse feito antes, até onde eu sei. Mostra o desenvolvimento de um ser humano, por meio de seu desenho, dos dois anos até os 29 anos, de ser um bebê até ser uma mãe. Tudo no meio tempo, sua adolescência, descobrir as drogas, ser rebelde, tudo está lá. Vai desde coisas que nós guardamos até coisas que ela própria guardou pensando em mostrar um dia. Ela fez as escolhas com Robert. Ela escreveu explicações sobre o que estava acontecendo na vida dela no momento daqueles desenhos.
Lora: Mas também, eu acho, só pessoas como você e Robert poderiam ter reunido material como esse. Porque vocês guardaram tudo. Eram o que, 10 mil desenhos?
Aline: Dez mil desenhos, pelo menos. Porque Robert é um arquivista, sabe? Ele é um colecionador. E ele guarda desenhos de toda época, e anota: o que é isso, quem é esse. Haverá comentários em cada desenho. Temos uma estante cheia de desenhos dela. E, então, ela começou a guardar desenhos quando ela tinha uns 8 anos. Ou seja, ela tem um mundo inteiro que ela guardou dos 8 anos até hoje.
Lora: Você disse que tinha uma pilha desta altura…
Aline: Não, mais, muito mais. Ocupou meu escritório inteiro. Pilhas e pilhas e pilhas. E exploramos tudo aquilo e escolhemos algo que mostrasse uma evolução coerente do trabalho dela. E acho que fizemos um belo trabalho. Tem 300 páginas, algo assim. E é muito interessante, porque mostra desde o momento em que essa pessoa primeiro percebeu seu papai, sua mamãe e sua casa, até notar um mundo maior. Sabe, a moralidade dela se desenvolveu, os pontos de vista dela se desenvolveram, e de repente ela se tornou muito rebelde. Tudo isso aconteceu. E então ela volta e encontra Simon e eles têm um bebê, e é toda uma história por meio dos desenhos e escritos pessoais dela.
Lora: E ela é uma artista incrível.

E ela lembra algum de vocês dois nos desenhos?
Aline:
Vou te mostrar um autorretrato que ela fez, ok? Recentemente, para o livro. Esse é para uma edição limitada, é um silk-screen que estará no livro (Aline revira a bolsa enquanto fala).
Lora: Conte a ela sobre o telefonema que vocês receberam da mulher em Nova York.
Aline: A mulher que… Espere, deixe-me achar. A mulher… em Nova York… é uma professora de crianças esquizofrênicas, e ela escreve livros sobre crianças. E ela viu o livro de Sophie e disse que é o melhor livro que ela já viu na vida. Disse que é verdadeiramente miraculoso. Ficou verdadeiramente impressionada. Disse que era único que pais dessem ao trabalho de um filho pequeno tanta importância. Disse que a voz de Sophie aparece com tanta força desde o começo. Eu não sei se é verdade, mas foi bom ouvir isso.

Quantos anos ela tem agora?
Aline:
Ela tem quase 29.

E o filho dela?
Aline:
Está com dez meses. (Aline encontra o autorretrato no celular). Aqui está o retrato dela. Que ela fez quando…

Nossa, lindo. (Sorry, people, esqueci de pedir para ela me mandar. Sophie parece muito bonita, assim como o traço dela)
Aline:
É, não é? Ela parece mais velha e mais feia do que ela é, mas dá para ter uma noção. Ela é realmente bonita.

E esses cartuns da New Yorker… Tivemos publicados aqui uma história que vocês três fizeram juntos.
Aline:
Sim, sim. Chama-se Não Fale com a Boca Cheia, é sobre uma reunião em família.

E como foi fazer isso?
Aline
: Nós três? Foi complicado (risos). Fizemos primeiro tudo a lápis. Sem tinta. Cada um de nós tinha uma ideia, vamos dizer que na primeira página cada um teve uma ideia. Eu pensei no título, Não Fale com a Boca Cheia. Então comecei a história. Nós três no trem, ela morrendo de vergonha de mim. Como um adolescente fica da mãe. No trem, eu estava comendo, e ela falava: “Mãããe, você pode por favor terminar de mastigar antes de começar a falar”. Estávamos no trem, enfim. E então ela dizia: “Espere, quero dizer uma coisa”, e então ela colocava o lápis dela… Sem desenhos, por enquanto só estávamos escrevendo. E então Robert fazia. Então escrevemos toda a primeira página. E então toda a segunda. E a terceira. Quando tínhamos toda a história mais ou menos escrita, cada um de nós pegou uma página e fez seu desenho a lápis. E trocamos, cada um fez seu personagem na página, e trocamos, cada um fez seu personagem na página. Então tudo estava à lápis. Então cada um de nós pegou uma página e fez a tinta seu personagem e sua fala. E trocamos.
Lora: Ou seja, não só os desenhos próprios feitos por cada pessoa, mas também as falas nos balões. Cada qual com seu estilo de letra.
Aline: E Robert em geral faz o logo, porque ele é realmente bom nisso.
Lora: E quanto ao desenho de fundo?
Aline: Todos nós. Nós nos dividimos nisso.

E com que frequência você desenha? Sei que Crumb desenha tipo todo dia, mas e você?
Aline:
Desde que o bebê de Sophie nasceu, não desenhei mais, nos últimos dez meses. Porque comecei a ajudar Sophie com o livro dela, e o Gênesis estava saindo, ajudei Robert com a divulgação. E também estava ajudando Sophie com o casamento dela. Então, pensei, é isso.

E não sente falta de desenhar?
Aline:
Ah, eu sinto. Nos últimos dez meses não pude. Fiquei feliz de poder ajudar nesses últimos dez meses, de passar o tempo com meu neto, estou muito próxima do bebê agora, assim como Robert, mas agora, em setembro, quando voltar à França, quero voltar a meu trabalho, a pintar e desenhar. Mas não me arrependo de um segundo que dediquei ao meu neto, nem um minuto.
Lora: Foi um momento importante para você e para Robert.
Aline: Sim, sim, foi. Estou muito feliz. É minha filha única, meu único neto, então.

Ela vive na cidade de vocês?
Aline:
Não, vive a 20 minutos da gente.
Lora: O que foi realmente bacana no casamento, porque o casamento aconteceu em julho, é que estavam lá os pais, os avós, os bisavós, dos dois lados da família.
Aline: Três bisavós e quatro tataravós do bebê. Não me arrependo de nada.

Quando você começou, não era comum ver mulheres cartunistas. E agora, na França, e também nos EUA, há esse cenário tão forte em HQs. Você acompanha isso de perto?
Aline
: Sim, eu me interesso muito. Nos Estados Unidos, há duas ou três gerações de mulheres cartunistas que começaram depois da gente. E isso é lindo pra mim. Minha filha é parte dessa última geração. E acho que se torna cada vez melhor. Quando começamos, tudo era muito cru, não havia história, era uma forma que não sabíamos bem como trabalhar, e tínhamos gente de formas artísticas muito diferentes que acabaram chegando aos quadrinhos. Agora as pessoas estudam quadrinhos na faculdade, eles ensinam isso.  Phoebe Gloeckner, que foi uma cartunista que apareceu uma geração depois da gente, ela é agora uma professora de HQ na Universidade de Michigan. E em Harvard há uma professora ensinando meu trabalho, o nome dela é Hilary Chute, ela fala do meu trabalho no curso dela. Acho que as mulheres encontraram o lugar certo nesse cenário, e agora existe um trabalho muito importante das mulheres. Isso me faz feliz, me faz sentir pioneira. Hoje em dia você tem gente como Posy Simmonds e Tamara Drewe e Alison Bechdel e Phoebe Gloeckner e Marjane Satrapi. Tudo isso é resultado, eu sinto, do que fizemos. E é o que me deixa feliz.
Lora: Porque, naquela época, estávamos tateando no escuro.
Aline: Sim, nós não sabíamos. Não existia forma nem tradição. Não sabíamos… Mas quando você vê um trabalho inspirado em você ir um passo além e um passo além e um passo além… Agora se tornou uma forma de arte madura que as pessoas podem estudar em Harvard, voc6e pode estudar literatura e você pode estudar quadrinhos. Isso é algo que se pode fazer e que não existia.

Você acha que graphic novel é literatura?
Aline:
Sim. Totalmente.

