Até lá

Só para ninguém dizer que menti quando disse que eu voltaria ao blog ainda antes do Réveillon, volto aqui para dizer que volto mesmo só no ano que vem. É que meu post com novidades do mercado para os próximos meses foi ficando tããão grande que achei que só caberia num outro ano. 😉

Por este ano é só, pessoal. Bom trabalho para quem trabalha por estes dias, bom descanso para quem descansa e um 2011 sensacional para todos nós. Um brinde a ele.

Pausa para o Natal

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É mentira que farei uma grande pausa no Natal. Não ficarei mais tempo sem escrever do que costumo ficar normalmente. No Réveillon vou dar uma pausa de uns quatro, cinco dias, isso é fato, mas antes disso ainda volto aqui, até porque o plantão me obrigará a isso. Só quis roubar a ideia do ilustrador Frank Chimero, que usou no contexto de pausa para os feriados esta página da graphic novel Retalhos, do Craig Thompson.

"José Lezama Lima nunca foi um escritor de multidões"

No último domingo, dia 19, completaram-se cem anos do nascimento de José Lezama Lima (1910-1976), poeta e escritor cubano que influenciou gerações de autores latino-americanos. Escrevi para o Sabático de 18/12 o texto abaixo, buscando saber como é esse legado hoje em Cuba.

Durante a apuração, me chamou a atenção o fato de ser tão difícil encontrar livros dele no Brasil, fato que também abordei na reportagem. E só depois da publicação dela (e graças a isso) fiquei sabendo de uma novidade bem bacana, que conto mais pra frente por aqui.

Abaixo, o poeta no traço de Juan David, em caricatura de 1954.

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Nome que marcou toda uma geração


Fora de catálogo no mercado brasileiro, o cubano foi central para iniciantes de sua terra natal, nos anos 80

Raquel Cozer – O Estado de S.Paulo

É simbólico que, numa busca por livros de José Lezama Lima pelas principais livrarias online do Brasil, os únicos exemplares disponíveis sejam importados. Editado em pequenas doses por aqui a partir da década de 80 – quando sua obra foi liberada também em Cuba, após as dificuldades inicialmente impostas pela Revolução -, o autor desapareceu das prateleiras nacionais sem chamar a atenção. O mais importante título, Paradiso, saiu em 1987, pela Brasiliense, que no ano seguinte pôs nas livrarias os ensaios de A Expressão Americana. Em 1993, foi a vez do volume de contos Fugados (Iluminuras) e, em 1996, de A Dignidade da Poesia (Ática), ambos vertidos por Josely Vianna Baptista, tradutora também de Paradiso.

“Lezama nunca foi um escritor de multidões”, resume a professora Irlemar Chiampi, que verteu A Expressão Americana. “Ele é um escritor que influencia outros escritores, que vai às profundezas das referências culturais e poéticas da palavra.” Não à toa, um de seus maiores entusiastas em território nacional foi Haroldo de Campos, o “mais barroco” dos concretistas – e que, em carta a Octavio Paz, em 12 de julho de 1978, chegou a anunciar um projeto, nunca levado a cabo, de um livro dedicado ao cubano.

Há cinco anos na Alemanha, como residente do Programa de Escritores no Exílio do P.E.N. Center, o cubano Amir Valle, de 43 anos, hoje “se atreve a assegurar” que a obra de Lezama é mais conhecida fora de Cuba do que na ilha. “Em todos os países que visitei, me chamou a atenção ver como escritores e acadêmicos mencionam apenas cinco nomes quando se trata de clássicos cubanos: Reinaldo Arenas, Cabrera Infante, Virgilio Piñera, Alejo Carpentier e Lezama Lima.” Valle coloca os três últimos como os mais comentados ainda hoje entre os jovens de sua terra natal, mas faz a ressalva: “Para ser franco, Lezama influenciou um grupo muito pequeno de escritores cubanos. Posso dizer que há mais autores que apenas dizem tê-lo lido do que aqueles que de fato o leram.” Nos anos 90, conta o autor, chegou a ser moda na ilha escrever num estilo “lezamiano, enredado”. “Por sorte, isso durou pouco. De todo modo, ele segue sendo lido. É um clássico de nossas letras e isso faz dele leitura imprescindível.”

