Crise diplomática

Lembro que, em 2008 ou 2009, quando o Lula chamou o embaixador brasileiro em Quito para consultas, em resposta àquele quiprocó envolvendo Equador e BNDES, eu, do alto da minha ignorância diplomática, não fazia ideia de que “convocar para consultas” era tipo um tapa sem luva de pelica no manual de etiqueta internacional.

Mas ao menos sei reconhecer uma crise diplomática no mercado editorial quando ela grita na minha frente. Deu ontem no NYT: a Amazon retirou de seu site os livros da Macmillan Books, uma das maiores editoras dos EUA, por conta da briga sobre o preço de e-books. O imbróglio vem de outras estações e é um dos fatores que atrasa a entrada de editoras brasileiras na Amazon. As companhias querem estipular o valor para venda (a Macmillan, como outras, queria aumentar os mais baratos de US$ 9,99 para US$ 15), a Amazon acha que isso é prerrogativa dela.

O site informa que é uma decisão temporária (uma espécie de “chamar para consulta”), mas a postura é agressiva – na dúvida, tirou não só os e-books, mas também os livros físicos da Macmillan. Após a matéria do NYT, o CEO da editora enviou uma carta a autores, ilustradores e agentes na qual lamenta o impasse e diz ainda apostar na parceria com a Amazon. Diz ele:

Nesta última quinta-feira tive um encontro com a Amazon em Seattle. Mostrei a eles nossa proposta de novos termos de venda para e-books sob o modelo que entrará em vigor no começo de março. Disse a eles que poderiam continuar com seus velhos termos de venda, mas que isso poderia envolver janelas maiores de livros. Quando cheguei em Nova York, eles me informaram de que estavam tirando todos os nossos títulos do site da Kindle e da Amazon. Estes continuarão disponíveis apenas em vendas feitas por terceiros.

Wolf Hall, de Hilary Mantel, à venda apenas por terceiros; o nome da editora nem aparece

Não é o melhor dos momentos para se comprar essa briga. A Macmillan está entre as editoras que fecharam com a Apple para vender títulos na iBookstore do iPad. A Apple dará mais liberdade às companhias para definir preços dos e-books – estes estarão ligados aos dos livros impressos, numa fórmula que resultará em valores entre US$ 13 e US$ 15. Ou seja, quando se anuncia seu primeiro grande concorrente, a Amazon mantém a aposta pesada nos e-books mais baratos para continuar ganhando mercado. Mas dá pra ganhar mercado perdendo editoras?

Entre os títulos da Macmillan estão o vencedor do Booker Prize Wolf Hall, de Hilary Mantel (que sai no Brasil, acho que com o mesmo nome, neste ano pela Record), The Appointment, da Nobel de Literatura de 2009, Herta Müller (publicado pela ed. Globo como O Compromisso), e 2666, de Roberto Bolaño (que chega também neste ano pela Companhia das Letras).

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Update às 13h de 01/02/10

Ontem mesmo, no final da noite, a Amazon mandou o embaixador de volta para Quito. Digo, informou que capitulava e aceitava os termos da Macmillan.