Porque aqui no Brasil há muitos quadrinistas que rejeitam essa ideia.
Aline:
Preciso dizer que acho que há uma série de trabalhos que… Há muitos cartunistas que são muito visuais, e as palavras são menos importantes… Há muito cartunistas que nem palavras usam. Mas há outros que são muito mais literários. E seus desenhos prescindem de palavras. E existe todo esse meio termo. Vocë tem Chris Ware, que, às vezes, não precisa das palavras.
Lora: E há também Shaun Tan, que ganhou melhor álbum estrangeiro uns três anos atrás em Angouleme. Não há uma única palavra…
Aline: Tem também Blanquet, que é totalment visual. Mas daí você tem alguém como Art Spiegelman, que fez Maus, e é totalmente um trabalho de literatura. O desenho é muito secundário. Então, dentro dos quadrinhos, você tem ambos, você tem algo totalmente visual e algo totalmente literário. E ainda algo totalmente no meio disso.
Lora: Simmonds é muito literária E Tamara Drewe também.
Aline: Se você olha para Marjani Satrapi, o desenho dela é muito simples, não é um desenho particularmente interessante, mas a história é fabulosa. É muito literário. Então, você não pode generalizar, precisa olhar artista por artista. Mas é uma forma de arte incrível, que pode se tornar poderosa conforme for usada.

Sabendo que seu ponto forte é o texto, e não a ilustração, você lançaria algo que fosse só texto?
Aline:
Bem, em Need More Love há muita coisa que é só texto. Mas há muito texto, pintura, e muitas fotos. Eu escrevi muito também. Mas também pinto. Sou muito visual, pintar é meu primeiro amor. Se você quer saber o que me faz mais falta como artista, é pintar, isso é o que realmente desejo. Sou mais uma artista visual que uma escritora no meu coração. Acima de tudo, penso em mim como pintora e artista visual. Comecei a pintar aos oito anos de idade, fui muito precoce nisso, foi meu primeiro amor.

Desenhar é mais difícil que pintar para você?
Aline
: Quando desenho quadrinhos, não me preocupo tanto se o desenho é bonito. Estou interessada em expressar a feiúra e a angústia…

E suas pinturas….
Aline: Acho que elas são mais bonitas, acho.
Lora:
Mesmo que o assunto não seja particularmente interessante, algo que você não espere… Tenho uma pintura de Aline que é uma flor quase morrendo. E é tão…
Aline: Escura, eu uso muito preto.
Lora: Eu amo aquilo.
Aline: Obrigada. Quando pinto, estou muito mais preocupada com a estética. O senso de cor e forma. É um processo muito diferente. Quando faço quadrinhos, o desenho é parte da escrita e da sensação da personagem. Quero passar alguma emoção, mas não fazer aquilo bonito. É uma coisa muito diferente da pintura. Não vem do mesmo lugar, com certeza. As histórias em quadrinhos são mais emocionais, é algo muito diferente. Pintar é mais meditativo e prazeroso. Fazer quadrinhos é mais como uma tortura. Não me relaxa, me deixa tensa. Não posso colocar mais em palavras do que isso.

Está muito bem colocado, consigo entender. E, enfim, o que está achando de Paraty?
Aline
: É linda e tropical, adoro tropical. O clima e água… É muito barulhenta. Acordei com pessoas martelando… As pessoas são muito vívidas e gosto disso. E estou surpresa como tudo é muito antigo e bem cuidado. Adoro vegatação tropical e calor. Gosto muito de viajar. Fui para a Índia faz pouco tempo…

E deixou Crumb sozinho? Ele consegue viver sem você?
Aline:
Sim, consegue. Há os mercados e os restaurantes e cafés. Ele pode sobreviver sem mim.

Ele diz que não fala francês.
Aline:
O suficiente para conseguir comida e sobreviver. E todo mundo na cidade o conhece. E o protege. Agora ele está com essa secretária, uma amiga minha. Ela cuida dele. Eu já gosto mais de viajar, de viver aventuras, não me assusto mesmo. Fui para a Índia faz algum tempo. Ele teria odiado, morrido. Mas eu vou aonde puder, provo o que me derem para provar.

Você comeu moqueca aqui no Brasil?
Aline:
O que é isso?

É uma espécie de peixe ensopado.
Aline:
Com banana?
Lora: Comi ontem.
Aline: Eu comi lulas.
Lora: Robert não gosta dessas coisas exóticas.
Aline: Ele gosta de peixe, mas não de frutos do mar.

E ele não está se escondendo, como você diz…
Aline:
Não, não está. A viagem de São Paulo até aqui foi interessante, mas quero conhecer lugares mais comuns, sabe? Queria conhecer essa parte nova de Paraty que não é tão bonita, com suas lojas normais, mercados normais… Coisas ordinárias são tão mais legais. Este lugar parece uma pequena joia do país, mas quero conhecer os lugares mais comuns.

E vocês já pensaram se Paraty rende alguma daquelas suas histórias em conjunto?
Aline:
Olha, vou te mostrar. Olha todas as minhas canetas, de todas as cores (abre uma bolsinha para mostrar as canetas que trouxe). Se tiver tempo, vou fazer algo depois. Primeiro tiro fotos e depois faço. Mas não acho que vá desenhar algo sobre Paraty a não ser que aconteça algo realmente horrível. Se eu for sequestrada ou algo do tipo. Por enquanto, está tudo tão tranquilo. Sobre o que escreveríamos, sobre o quanto está sendo tranquilo e bacana aqui? Seria tão entediante!

Bem, se te consola, acho que esse encontro que Crumb e Shelton têm em São Paulo será caótico.
Aline:
Bem, se formos torturados por lá, acho que teremos uma história.

A coluna da semana

[publicada no Sabático de 31/7; disponível também no Estadão.com]

BABEL

Raquel Cozer – raquel.cozer@grupoestado.com.br – O Estado de S.Paulo

CINEMA
Um modernista em 1.500 páginas, mas sem editora

Uma compilação de quase 3 mil crônicas escritas pelo crítico de cinema, poeta e ensaísta Guilherme de Almeida (1890-1969) está há quase uma década em busca de editora. Organizado ao longo de 20 anos pelo editor Frederico Ozanam Pessoa de Barros, hoje com 82 anos, o livro Cinematógrafos esbarra numa questão logística que já levou editoras interessadas a desistirem do investimento: o volume tem 1.500 páginas, e Barros, amigo e biógrafo de Almeida, não abre mão de publicá-lo na íntegra. Além dos textos que o modernista publicou no Estado de 1926 – quando foi convidado a assinar seção dedicada à crítica cinematográfica – até o início dos anos 40, o livro inclui fichas técnicas de todos os filmes sobre os quais escreveu. “Mais que crítico, foi o primeiro grande cronista de cinema do período. Seus textos registram aspectos da cultura de uma época em que ir ao cinema era quase como ir a uma festa”, diz Barros.

TRADUÇÃO
O primeiro romeno

O selo Amarilys, da Manole, prepara a tradução direta do romeno de O Retorno do Hooligan, romance em que Norman Manea relata sua primeira visita à Romênia após a queda do regime Ceausescu. O escritor, que vive em Nova York, relembra o fascínio pelo comunismo, a perseguição e a liberdade no exílio, junto a amigos como Philip Roth.

*

Será a primeira tradução de Manea no País, a cargo da romena naturalizada brasileira Eugênia Flavian. E também a primeira direta do idioma a sair pela Manole – cujo fundador, Dinu Manole, nasceu na Romênia. A editora também tem os direitos de The Bunker, do autor, sobre o 11 de Setembro.

DIGITAL
Wylie e a tradução

A agência Wylie, que passará a publicar e-books de seus autores nos países de língua inglesa, é também a única grande que se recusa a vender direitos digitais de traduções num momento em que editores exigem cláusulas sobre publicação eletrônica.

*

A Benvirá, por exemplo, não sabe se poderá lançar os e-books dos recém- negociados Tetralogia da Fertilidade, de Yukio Mishima, e Solo, de Rana Dasgupta. Incluiu cláusula para que seja a primeira opção caso a Wylie queira negociar os direitos. A Record, que publica Colum McCann e Azar Nafisi, da agência, avalia que terá de parar de negociar se a Wylie resistir na questão, a não ser que se comprometa a não vender direitos a outros ou explorá-los diretamente.