Valle faz parte de uma geração que, quando começou a escrever, no início da década de 80, já tinha acesso a livros de Lezama, um dos autores que mais haviam sofrido as intolerâncias iniciais da revolução. “Hoje se tenta esconder uma verdade: Lezama foi marginalizado e censurado por um governo que o acusou de não integrado, de autor de elite, mas também por escritores que depois foram para o exílio. A revolução não pôde esmagá-lo porque já era respeitado no mundo todo, mas o cercou de muitas maneiras”, conta. Depois de sua morte, em 1976, o governo promoveu uma espécie de resgate de sua figura, mas “reescrevendo a história triste de um homem que nunca quis se exilar e morreu no ostracismo”. É uma versão cheia de “buracos negros”, segundo Valle. “Durante os anos 80, nos quiseram enfiar Lezama por todo lado, reeditaram seus livros, permitiram a publicação de ensaios sobre sua obra – desde que não se fizesse referência à censura que ela havia sofrido. Isso marcou muito os escritores de nossa geração.”

Diretor da editora Letras Cubanas, o poeta Rogelio Riverón, de 46 anos, foi um desses autores que conheceu Lezama ao mesmo tempo em que descobriu a literatura. “A obra dele não podia ser ignorada nem por aqueles que tentavam fazer isso”, recorda. Por ocasião do centenário de nascimento do poeta, a casa dirigida por Riverón ficou responsável pela publicação das Obras Completas do veterano, além de uma antologia com imagens inéditas. A efeméride levou ainda a União de Escritores e Artistas de Cuba (Uneac) a realizar, desde fevereiro até o fim deste ano, palestras, lançamentos de livros e exibições de filmes.

Livros no Natal?

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Achei o vídeo acima no Book Bench, o blog de livros da New Yorker, sob a chamada “Como fazer seu filho extremamente infeliz neste feriado”. Uma das reações mais incríveis que vi nos últimos tempos – por favor, se você ficou com preguiça de clicar para ver, como eu vivo ficando, volte lá e clique no play.

Como o vídeo já foi visto mais de 250 mil vezes desde o ano passado, quando o pai do menino o postou no YouTube, fiquei curiosa em ler os comentários indignados de pessoas mais velhas sobre a relação das novas gerações com livros. E vi que não há nenhum. Deve ter sido uma enxurrada. O pai foi lá e deletou todos, fechou a caixa de comentários e fez o justo mea culpa a seguir:

“Depois de abrir um monte de brinquedos, meu filho de 3 anos deparou com um embrulho com livros. Era seu primeiro Natal ‘de verdade’, e, deixe-me repetir, ele tinha só três anos! Estava começando a absorver o conceito de toda essa coisa de ganhar presentes. Acho que muito da culpa foi minha, da mídia, dos comerciais de TV que passam a ideia que você só recebe brinquedos de Natal. Para ele, livros têm a ver com o tempo de diversão que passamos lendo (não menos que três) antes de ele ir para a cama. Deixe-me esclarecer: ele ama livros. Ficou impressionado após  abrir tantos presentes e se sentiu ‘enganado’ ao abrir os livros. E o fato de rirmos de sua reação inicial o estimulou a continuar.”

Fiquei me perguntando se ele ganhará livros neste Natal…

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Update em 23/12: Achei simpático colocar por aqui a legenda em português:

Filho: Livros?
Pai: É!
Filho: Livros de Natal? O que vocês fizeram?? Eu não ganho livros, isso não são brinquedos, são livros! Eu não ganho livros de Natal!
Mãe (rindo): Você não ganha livros de Natal?
Filho: Não, eu odeio isso!
Mãe: Você odeia livros de Natal?
Filho: Sim. Cocô! (percebendo que está fazendo graça) Eu disse cocô! (Anda até os outros presentes. Atente para a mãozinha na cintura e a outra apontando os embrulhos) Para que são esses? Para que servem esses?
Pai: Não acho que esses sejam livros…

Por favor, onde acho novos romances paranormais para adolescentes?