BOLSA
Um ano na Alemanha

Finalista do Prêmio SP de Literatura, que sai na segunda, Bernardo Carvalho não deve lançar outro romance tão cedo. O autor de O Filho da Mãe ganhou uma bolsa da instituição de intercâmbio Daad. A partir de março, passará um ano em Berlim como artista residente, seguindo passos de nomes como Rubem Fonseca e João Ubaldo Ribeiro.

CASA NOVA
Mudanças no catálogo

Após breve passagem pela Cosac Naify, Izabel Aleixo assume a direção editorial da Paz e Terra com a meta de garimpar obras de “maior apelo” e “dar uma reduzida” no catálogo de 1.200 títulos, organizando coleções. Para o selo Argumento, que em cinco anos teve só nove títulos, a meta é levar mais ficção contemporânea internacional e abrir portas para a nacional. Por 12 anos, na Nova Fronteira, Izabel lançou alguns dos maiores hits da década, como O Caçador de Pipas.

CINEMA
Chanel e Stravinski


A Larousse lança Coco Chanel e Igor Stravinski, do inglês Chris Greenhalgh. A obra aqui sai na esteira do filme homônimo, exibido no Festival de Cannes 2009 e que, protagonizado por Anna Mouglalis, retrata um caso entre a estilista e o compositor.

QUADRINHOS
Baleia multimídia

Um teaser de animação será criado pelo Estúdio Birdo para divulgar Cachalote, de Rafael Coutinho e Daniel Galera, lançada em junho pela Quadrinhos na Cia., com 800 exemplares vendidos até agora. O vídeo será lançado dia 4/9, quando a Choque Cultural abre mostra com originais e pôsteres da HQ.

A primeira vez (versão nacional)

Meses atrás, escrevi aqui no blog sobre a pesquisa de um autor americano, Jim C. Hines, sobre o caminho de um escritor até o primeiro livro publicado. Fiz a ressalva de que era um mercado bem específico –  Hines escreve livros de fantasia e a maior parte dos entrevistados também, e o critério que ele usou foi de primeiro livro publicado com adiantamento da editora – e me deu vontade de tentar algo do tipo por aqui. Focando em literatura e em grandes editoras, de alcance nacional, boa capacidade de distribuição e de divulgação.

Tá certo que não fui disciplinada desde os primeiros questionários que disparei por e-mail para autores, em maio, até o momento em que consegui voltar a pensar na pauta, agora no meio de julho, o que fez desta minha semana algo das mais caóticas.  Parecia simples, né, enviar e-mails, jogar tudo no Excell e fazer umas regras de três para as porcentagens. Mas daí, ao juntar todas as respostas, percebi que teria de abusar da boa vontade dos 60 que toparam participar (uns 6 ou 7 não responderam), refazer perguntas, mandar outras. Não é fácil ser Ibope.

Sim, é uma pesquisa informal (como aviso no texto, publicado no Sabático) que faria o povo das estatísticas ficar de cabelo em pé. Mas é sempre bom sair da rotina, tem lá sua graça. Com base no que os autores escreveram, dá uma dimensão: idade média de publicação do primeiro título de literatura, 34 anos; tempo entre o primeiro livro escrito, publicado ou não, até o livro publicado por uma grande editora, algo entre 5 e 6 anos (esse último dado não incluí na reportagem porque é mais complexo, já que muitos responderam só “menos de um ano” até a publicação, o que pode significar dois ou 11 meses).

A arte (do Rubens Paiva, ex-colega de Folha com quem voltei a trabalhar no Estadão), com os principais resultados, ficou incrível. O texto foi uma novela, fiquei tão preocupada em checar estatísticas (ok, “estatísticas”) que, ao reler a versão impressa que apareceu na redação e ver o que tinha escrito depois de tanto cortar e mudar, quase tive uma coisa. Consegui dizer um pouco melhor o que queria dizer ao fazer uns retoques pro on-line, que, afinal, é o que fica.

Mas as respostas, que não pude aproveitar na íntegra (pena, porque tinha muita coisa boa por ali), ainda me deram ideias para pautas futuras que podem ajudar a entender a árdua missão que é fazer literatura no País. Gracias a todos os autores que participaram, pela boa vontade.

***

O incerto caminho até a publicação

Em enquete com 60 escritores, levantamos os dilemas enfrentados por autores em busca de editoras

Clique aqui para ver a arte em tamanho maior no PDF

Raquel Cozer – O Estado de S. Paulo

Anos atrás, o editor Paulo Roberto Pires presenciou uma inflamada discussão acerca do excesso de autores estreantes que as grandes editoras andariam colocando no mercado. Ele sabia que, a qualquer momento, um dos críticos poderia apontá-lo entre os culpados pelo que seria “falta de parcimônia” editorial. Como jornalista cultural, depois um dos organizadores da primeira Flip (2003) e, por fim, editor em duas das maiores casas publicadoras do País, a Planeta e a Ediouro, ele apresentou a um público mais abrangente alguns dos principais nomes da Geração 00, como João Paulo Cuenca, Joca Reiners Terron e Santiago Nazarian.

Pires não considera isso negativo. “Se um escritor é bom ou ruim, o tempo é quem diz. Era preciso sacudir o mercado naquele momento em que era enorme a diferença entre o que se editava e o que se via de interessante na internet.” O fato é que atitudes como a dele ajudaram a estimular a aceitação a novos autores. “A internet alterou o perfil do lançamento de um estreante”, avalia Vivian Wyler, gerente editorial da Rocco. “Está mais fácil ser autor agora do que quando quem badalava sua obra era visto com desconfiança, como se não tivesse a pátina correta de eruditismo. Hoje, ninguém vai criticar quem quer estar onde os leitores estão. As feiras literárias estão aí para provar.”

A exposição só não alterou o fato de que a publicação por uma grande editora marca, em geral, o momento em que tudo muda na trajetória de quem quer viver de literatura – ou se tornar uma pessoa jurídica, como diz Cristovão Tezza, que pôde parar de dar aulas e viver apenas em razão de seus livros desde que O Filho Eterno, publicado pela Record, abocanhou quase todos os prêmios literários de 2008. “É importante a recepção que o livro tem quando vem de uma grande. As pessoas olham diferente para um livro da Companhia das Letras, por exemplo”, diz Antonio Prata, que ingressou nesse olimpo literário em 2003, com As Pernas da Tia Corália, publicado pela Objetiva.

O Sabático resolveu saber dos próprios autores qual o impacto de uma grande editora em sua carreira, como foi o caminho até ela e como se sentem a respeito numa época em que, cada vez mais, surgem boas casas de pequeno ou médio porte no País – como a 34, a Iluminuras e a Ateliê Editorial, só para ficar em três exemplos. Numa espécie de pesquisa informal, enviamos pequenos questionários a quase 70 escritores de todas as idades, dos quais 60 aceitaram participar. As questões foram feitas em cima do primeiro título de literatura lançado com distribuição nacional e grande alcance de divulgação. E que, na maior parte dos casos, não foi o primeiro que tiveram editado – Lya Luft, por exemplo, escreveu o primeiro livro 13 anos antes de chegar à Record, onde virou best-seller com As Parceiras, em 1980; Ana Miranda escreveu dois de poesias por editoras pequenas e ficou 10 anos retrabalhando o mesmo romance até enviar os originais de Boca do Inferno para a Companhia das Letras – foram mais de 200 mil exemplares desde 1989.

É claro, o caminho é bem mais rápido para quem não se dedica a outros trabalhos antes, como Lya, ou não se debruça tanto tempo sobre a mesma obra, como Ana. As duas, que estrearam em grande editora com 40 e 37 anos, respectivamente, estão acima da média de idade que os participantes da enquete tinham quando chegaram lá, 34 anos. Quase um quarto dos escritores (23%) conseguiu fechar um contrato no mesmo ano em que terminou de escrever o primeiro livro – apostas em iniciantes, como no caso dos autores editados por Paulo Pires, ajudam a engrossar esse número; prêmios literários e publicações anteriores de contos em periódicos e antologias também.

Mas um número parecido (20%) esperou mais de uma década desde as primeiras tentativas literárias até receber um convite de uma grande editora. Caso de gente como Affonso Romano de Sant’Anna (que esperou 22 anos até, aos 38, ter Poesia sobre Poesia publicado pela Imago), Cristovão Tezza (17 anos tendo obras recusadas até Traposair pela Brasiliense) e Marcelo Mirisola (15 anos escrevendo livros até ser convidado pela Record a lançar Joana a Contragosto).

Mas Mirisola, assim como Marcelino Freire e outros escritores, já era conhecido quando teve o romance editado pela maior editora do País. O reconhecimento chegou com Fátima Fez os Pés para Mostrar na Choperia, que a Estação Editorial, uma editora de médio porte, publicou em 1998. “No meu caso, não mudou nada”, diz o paulistano sobre o título que saiu pela Record. Tanto que, depois disso, voltou para uma editora média, a 34, e em breve terá um infantil (a quatro mãos com Furio Lonza) pela Barcarolla.

Indicações. Só quatro dos 60 autores (Mirisola, Ana Miranda, João Almino e Tiago Melo Andrade) disseram que recomendações feitas por outros escritores ou pessoas próximas não facilitam o caminho para um iniciante. Tirando um ou outro que preferiu não emitir opinião a respeito, a grande maioria respondeu ao Sabático que a indicação abre portas, sim – mas todos ressalvaram que apenas permite aos manuscritos uma mãozinha para chegar logo ao topo da pilha de originais. Vinte e um dos autores disseram que escreveram a convite – está certo que boa parte deles já era algo conhecida por textos em antologias, periódicos ou editoras pequenas. Outros 38 afirmaram que enviaram originais; desses, 24 conheciam o editor ou tiveram a tal recomendação; os 14 restantes afirmaram só ter oferecido os originais nas editoras. E uma única, dentre os 60, recorreu a um agente – Ana Maria Machado, publicada pela Francisco Alves, uma das grandes em 1983. “Nos EUA, é mais comum iniciantes contratarem agentes. Por aqui é raro o autor se arriscar a pagar um agente sem a certeza da publicação; isso só costuma acontecer quando eles já estão com carreira mais estabelecida”, diz a editora Izabel Aleixo.

Por curiosidade, metade dos 38 autores que foram bem-sucedidos após enviar originais preferiram fazê-lo para uma só editora – uma espécie de ética que as casas publicadoras não exigem e que pode acabar sendo um problema para quem aspira ser editado. Luciana Villas Boas, diretora editorial da Record, por exemplo, diz que não vê mais originais em papel não solicitados. “Não há como. Se vem um e-mail, a gente até se situa. Se achar que a carta está bem feita e que existe um mínimo de potencial, vai para leitura. Recebo uns 25 emails por mês, sem falar nos que recebem todos os outros editores, e uma quantidade absurda de papel que não serve para nada.”

Vivian Wyler, gerente editorial da Rocco, diz que passam de 150 os originais que chegam por mês à editora. A Rocco não veta os que chegam em papel, mas exige que todos venham gravados em CD – se o autor quiser mandar a impressão em anexo, fica por conta dele. “E, vou te dizer uma coisa, 98% dos livros. logo nas primeiras páginas, senão na carta de apresentação, você vê que não é um livro de verdade. Não falo nem de regras gramaticais, e sim de um mínimo de estilo, de consciência literária”, diz Izabel Aleixo, ex-diretora editorial da Nova Fronteira, que acaba de assumir cargo na Paz e Terra. Isso faz com que bons livros se percam na montanha de aspirações literárias. E é aí que entra a recomendação. Não porque vá privilegiar alguém, mas porque permite a triagem.

Mas nem todos são adeptos da fidelidade. Elvira Vigna, ao terminar O Assassinato de Bebê Martê, abriu um catálogo do Snel (sindicato dos editores) e mandou uma cópia do romance a cada editora cujos nome reconheceu. Em menos de um mês, recebeu a resposta de uma das melhores do País, a Companhia das Letras. Nelson de Oliveira também mandou seus contos de estreia para cerca de 20 editoras, mas precisou esperar oito anos, ganhar um prêmio, o Casa de Las Americas, e ser recomendado por um dos jurados, Rubem Fonseca, para publicar pela mesma casa Naquela Época Tínhamos um Gato>. Hoje, voltou a publicar por pequenas editoras: “Não há mais muita diferença. Em geral, as pequenas se profissionalizaram.” Ignácio de Loyola Brandão, que mandou cópias de seu Depois do Sol para 13 editoras, recebeu cartas padrões de quase todas e uma que não esqueceu, da Civilização Brasileira: “O autor escreve como quem mija.” “Achei até que era elogio, mijar é um ato natural”, conta. Acabou sendo publicado logo pela Brasiliense – e o editor Caio Graco, lembra Ignácio, aceitou a obra sem nem fazer reparos de edição.

Autores falam sobre o primeiro livro

“Já na Ateliê (de médio porte), com o Angu de Sangue, em 2000, minha vida literária mudou. Fui bastante resenhado, divulgado. Não sou desses que ficam com a bunda na cadeira, reclamando de editor”

Marcelino Freire

“As pessoas olham diferente para um livro da Companhia das Letras, por exemplo. Se fica mais fácil? Creio que sim. Mas não acho que no Brasil publicar seja problema. Isso é fácil. Difícil é vender”

Antonio Prata

“Aprendi que as pessoas não querem palpite nem sugestões, querem endosso e apadrinhamento. Qualquer restrição ou dica, por mínima que seja, é vista como ofensa e se ganha um desafeto”

Ana Maria Machado

“A passagem da Revan (de pequeno porte) para a Nova Fronteira não significou nada. Meu desempenho de público até piorou. Tanto que a Nova Fronteira não quis um segundo livro meu”

Alberto Mussa

“Aquele era o meu livro, era o livro possível, e se o editor fosse mais invasivo a obra não seria tão autêntica. Prefiro caminhar com as minhas próprias pernas e aprender com os meus próprios erros”

Adriana Lisboa

“A gente também passa a fazer outros trabalhos: textos de prosa e ficção para jornais, orelhas de livros, palestras. Para isso, é imprescindível ser publicado por uma grande editora, é evidente”

Cintia Moscovich

“Editoras grandes ajudam sobretudo em distribuição e divulgação, mas é precipitado dizer que necessariamente trazem mais público. Nada impede que isso seja alcançado em publicação independente”

Daniel Galera

“Quem leu (o primeiro livro que escrevi) achou péssimo e tive de concordar antes de enviar a qualquer editora. Mas todo livro é o primeiro. Já tive livros recusados depois de publicar o primeiro”

Bernardo Carvalho

“(A indicação) facilita o acesso à editora, mas não garante a publicação. É lenda achar que, por conhecer o autor ou ser amigo de alguém de seu círculo, o editor vai publicar o livro”

Cristovão Tezza

A coluna de 24/7

[Publicada no Sabático]

BABEL

Raquel Cozer, raquel.cozer@grupoestado.com.br – O Estado de S.Paulo

INFANTIL
Saem 100ª edição do Maluquinho e novo Ziraldo, com realidade aumentada


A Melhoramentos decidiu fazer tiragem especial “bem pequena” da 100.ª edição de O Menino Maluquinho, a ser lançada na Bienal Internacional do Livro de São Paulo, quando a companhia celebra 120 anos de história. Serão 2 mil cópias para Ziraldo e a editora distribuírem a pessoas próximas. Neste caso, o livro terá capa redesenhada pelo autor e, nas orelhas, depoimentos de gente como Martinho da Vila e Ferreira Gullar. Já a tiragem para o público terá 10 mil exemplares – a obra, que completa 30 anos, já vendeu 2,8 milhões de cópias. Ziraldo também lança O Menino da Terra, primeiro infantil nacional com jogo de realidade aumentada, no qual a criança usa o livro como joystick na frente da webcam.

LIVRARIAS
Distribuição desigual

O número de livrarias no Brasil cresceu 11% em três anos, totalizando 2.980, mas o aumento veio acompanhado de distribuição mais desigual das lojas pelo País, segundo a Associação Nacional de Livrarias. O Sudeste, que tinha 53% das livrarias nacionais em 2006, passou a 56% – a população da região corresponde a 42,5% da nacional. Já no Nordeste, com 28% da população brasileira, a proporção de livrarias caiu de 20% para 12%.

*

O levantamento refere-se a 2009 e integra o Diagnóstico do Setor Livreiro, que a ANL divulgará nesta terça-feira, em São Paulo, e discutirá a partir do dia 9 na 20.ª Convenção Nacional de Livrarias.