Houve um tempo em que livros infantis e juvenis dividiam espaço nas prateleiras de livrarias. Com o boom desses dois segmentos no mundo todo, corre o risco de logo logo vermos por aqui seções como essas, que Richard Kim, editor sênior do The Nation, flagrou numa Barnes & Noble.

Vi no bom e velho Boing Boing.

Só a Realidade

[Publicado no Caderno 2 de 20/12]

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Histórias da Realidade quatro décadas depois


José Carlos Marão e José Hamilton Ribeiro reúnem texto da revista em livro

Raquel Cozer – O Estado de S.Paulo

Convencer um coronel do Nordeste a receber a revista Realidade para um perfil, em pleno 1966, não era tarefa fácil. Só depois da intervenção de “embaixadores”, como recorda o jornalista José Hamilton Ribeiro, o velho Chico Heráclio aceitou abrir seu gabinete – ou melhor, a varanda de sua casa, em Limoeiro, no Agreste pernambucano. E a dúvida deixou para tirar no último dia: teria de pagar pela reportagem? Ficou inquieto ao saber que não. Era indício conclusivo de que não controlaria o resultado.

Esses bastidores da apuração que abasteceu o texto “Coronel não morre”, publicado na edição de novembro daquele ano, são contados agora no livro Realidade Re-vista (Realejo), de José Hamilton e José Carlos Marão. Além dessa, outras 25 reportagens aparecem reunidas, acrescidas de contextualizações e detalhes que não podiam ser revelados à época, mas que diziam muito sobre aquele período – nas informações que acompanham a outra reportagem política do volume, por exemplo, ficamos sabendo que um então jovem e promissor Íris Rezende, prefeito de Goiânia, também teve preocupações quanto à viabilidade financeira da publicação de seu perfil.

Objeto de estudos por décadas, a Realidade circulou de 1966 a 1976, com fases bem distintas, depois que desandou a tentativa da Editora Abril de criar uma revista semanal de atualidades que pudesse ser encartada em jornais. O projeto que começou a se desenhar então era mais complexo. Trataria-se de uma publicação mensal que desse conta de assuntos do momento em áreas como política, saúde e comportamento. O desafio era, sem perder a atualidade, abordar fatos do mês, já antes dissecados pelos jornais diários e pelas revistas semanais. Assim, como exemplifica Marão num dos textos de apresentação do volume, a morte do papa poderia ser mote para uma investigação sobre a sucessão na Igreja e a política entre os cardeais.

Havia também o regime militar em andamento, mas naqueles primeiros anos isso ainda não se mostrava grande empecilho. “Em 1966, 1967, a censura era mais um exercício de cautela da equipe, digamos assim, porque sabíamos que a coisa não estava fácil. Em vez de tomar posições ostensivas, buscávamos nos expressar pela ironia”, lembra Marão, hoje diretor do Observatório da Imprensa, e que tinha 25 anos ao se juntar a José Hamilton, alguns anos mais velho, na equipe que reunia apenas jovens de até 30 anos, como Paulo Patarra, Luiz Fernando Mercadante e Mylton Severiano da Silva.

Novo jornalismo. O efeito da mistura de jovens jornalistas com um formato que eles mesmos não sabiam qual poderia ser teve resultados explosivos. A primeira edição alcançou os 250 mil exemplares vendidos, número que quatro meses depois já havia subido para 450 mil. “Há uma série de análises e estudos sobre o que a revista representou, o que influenciou o formato, mas tudo surgiu da nossa cabeça. Há quem diga que seguimos o new journalism. O que sabíamos era que estávamos fazendo uma revista mensal que tinha de lidar com tendências e ter um texto que atraísse o leitor. A Realidade veio preencher um espaço”, diz Marão, que hoje coloca as revistas Brasileiros e piauí entre as que mais se assemelham ao jornalismo feito na publicação. “A Realidade oferecia aos repórteres todo o tempo e investimento necessário para investigar uma história, algo raro nos dias de hoje.”