LITERATURA CUBANA
O nada e o todo

Quinze anos depois de lançar O Nada Cotidiano, sobre sua vida em Cuba, a exilada Zoé Valdés publica em setembro na Europa a sequência da obra, O Todo Cotidiano, no qual fala da vida da França. Aqui, o primeiro livro saiu em 1998 pela Record. No começo do ano que vem, a Benvirá será a primeira editora a juntar os dois títulos num só volume.

CONTOS
Teatro de sombras


A L&PM comprou e mandou fotografar marionetes de teatro de sombra chinês (foto) para ilustrar o infantil Contos Sobrenaturais Chineses, de Sergio Capparelli e Márcia Schmatz. O livro deve sair no fim de setembro.

GUERRA
Depois da televisão

A Bertrand Brasil comprou os direitos do livro The Pacific, de Hugh Ambrose, que originou a série da HBO sobre fuzileiros navais na 2.ª Guerra. Produzida por Tom Hanks e Steven Spielberg, a minissérie teve 24 indicações para o Emmy, que será entregue em 29/8. O problema agora é correr com a tradução das mais de 500 páginas. Com sorte, sairá no primeiro trimestre de 2011. O último episódio foi exibido no Brasil em junho.

DIGITAL
Cabo de guerra

A Random House, maior editora do mundo, anunciou que não fará novos acordos com o mega-agente literário Andrew Wylie. Foi a resposta ao anúncio de Wylie de que negociará direitos digitais de autores direto com as lojas. Wylie criou para isso a Odyssey Editions, que dará dois anos de exclusividade à Amazon, vendendo a US$ 9,99 títulos como os quatro Coelho, de John Updike, cujos direitos de edição impressa são da Random.

MÚSICA
Lou Reed em liquidação

A Livraria da Vila encomendou cem exemplares de Pass Thru Fire – The Collected Lyrics, de Lou Reed, no embalo da Flip. Como o músico não vem mais, a baixa foi imediata: de R$ 49, o livro importado sairá por R$ 39. A Companhia das Letras vende o título traduzido, Atravessar o Fogo, por R$ 51,50.

Texto, ilustração e raciocínio (ou só viagem)

Duas das entrevistas que mais gostei de fazer nos últimos anos foram com cartunistas, o Crumb (que, pena, nunca entrou no ar na íntegra) e o Spiegelman. Tudo bem, uma das que mais me frustraram também foi, com o Quino, mas preferia que isso não atrapalhasse a teoria sobre a qual falo no outro parágrafo. É que os três têm fama de não gostar de falar com jornalistas, mas Crumb e Spiegelman ao menos disfarçam muito bem, mesmo tendo provavelmente ouvido antes centenas de vezes várias das perguntas que lhes são dirigidas. Tá, a gente sempre tenta perguntar algo que saia do lugar comum, mas é difícil acreditar na possibilidade de questões inéditas para quem passou a vida respondendo a elas.

Gilbert Shelton corroborou minha teoria (três contra um; já posso usar os números a meu favor?) de que cartunistas tendem a ser bons de oratória, por mais que se digam tímidos ou avessos a qualquer tipo de notoriedade. De alguma maneira, vejo uma conexão entre a capacidade que eles têm de contar uma história simultaneamente em texto e imagem e a inteligência de elaborar raciocínios de forma… visual, digamos assim. Indo direto ao ponto, mas com frases que acrescentam algo de concreto a quem quer entender melhor criador e, por extensão, criatura. Nem que seja só para se livrarem logo daquele incômodo inquisitório, a versão contemporânea das torturas medievais.

Sei lá. Pode ser mesmo viagem minha. Também não consigo explicar direito, o que percebi ao tentar escrever aqui. Xá pra lá. Qualquer dia publico a íntegra da conversa com o Shelton por aqui, o que será mais autoexplicativo. Por enquanto, segue o texto que saiu hoje no Sabático.

***

Gilbert Shelton, o verdadeiro Freak Brother

Um dos precursores dos cartuns underground da década de 60 divide mesa com Robert Crumb na Flip

RAQUEL COZER

Quase meio século como cartunista rendeu a Gilbert Shelton um lugar entre os pioneiros das HQs underground e também caixas e caixas de material inédito. Elas o acompanham desde Nova York, onde, em 1962, publicou os primeiros desenhos como profissional, e ganharam volume em Paris, cidade em que se instalou há 25 anos com a mulher, a agente literária Lora Fountain.

Nos últimos tempos, Shelton andou revendo o conteúdo. Imagina ter material suficiente para um livro autobiográfico, que intercale histórias curiosas e ilustrações – uma espécie de caderno de recortes, como define -, mas ainda não falou sobre a ideia com os editores. “Acho que pode ser interessante”, avalia, antes de uma breve pausa. “Mas não sei. Talvez as pessoas achem entediante.”

Difícil acreditar na segunda hipótese. Trata-se, afinal, do pai de Fat Freddy, Phineas e Freewheelin’ Franklin, trio de maconheiros que resumiu, nas histórias de Fabulous Furry Freak Brothers, a psicodelia e o desbunde reinantes entre a juventude mais avançadinha dos anos 60 e 70. Acontece que Shelton sempre fez questão de negar a crença pública de que seus personagens mais conhecidos refletissem seu estilo de vida. Nada que o cartunista tenha contra a maconha, mas ele costuma argumentar que, se a consumisse na mesma quantidade dos personagens, não estaria em condições de contar a história. E, bem, ele chegou em maio último aos 70 anos e continua na ativa, ainda que num ritmo de trabalho bem menor que nos áureos tempos.

No próximo dia 3, o artista desembarca no Brasil com a mulher e o casal Aline e Robert Crumb para um temporada de seis dias em Paraty. Ao lado do amigo e criador dos célebres Fritz the Cat e Mr. Natural, participará daquela que é uma das mesas mais concorridas da oitava edição da Flip, no dia 6. “Vi na televisão um documentário sobre Paraty, então agora sei como é a cidade, uma coisa colonial”, diz Shelton em conversa por telefone com o Sabático, a fala tão pausada que por vezes dá a impressão de ter concluído o raciocínio quando, na verdade, está apenas pensando na melhor palavra a usar em seguida. “A arquitetura antiga me lembrou muito as construções espanholas do México.”

Ao contrário de Crumb, que vive entocado com a mulher numa vila no sul da França, Shelton gosta de viajar. Nasceu no Texas, passou a juventude em Nova York, morou por em Barcelona de 1980 a 1981 e voltou para a Califórnia antes de se mudar de vez para Paris. Não porque rejeitasse a violência dos Estados Unidos e o conservadorismo da sociedade americana, como Crumb, mas por questões profissionais. “Achei que viajaria mais, mas começamos a nos envolver em muitos projetos em Paris. Especialmente Lora”, diz, sobre a mulher, que abriu por lá uma agência literária e hoje tem entre seus clientes a família Crumb – a filha do casal de cartunistas, Sophie Crumb, também enveredou para os quadrinhos e terá um livro publicado em novembro.

Ironia. Shelton e Crumb se conheceram em 1969, em Nova York, quando ambos já tinham criado alguns de seus personagens mais famosos. O primeiro de Shelton, Wonder Wart-Hog, paródia do Super-Homem, apareceu numa publicação juvenil em 1962, mas só seis anos depois os Freak Brothers o colocariam entre os grandes do gênero. Naquele mesmo ano, em 1968, Crumb, já conhecido por Friz the Cat, reuniria artistas da contracultura no primeiro número da revista Zap Comix. Por ter alcançado a fama depois do amigo, apesar de ser três anos mais velho, o texano diz se sentir um “protégé” de Robert Crumb. “Ainda me impressiono com o estilo dele. É difícil dizer. Nós dois temos as mesmas influências, mas ele é diferente porque… Ele desenha tanto. É muito melhor que eu. É como estudar um idioma ou uma música. Quanto mais você pratica, melhor você é.”

E Shelton não gosta muito de praticar. Em 1974, já com bom status como criador de tiras e livros de quadrinhos, resolveu que precisava de ajuda e convidou o artista e escritor Dave Sheridan para trabalhar com ele nos livros que saíam por sua própria editora de fundo de garagem, a Rip Off Press. Desde então, contou com parceiros como Paul Mavrides e Gerhard Seyfried, com quem passou a intercalar criação de roteiros e ilustrações.