“Pobre menina Miss”, o texto cujo fac-símile ilustra esta página, é um exemplo. Para mostrar os bastidores dos concursos de beleza, Marão hospedou-se no hotel onde se concentravam as misses e passou dias por lá sem se identificar como jornalista, de modo a poder circular em paz. A reportagem foi publicada em agosto de 1966. Cinco edições depois, um especial sobre a mulher brasileira teve a apreensão das bancas determinada pela Justiça.

A justificativa da sentença deixa claro quanto eram provocativas aquelas reportagens que, lidas hoje, em alguns casos não dão a dimensão de serem mais que textos bem apurados e escritos com esmero: “O exame dos artigos reunidos (…) revela, às claras, o objetivo da revista: ampliar a liberdade sexual e reduzir o casamento a “algo secundário e dispensável, senão desprezível””, argumentaram os juízes.

Mas também há exemplos em que a provocação é explícita mesmo para dias atuais. Em artigo sobre as abordagens da revista relativas ao preconceito na sociedade, José Hamilton Ribeiro conta como tentou, com a ajuda da ciência, “ficar preto” para vivenciar na pele a sensação. Após tentativas frustradas de pretejar por meio de injeções e mergulhos em substâncias que pigmentassem sua pele, concluiu que não havia tecnologia, àquela altura, para realizar a investigação no Brasil. A solução foi enviar o editor de texto Sérgio de Souza, moreno de cabelo encaracolado que não chegava a ser considerado negro por aqui, mas que facilmente seria visto como um nos EUA, para relatar a experiência.



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Período áureo foi da criação até 1968

Embora tenha durado até 1976, a revista Realidade teve seu período áureo, na avaliação do jornalista José Carlos Marão, no triênio que se estendeu de seu número de estreia, em 1966, até 1968. As limitações impostas pelo Ato Institucional n.º 5, em dezembro daquele ano, e brigas internas que culminaram com pedidos de demissão de quase todos os nomes da equipe inicial, na mesma época, foram as responsáveis pela interrupção daquele bom momento inicial.

Marão, assim como José Hamilton Ribeiro, Luiz Fernando Mercadante e outros, acabariam voltando em meados de 1969, para a segunda fase. “Até tentamos recuperar aquele primeiro momento, mas o entusiasmo já não era o mesmo”, lamenta Marão. O terceiro e último momento foi marcado por uma mudança mais radical, quando a editora optou pela redução do tamanho da publicação e pela implantação de um modelo editorial no estilo da Seleções, do Readers Digest.

A ideia inicial de Marão era reunir apenas textos daquela primeira fase, mas José Hamilton fez questão de duas reportagens que assinou no segundo momento, “Qual é o seu mundo, Chico Xavier?”, de novembro de 1971, e “Chico põe nossa música na linha”, de fevereiro de 1972, um bate-papo dele com Chico Buarque (assinado também pelo músico). Além de escritos dos dois jornalistas, há alguns poucos de colegas dos três primeiros anos de Redação: Narciso Kalili (“Revolução na igreja”, de outubro de 1966), Sergio de Souza (“Eu vivi o racismo nos EUA”, de setembro de 1968), Eurico Andrade (“A cidade vai comer”, de dezembro de 1967) e Paulo Patarra (“Ninguém manda nestas crianças”, de janeiro de 1968).

Tema de inúmeras dissertações (Marão destaca como a melhor a de Adalberto Leister Filho), a revista Realidade também já foi lembrada por outros antigos repórteres, como Carlos Azevedo, em Cicatriz de Reportagem, e Luiz Fernando Mercadante, em 20 Perfis e Uma Entrevista.