Por quê? Porque ilustrar, explica o pai dos Freak Brothers, não é algo que goste tanto de fazer. “Não sou prolífico, em especial na comparação com o Crumb, que é um desenhista compulsivo. Eu trabalho em projetos específicos. Tenho mais interesse em contar boas histórias, piadas. Desenhar não é meu ponto forte.” Com as parcerias, sentiu o trabalho fluir mais rápido, o que lhe deu liberdade para focar mais nos roteiros. A avaliação dele é a de que a história importa mais que a ilustração numa tira. “Se você tiver uma boa história e um desenho ruim, a tira será boa. Mas, se a história não for boa, não haverá arte que a segure.”

Seja como for, Shelton sabe dizer muito com pouco. Enquanto os quadrinhos underground eram combatidos pelos defensores da ordem e dos bons costumes, o artista resumiu em um cartum todo o preconceito com o qual seu trabalho era visto. Numa imagem de página inteira, os três Freak Brothers apareciam numa cama com uma mulher nua, cercados de drogas, bebidas, armas e pôsteres com dizeres na linha “Fuja do alistamento” e “Trepe pela paz”. Deitada, a mulher dizia: “Uau! Isso foi muito louco! Vamos ler mais umas revistas e começar de novo!!” – uma ironia escrachada contra a ideia de que HQs desvirtuavam os jovens. “Qualquer assunto pode ser bom, o difícil é tirar uma boa história dele. O tema central é menos importante que os detalhes de uma história. Em geral, a grande sacada está escondida sob a superfície da trama. Em HQ, é preciso fazer mais ou menos o que faz um dramaturgo numa peça, colocar os leitores ou o público dentro da história, suspender a descrença deles no que está sendo mostrado e fazê-los entrar no espírito da coisa.”

A autobiografia que boa parte de seus contemporâneos explorou nos quadrinhos ele diz ver nas suas histórias só naquele ponto em que “toda ficção inclui algo de autobiográfico”. No caso dos Freak Brothers, afirma: “Se houver alguma semelhança comigo, está muito bem escondida.” No fundo, ele se identifica mais é com o quarto personagem da história, o gato de Fat Freddy. O bichano, que apareceu numa tira do trio em 1969, ganhou pouco tempo depois vida e tiras próprias, o Fat Freddy’s Cat. “Talvez eu seja um pouco como os três, mas, vá lá, pareço mais com o gato, que é o mais inteligente deles.”

Rock’n’roll. Embora ainda faça de tempos em tempos histórias dos Freak Brothers e do Fat Freddy’s Cat, o cartunista tem se dedicado mais, nos últimos anos, às aventuras do Not Quite Dead, sobre a banda de rock de menos sucesso no mundo. A série foi criada em 1992 e o livro mais recente de um total de quatro, Last Gig in Shnagrlig, saiu na França em 2009. Ainda não há nenhuma previsão de que seja editada no Brasil. “Preciso falar com meu editor brasileiro”, diz Shelton, ao ser informado do fato. “Vou avisar à minha agente, que é minha mulher. Ela ficou muito ocupada com o Gênesis do Crumb e me esqueceu“, graceja. A Conrad, que entre 2004 e 2005 publicou dois volumes do Fabulous Furry Freak Brothers, com tradução de Alexandre Matias, afirma que as edições atuais ainda não se esgotaram e que espera vender os exemplares ainda em estoque durante a Flip.

Outro projeto no qual ele se vê envolvido desde 2003 empacou. Naquele ano, a produtora inglesa Bolexbrothers entrou em contato para transformar uma das histórias dos Freak Brothers numa animação em stop-motion, com bonecos de massinha. O filme leva o nome de uma das aventuras criadas por Shelton para os personagens, Grass Roots, e foi roteirizado por Paul Davis. Na trama, Fat Freddy, Phineas e Freewheelin’ se veem envolvidos com colheitas de maconha geneticamente modificadas, plantadas pelo governo. Um piloto do longa pode ser visto no site http://www.grassrootsthemovie.com, mas é tudo o que existe de material filmado. “Eles não conseguem dinheiro”, explica o cartunista, que participou apenas como consultor. Uma das estratégias para reunir os US$ 10 milhões que viabilizariam a obra é o que a produtora chama de “fundo de frame”. O site explica: “Se você quer que seu nome apareça no filme, compre um frame. Doze frames farão seu nome aparecer por meio segundo, o que deve ser visível a olho nu.