A coluna da semana

[publicado no Sabático de 18/12]

Incluí ao pé da nota uma seleção incrível de fotos do chamado Mad Day Out dos Beatles, a série mencionada no texto de abertura. Dá pra ver outras vasculhando no Google Images.

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BABEL

Raquel Cozer – raquel.cozer@grupoestado.com.br – O Estado de S.Paulo

MÚSICA
Livro com fotos inéditas registra um dia na vida dos Beatles em 1968

Um dia, em 1968, o fotógrafo de guerra Don McCullin recebeu uma ligação que parecia trote. Era Paul McCartney, perguntando se aceitaria passar um dia com os Beatles, que estavam cansados do olhar viciado dos fotógrafos do meio artístico. “Eles devolveriam negativos e eu manteria os direitos autorais”, descreve McCullin no recente A Day In The Life of the Beatles, que em maio sairá pela Cosac Naify. Uma das imagens divulgadas virou capa da Life, mas a maioria permaneceu inédita. Em cerca de 80 fotos, os Fab Four aparecem rindo, dançando e fazendo palhaçadas em Londres. Feitas em 29 de julho, quatro meses antes do White Album, não dão sinal de um grupo que ameaçava acabar.

REPORTAGEM
Desastres aéreos

O carioca Ivan Sant”Anna acaba de entregar à Objetiva os originais de Perda Total, minuciosa reportagem sobre três desastres aéreos das últimas décadas: a queda do Fokker 100 da TAM, em 1996; a colisão entre o Boeing da Gol e o Legacy, em 2006; e o acidente do Airbus da TAM em Congonhas, em 2007. O título está previsto para junho.

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Piloto amador, o romancista foi bastante consultado pela imprensa por ocasião dos dois últimos acidentes, já que, em 2001, lançara com sucesso Caixa Preta, sobre outras três histórias trágicas de voos no País.

HISTORIOGRAFIA
Clássicos e inéditos

Recém-lançado pela PUC-RS, Considerações Sobre as Causas da Grandeza dos Romanos e Sua Decadência, de Montesquieu, é só o primeiro de 12 clássicos da historiografia moderna nunca antes traduzidos e que integrarão a nova coleção Monumenta. Entre outros, estão Ensaios Sobre os Costumes, de Voltaire, História das Mulheres na Revolução, de Michelet, e História de Roma, de Theodor Mommsen, Nobel de Literatura de 1902.

CINEMA
Anos vermelhos

Los Anos Rojos de Luis Buñuel, biografia da juventude do cineasta, sairá no fim de 2011 pela Tinta Negra. Muito comentada na Espanha, a obra de Román Gubern e P. Hammond confirma que, ao contrário do que dizia, Buñuel filiou-se ao Partido Comunista Espanhol em 1931, chegando a se pôr a serviço do violento stalinismo soviético.

INTERNET
Depois do Facebook, o blog

Duas semanas após transferir todo o conteúdo de seu site para o Facebook (quem entra nele é redirecionado a http://www.facebook.com/EditoraIntrinseca), a Intrínseca estreia blog, com notas e reportagens, na página http://www.intrinseca.com.br/site. A casa afirma que ainda assim o Facebook será o maior canal junto ao leitor. No caso da Companhia das Letras e da Cosac Naify, que também têm blog, é ele que cumpre esse papel, e não o site.

TELEVISÃO
O livro que inspirou Mad Men

A Record lança em março uma obra que inspirou Mad Men, sucesso de 2007 atualmente na quarta temporada na TV. De 1971, o livro ficou esquecido até nos EUA, embora o autor, Jerry Della Femina, tenha sido consultor do programa. Lá, o guia sobre a vida na Madison Avenue dos anos 60, chamado From Those Wonderful Folks Who Gave You Pearl Harbor, só foi reeditado agora em julho. No Brasil, sairá com nome da série.

DEFINIÇÕES
Agir e Nova Fronteira em 2011

Em 2011, os selos do Grupo Ediouro estarão enfim com formatos definidos. A Agir será uma “porta de entrada”, com ficção comercial, juvenis, livros de gastronomia e negócios – uma aposta será o segundo romance de Ana Maria Braga, em maio. A Nova Fronteira fica com a alta literatura, com destaque, em março, para o novo livro de Rubem Fonseca, que deixa de sair pela Agir.

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Galeria do sono

Pausa para soneca na biblioteca.

Tirei daqui.

Austen sem fim

A homenagem do dia no Google britânico vai para Jane Austen, que celebraria hoje 235 anos se… bem, se fosse um zumbi, como gostaria a já famosa paródia de Orgulho e Preconceito.


Vi no Guardian de hoje, que cita ainda uma polêmica recente que me tinha passado despercebida.

Em outubro, a professora de Oxford Kathryn Sutherland acusou Jane Austen de dever seu estilo elegante ao editor William Gifford. Segundo a pesquisadora, Austen tinha uma pontuação “muito mais desleixada, mais parecida com o tipo de coisa que nossos alunos fazer e nós lhes pedimos para não fazerem”.

A leitura de manuscritos também a fez descobrir coisas curiosas como o fato de a autora usar “letras maiúsculas e sublinhado para enfatizar as palavras que achava importantes, de maneira a nos levar mais perto da voz falada. Sua retirada tornou o texto mais gramatical e sofisticado”. Taí, seria curioso ver um romance com trechos sublinhados como estratégia de ênfase do autor.

Sutherland termina elogiando aos montes a escritora, nada disposta a comprar essa briga bicentenária. Mas, pesquisando para este post, encontrei duas outras histórias que me chamaram a atenção.

A primeira foi o comentário da New Yorker sobre The Snark Handbook – Insult Edition, agora no início de dezembro. Entre várias críticas de escritores famosos a colegas igualmente celebrados, aparece um de Mark Twain a Austen: “Cada vez que leio Orgulho e Preconceito, fico com vontade de desenterrá-la e espancar a caveira dela com sua própria tíbia.”

A outra história foi o Bad Austen Award, premiação que publicará no ano que vem uma compilação dos piores textos de até 800 palavras escritos no estilo da autora, porque “é uma verdade universalmente reconhecida que um autor tão popular quanto Jane Austen deve ser imitado, ampliado e parodiado”.

Uma seleção de cenas já pode ser lida e receber votos no site.

Das vantagens do Kindle

Peguei daqui.

A coluna da semana

[Publicado no Sabático de 4/12]

BABEL

Raquel Cozer – raquel.cozer@grupoestado.com.br – O Estado de S.Paulo

QUADRINHOS
Tempo Perdido em versão abreviada

Em fevereiro, ficará mais fácil para quem nunca leu Em Busca do Tempo Perdido fingir que enfrentou as mais de 2 mil páginas dos sete tomos da obra de Marcel Proust: a Zahar lançará Um Amor de Swann – Parte 2, quinto volume da HQ que adapta o clássico. A série foi iniciada na França em 1998 por Stephane Heuet, que acredita ser capaz de terminar todos os volumes apenas em 2020. Ao ser lançada, a primeira HQ suscitou espanto (o Le Figaro estampou: “Proust assassinado!”) e elogios (do Le Monde e do Libération, entre outros). Por aqui, os primeiros títulos saíram entre 2003 e 2007. As cinco primeiras HQs têm juntas 284 páginas.

HUMOR
Manual do stand up

Segredos de um gênero cada vez mais disseminado no País, o stand up, virão à tona com a tradução de Comedy Writing Secrets, que sai pela Gryphus em 2o11. Publicada em 1987 e ampliada em 2005, a obra de Mel Helitzer e Mark A. Shatz inclui tiradas de mais de 100 nomes, de Woody Allen a Tina Fey, de Jerry Seinfeld a Chris Rock. E pode virar um perigo em alguma ambiciosa mão perto de você: inclui exercícios para aspirantes a comediantes treinarem talentos.