O homem foge

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Mais velho e menos famoso por aqui que David Grossman e Amós Oz – os conterrâneos com quem divide o título de maior nome da literatura contemporânea israelense e com os quais aparece na foto acima – , Abraham “Bulli” Yehoshua, a.k.a. ierroxúa para nós que não falamos hebraico, quase não chamou atenção ao ser confirmado para a Flip deste ano.
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Mas tenho cá para mim que a mesa dele com a iraniana Azar Nafisi será das melhores desta edição. Porque ele tem opiniões fortes e irredutíveis, como na defesa que faz do sionismo, e ao mesmo tempo é um velhinho simpático e de oratória deliciosa. E ela, por sua vez, está entre as autoras mais interessantes que já entrevistei (para texto publicado no início do ano no Caderno 2). Conversei com o Yehoshua na semana passada para o texto abaixo, que saiu no último final de semana e eu não tinha conseguido parar para postar aqui até agora.
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(By the way, o título do post é uma referência ao A Mulher Foge, do David Grossman, pela semelhança na atitude de personagens centrais desse livro e de Fogo Amigo, do Yehoshua, que está saindo por aqui)
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[Publicado no Sabático de 18/7]
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Lamentos de uma crise milenar
RAQUEL COZER
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“Posso dizer que estou cansado disso, mas não tenho como escapar”, diz ao telefone o escritor israelense A.B.  Yehoshua quando questionado se, assim como Yirmiyáhu, personagem de seu romance Fogo Amigo, alguma vez pensou em fugir do peso da realidade de seu povo.  No que diz respeito à história de vida do autor, a interrogação é algo provocativa.  Sionista convicto, integrante da quinta geração de uma família de judeus sefarditas radicada em Jerusalém desde muito antes da criação do Estado de Israel, Yehoshua feriu os brios da comunidade judaica internacional ao afirmar, alguns anos atrás, que a completude da vivência em sua religião é possível apenas na Terra Prometida.  Em outros territórios, a possibilidade seria somente a de “brincar de judaísmo”.
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Mas, ao discorrer sobre o personagem que na trama de Fogo Amigo se esconde na África para esquecer o próprio passado, o escritor deixa claro que a motivação para uma fuga seria compreensível hoje mesmo para alguém que, como ele, incentiva a migração de judeus para Israel. “As emoções de Yirmiyáhu são colocadas de forma intensa, mas, a exemplo dele, estamos todos fatigados. É algo que sinto em mim e à minha volta; as pessoas estão exaustas da identidade judaica.  Estamos há milhares de anos em conflitos.  Vemos todas as guerras começarem e acabarem, menos a que se desenrola ao nosso redor”, diz o ficcionista e ensaísta ao Sabático de Haifa, onde vive com a mulher, a psicanalista Rivka, e leciona literatura.
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Aos 73 anos, Yehoshua não passa nada da austeridade que suas fortes opiniões sobre o sionismo poderiam fazer pensar.  Pede para ser chamado pelo prenome, Abraham, ao ser questionado sobre a pronúncia correta do nome com que assina (“ierroxúa”). “É um nome respeitável, que está na origem hebraica do nome de Jesus, mas difícil de pronunciar”, concede.  Um dos maiores e mais premiados ficcionistas israelenses da atualidade, ele agora se prepara para uma segunda temporada no Brasil – esteve há muitos anos no Rio e retornará ao País no mês que vem devido ao convite para participar da 8ª Festa Literária Internacional de Paraty.
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Diz ter enorme curiosidade sobre a cidade histórica fluminense, alimentada pelas “maravilhas” ouvidas de dois amigos que participaram de edições anteriores, os escritores Amós Oz e David Grossman. E ri com gosto ao ouvir a sugestão de tirar férias por tempo indefinido nesse lugar que os conterrâneos definiram como “paraíso” – ele se dará o direito de apenas uma esticada com a mulher até cidades litorâneas da Bahia. “Tenho meus filhos, meus netos e minhas responsabilidades em Israel. Mesmo que fugisse, não haveria a possibilidade de a minha mente escapar.  As pessoas me procuram o tempo todo, e, como escritor, eu me sinto na obrigação de criticar, de gritar, de explicar para o mundo o que acontece por aqui”, argumenta.  Propícia, portanto, a mesa da qual participará na festa literária com a iraniana Azar Nafisi (de Lendo Lolita em Teerã), que terá entre seus temas centrais a literatura como caminho possível para culturas em conflito.
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Engano. Fogo Amigo, o romance que sai agora pela Companhia das Letras, é o quinto do autor de A Mulher de Jerusalém (2008) a ser publicado no Brasil. Ao título segue o subtítulo Um Dueto, que Yehoshua define como a base de toda a história.  O duo seria uma espécie de diálogo inconsciente que se constrói ao longo das quase 400 páginas entre os personagens centrais, o engenheiro Amotz Yaári e sua mulher, Daniela, durante o feriado judaico de Hanucá.  Na semana de descanso, Yaári permanece em sua casa, em Tel-Aviv, enquanto Daniela parte para uma viagem de cinco dias à Tanzânia, na África, onde o cunhado (o Yirmiyáhu do parágrafo inicial) mora desde a morte do filho único, Eyáli. É essa morte a origem do “fogo amigo” que nomeia o romance.  Eyáli, assim como cerca de 15% dos soldados  israelenses convocados para a guerra (é a estatística oficial, informa Yehoshua), foi atingido por um colega do Exército.  Em outras palavras, morreu por engano.
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“Escrevendo o romance, fiquei impressionado ao saber como é comum a morte por fogo amigo.  No último conflito em Gaza, houve até mais do que isso.  De seis ou sete soldados israelenses mortos, metade morreu por disparos do próprio Exército.  Quando um jovem é atingido, todos sofrem, mas, se quem deu o disparo está do seu lado na guerra, a dor é redobrada.  Para os parentes, a morte perde qualquer sentido de heroísmo que pudesse consolá-los.”
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Paralelos. Ao construir duas histórias paralelas em pequenos capítulos que intercalam as vivências simultâneas de Yaári e de Daniela, Yehoshua quis deixar na mão do leitor a possibilidade de criar conexões, formulando o que ele define como um terceiro caminho possível dentro do espaço literário do romance.  Conhecido pela linguagem alegórica à qual recorre em seus textos, o vencedor de honrarias como o Brenner Prize (1983) e o National Jewish Book Award (1992) afirma ter elaborado até inconscientemente algumas das ligações entre as duas pontas desta narrativa.
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Um exemplo dessas conexões aparece logo nos primeiros capítulos.  Em Tel-Aviv, o engenheiro Yaári se vê às voltas com as reclamações de moradores de um moderno edifício cujo poço dos elevadores foi projetado por ele.  Por uma razão que desconhece, ventos que entram pelo poço soam para os usuários como assustadores lamentos, uma “fúria contida, que em certos andares muda de tom e transforma-se num pranto tristonho”.  Yaári envia uma especialista ao local, e esta diagnostica com facilidade a origem dos uivos, que estaria em rachaduras no poço.  Ao mesmo tempo, na Tanzânia, Daniela descobre o passado sangrento da sudanesa Sijin Kuang, que teve toda a família assassinada e acredita em espíritos.
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Aqui, um parêntese ajuda a entender a conexão: Yehoshua explica que a inspiração para o poço que grita saiu de uma experiência de seu passado recente, ao comprar um apartamento em Tel-Aviv. “Os elevadores faziam esse som triste.  Sabia que era uma questão estrutural, mas, ouvindo aquilo, me ocorria que os uivos eram resquícios das mortes de civis durante a Segunda Intifada (revolta de palestinos contra a política de ocupação israelense, que resultou em 5 mil mortes de 2000 a 2006)”, conta.  Em Fogo Amigo, argumenta, Yaári nunca fala em espíritos, mas sente-se compelido a resolver a questão mesmo depois que a especialista deixa claro que a responsabilidade não é dele, e sim dos  executores da obra.
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Mas é em Yirmiyáhu, justo o homem que deixa para trás tudo o que Yehoshua não deixaria, que as ideias de autor e personagem parecem mais se aproximar. A princípio reservado e avesso a todas as lembranças de sua terra natal, o cunhado de Daniela exterioriza os fantasmas que o assombram quando a vê carregando uma Bíblia – única leitura encontrada por ela no lugar que o marido de sua falecida irmã escolheu para viver. “Traduza uma página qualquer”, diz Yírmi sobre o livro de Jeremias, “um trecho qualquer, ao acaso, e a violência fica visível num instante.  Uma profecia de destruição, com muito prazer.  Tragédia e morte e canibalismo.” O Deus judaico, descreve o personagem, não age por justiça, mas por ciúme e poder.
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Trata-se de um ódio ancestral que, para A.B.  Yehoshua, nenhum israelita ou palestino poderá resolver. “Acredito que a paz está nas mãos das comunidades internacionais”, afirma o escritor. “Todos sabem a solução: a paz terá de ser imposta.  Estamos como crianças, batendo pés. É preciso que os pais digam: ‘Basta, vocês não terão dinheiro nem apoio se não fizerem da maneira que diremos que tem de ser feito’.”

A coluna Babel da semana (passada)

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[Publicado no Sabático de 17/7]
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BABEL
Raquel Cozer – raquel.cozer@grupoestado.com.br – O Estado de S.Paulo

Jovem editora carioca aposta no Leste Europeu
A jovem editora Tinta Negra – lançada neste ano e cujo catálogo conta com apenas oito títulos, sete deles nacionais – faz uma aposta agora em obras doLeste Europeu premiadas e elogiadas em vários países, mas cujos autores são pouco ou nada conhecidos por aqui.  O investimento engloba textos clássicos e contemporâneos, de ficção e não-ficção e HQs.  Entre os previstos para sair em 2010 está Máfia, reportagem sobre os bastidores do crime organizado italiano realizada pela alemã Petra Reski.  Ainda sem título em português, Bieguni (Runners) apresentará ao público brasileiro a polonesa Olga Tokarczuk, três vezes vencedora em seu país do Prêmio Nike de Literatura. Nos quadrinhos, a aposta é no designer e escritor alemão Flix, autor da premiada graphic novel de reportagem Da War Mal Was (o título provisório em português é Quando Tinha um Muro…  Lembranças Daqui e de Lá).  O autor, de 34 anos, virá ao País neste ano a convite do Goethe-Institut, para uma série de eventos, mas o livro sai por aqui só no começo do ano que vem.
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INTERNET
Aulas com Faulkner
De 1957 a 1958, já detentor do Nobel de Literatura (1949), William Faulkner foi escritor-residente da Universidade de Virgínia, nos EUA.  Pouquíssimos alunos tiveram chance de assistir às suas palestras e leituras. Recém-digitalizadas, as sessões agora podem ser ouvidas em faulkner.lib.virginia.edu.
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O site inclui textos e cartoons (acima) de publicações locais no período, além de fotos e cartas.  Numa delas, o criador de O Som e a Fúria responde ao convite para falar aos alunos: “Meu primeiro pensamento foi que eu era só um escritor-residente, não um palestrante-residente, (…) mas talvez seja meu dever (…) tentar dizer algo válido.”
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CINEMA 1
Filho multimídia
Um mês após o anúncio de sua adaptação teatral, O Filho Eterno, romance nacional mais premiado de 2008, teve os direitos comprados para o cinema.  A obra de Cristovão Tezza será adaptada pela RT Features.
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CINEMA 2
Vida eterna
Para quem acredita que a onda de livros de vampiros vai amainar, indícios recentes provam o contrário: a Terra dos Vampiros, lançado pela Planeta, será adaptada para as telas por John Carpenter, diretor de filmes de terror
cult como Halloween (1978).  O papel principal será de Hilary Swank.
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E outro que ainda nem saiu por aqui, A Passagem, de Justin Cronin, teve os direitos comprados pela Fox, que deixou o roteiro aos cuidados de John Logan (Oscar por O Gladiador).  O título abre uma trilogia que a Sextante põe nas
livrarias a partir de agosto.
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JUVENIL
Ao redor do mundo
Adriana Lisboa assinará os textos de A Volta ao Mundo em 190 Histórias, coletânea da Rocco organizada por Celina Portocarrero.  A série, para o público juvenil, recuperará lendas de todo o mundo.  O primeiro título, previsto para janeiro, será dedicado à África.  Depois, virão Europa, Ásia e Américas.
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A autora acaba de entregar à editora os originais de Azul-Corvo, romance adulto que parte de pesquisa sobre a Guerrilha do Araguaia para narrar a trajetória de um ex-combatente que se torna imigrante nos EUA.
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REVISTA
Número cinco
A quinta edição da quadrimestral serrote, que sairia neste mês, ficou para agosto, por conta da Flip.  Destaca-se a série de ilustrações da israelense Maira Kalman, autora de livros infantis e capista da New Yorker.  Os desenhos foram feitos para edição especial do clássico manual The Elements of Style, à exceção de um serrote desenhado especialmente para a publicação do Instituto Moreira Salles.
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QUADRINHOS
Filosofia pop
A Desiderata garantiu os direitos da graphic novel Nietzsche – Se Créer Liberté.  Com texto de Michel Onfray e arte de Maximilien Le Roy, a biografia vem sendo considerada na Europa a melhor HQ do ano.

Enfim, algo a dizer

Confesso que quando soube, meses atrás, que a Flip teria mesa sobre o futuro do livro tive vontade de parar o que estava fazendo e tirar uma soneca.  O problema é que, no Brasil, fala-se muito mais sobre o tema do que se vê algum avanço, e não será uma mera falta de assunto que impedirá um repórter de escrever um lide.

Daí que foi uma boa surpresa conversar com um dos integrantes da mesa sobre o tema  na Flip (junto com Robert Darnton), o CEO da Penguin, John Makinson, por conta da parceria da editora com a Companhia das Letras (sobre a qual falo aqui e aqui, em reportagem publicada ontem no Caderno 2). Por uma razão simples: ao contrário da maior parte das pessoas que discorrem sobre o assunto no Brasil, ele fala com conhecimento de causa, já que a Penguin tem trabalho forte nesse sentido.

Agora, relendo a entrevista, faço um mea culpa. Durante a conversa a questão não me ocorreu, mas agora ela esperneia na minha frente.

A ideia do conteúdo extra como diferencial para um e-book sobreviver à pirataria de livros não lembra algo que você tenha ouvido antes? Não lembra aquele discurso do mercado cinematográfico de que “um DVD pirata não tem os extras que existem no oficial”? Não posso dizer que acompanhe de perto o mercado de DVDs, mas a gente tem uma ideia. Ou, se não, dá pra ter uma noção do capítulo seguinte lendo esta reportagem que a Ana Paula Sousa fez para a Ilustrada meses atrás.

Mas, enfim. A gente pode até desconfiar do futuro no caso dos livros. Mas, como ninguém está aqui para mãe Diná, vale ouvir quem faz o negócio funcionar hoje.

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[entrevista publicada no Caderno 2 de 16/7]

O desafio é tornar a leitura interessante nos E-BOOKS’

John Makinson, que estará na Flip, fala das apostas bem-sucedidas da editora em e-books e das possibilidades do mercado

Raquel Cozer – O Estado de S. Paulo

Uma exigência da Penguin na parceria com a Companhia das Letras foi que todos os livros da coleção Clássicos também saíssem no formato digital. Por quê?

Nos EUA, o mercado de e-readers vem crescendo rapidamente. Em pouco tempo, eles se tornaram plataformas atraentes para o leitor. No Brasil, as opções de leitores eletrônicos em celulares ou tablets ainda são incipientes, mas aposto que em poucos anos haverá um mercado significativo. Essa é uma razão. Outra razão foi entendermos que é possível oferecer bom material extra na literatura em formato digital. Por exemplo, se você pega Jane Austen, Orgulho e Preconceito, pode enriquecer o conteúdo digital com descrições de características do período, informações históricas sobre lugares onde os fatos se passam, trabalhos críticos. Tenho confiança na ideia de testar limites editoriais e acho que o Brasil logo terá mercado para isso. Você, que vê esse mercado de perto, o que acha?

O que me chama a atenção é o receio que editores têm de apostar nesse mercado. Tivemos em São Paulo um congresso sobre livro digital, e era dúvida recorrente a questão dos lucros. É possível lucrar com e-books?

Sim, claro que sim, porque o e-book não exige nada de manufatura, não exige investimento em distribuição e estoque. Você ainda tem o investimento, é claro, na edição, na divulgação do livro, mas não há custos físicos. Então a questão é: você pode determinar o preço do livro de forma que o consumidor fique satisfeito, e também o editor? Essa é uma das questões sobre as quais vou falar na Flip.

Já é lucrativo para a Penguin?

Sim, claro. Por que não seria?

Devido à pirataria, por exemplo.

Sim, isso é um fato. Mas no mercado do livro não tem sido como foi no da música. Há várias diferenças. Uma é que a psicologia do consumidor é outra. Na música, é interessante para jovens ter enorme quantidade de faixas no iPod, milhares delas. Não é cool ter milhares de livros no e-reader, porque ninguém conseguirá lê-los. Isso é um ponto. Outro ponto é que a indústria da música descobriu que o consumidor não queria comprar o álbum, e sim a faixa. Então o modelo desenvolvido por muito tempo não era o ideal. Não é o caso do livro. Não temos evidência de que as pessoas estejam interessadas em comprar capítulos, elas querem o livro. E, em terceiro lugar, as pessoas têm relação sentimental com o livro. Uma coisa importante na Penguin é a certeza de que os livros sejam bonitos para que as pessoas queiram ter e colecionar.

Mas na música também havia relação sentimental com álbuns. Será que as novas gerações terão essa relação com os livros?

Não sei! Creio que sim. Acho que há algo duradouro na relação sentimental com o livro. Nos EUA a oportunidade para pirataria e infração de direitos autorais já existe há muitos anos, há muitos sites de upload de conteúdo de livros. Não digo que não seja um problema. É um problema, mas não é “o” grande problema como na música. As vendas na Penguin continuam bem. Não estamos encolhendo, estamos crescendo.

Qual a parcela de livros da Penguin vendida no formato digital?

Os e-books chegam a 10% das nossas vendas. O que percebemos foi que há livros mais adequados para o formato digital que outros. Não são categorias totalmente consistentes, mas um novo best-seller, por exemplo, tem mais potencial para conteúdo extra na versão digital que um clássico, já que o próprio autor pode produzir esse conteúdo. O que é interessante é tentar entender o que o consumidor não compra quando compra o e-books, se deixa de comprar o livro hardcover (de capa dura, em geral a primeira edição de livros nos EUA) ou o paperback (tipo brochura).

Você foi citado no ranking dos nomes mais importantes da mídia em 2010 segundo o MediaGuardian por ações no mercado digital. Quais os próximos passos da Penguin nesse sentido?

O interessante desse ranking foi o argumento de que estamos redefinindo a indústria do livro. Alguns dos aplicativos que estamos desenvolvendo serão bem diferentes de tudo o que fizemos até agora. A maneira como apresentamos informações de viagem no iPad, ou como fazemos livros ilustrados para criança virem à vida, ou ainda como envolvemos redes sociais e comunidades de um jeito novo no mercado para adolescente. Isso tudo é muito novo e requer novas habilidades de editores. Significa que temos de entender novas tecnologias, novos critérios para determinar preços, temos de ser criativos na maneira de pensar no leitor. Não diminuo as questões que você levantou, a pirataria, a preocupação com lucro, são questões sérias. Mas, acima de tudo, estamos muito otimistas.

A digitalização de clássicos que o Google promove pode prejudicar as vendas da Penguin?

Bem, você pode obter no Google os clássicos em domínio público, mas, se fizer isso, a experiência de leitura não será atraente. Eles digitalizam e escaneiam manuscritos originais, e estes são os velhos, difíceis de ler. Mas eles no Google são espertos, logo darão jeito de melhorar isso. Com isso, nos desafiam a pensar em como tornar os Clássicos da Penguin realmente atraentes por seus preços. A questão é: o que você compra quando compra nossos clássicos é design, introduções, qualidade de tradução, notas de rodapé. Devemos deixar claro para o leitor o que temos de diferente, porque estamos propondo que comprem por uma quantia razoável de dinheiro algo que podem conseguir de graça. É um desafio interessante.