CORRESPONDÊNCIA
Entre Hermínio e Drummond

Cartas trocadas de 1964 a 1987 entre o poeta e letrista Hermínio Bello de Carvalho e Carlos Drummond de Andrade darão corpo a Áporo Itabirano: Epistolografia à Beira do Acaso, que a Imprensa Oficial do Estado de São Paulo publica no próximo semestre. O letrista destaca a “paciência” do veterano com o então “jovem sonhador” que ele era. “Ele me revelou o valor da palavra. Até hoje, aos 75, procuro ter com os jovens a mesma atenção que recebi de Drummond.”

ARTES PLÁSTICAS
Romagnolo em livro


A obra do artista plástico Sergio Romagnolo, destaque da Geração 80, que recebeu a maior retrospectiva de sua carreira no ano passado, no Instituto Tomie Ohtake, será reunida em livro. Sai no final de fevereiro pela WMF Martins Fontes. Além de dezenas de imagens, de criações como Bateria com Pantufa (2003, foto), o volume incluirá textos de Agnaldo Farias, Oswaldo Corrêa da Costa e do próprio artista.

PRÊMIO
Duas vezes Vila-Matas

Dublinesca, de Enrique Vila-Matas, venceu nesta semana o prêmio Jean Carrière, que abrange a produção de autores mediterrâneos. O romance, um elogio a James Joyce, saiu na Espanha em março e tinha previsão de chegar pela Cosac Naify em setembro, mas a tradução ficou para maio de 2011.

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No dia 17, o catalão recebe ainda o Prêmio Leteo, concedido na Espanha pelo conjunto da obra a figuras literárias importantes no cenário internacional, já tendo agraciado nomes como Martin Amis e Paul Auster.

DANTE
Tradução resgatada

A Ateliê Editorial põe nas livrarias em fevereiro a tradução de A Divina Comédia feita e anotada pelo italiano João Ziller, publicada originalmente em pequena tiragem em 1945, em Minas Gerais. O projeto gráfico será baseado no códice idealizado por Sandro Botticelli, numa ilustração impressa em sequência ao longo das páginas.

TRANSMÍDIA
Sangue na internet

A Aleph inicia em janeiro, em parceria com a Delicatessen Filmes, uma série de curta-metragens on-line baseada na saga Alma e Sangue, da maranhense Nazarethe Fonseca. Serão três episódios, com quatro minutos cada um – o teaser entra no ar hoje no site www.almaesangue.combr. Nazarethe começou a série de livros em 2001. O terceiro, Pacto dos Vampiros, saiu mês passado.

Clarice, Clarice

Quando meu editor pediu um texto sobre Clarice Lispector para a edição de hoje do Sabático, por conta da efeméride de 90 anos de nascimento dela (completados ontem), fiquei meio preocupada. Porque, Deus do céu, o que se pode dizer sobre Clarice que ainda não tenha sido dito? Daí que pensamos em falar desse legado investigando justamente o que tanto se escreve sobre a autora, ou melhor, o que se estuda sobre ela nos mestrados e doutorados da vida.

Lembrei que, nos períodos em que fiz disciplinas do mestrado da USP como aluna especial e especialização na PUC, vasculhei um monte os sites das universidades para chegar a alguma conclusão sobre dissertação (ainda não cheguei a nenhuma, taí um plano que ficou para o futuro). Nunca tive interesse em pesquisar Clarice, mas, na época, me impressionou o número de trabalhos que encontrei sobre ela.

Então nesta semana voltei no site da USP e contei as teses e dissertações sobre Clarice e outros autores nacionais (o site disponibiliza as desenvolvidas desde 1980). Mário de Andrade fica em primeiríssimo lugar, seguido de Clarice, Machado e Guimarães Rosa, mais ou menos empatados. E então fui ver com professores que já escreveram sobre a autora o que há de tão estudável assim no trabalho dela.

O resultado, aí embaixo, foi publicado no Sabático de hoje.

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Visões originais de Clarice Lispector

Variedade de olhares sobre a autora de Laços de Família e A Paixão Segundo G.H. – do filosófico ao psicanalítico, do feminista ao biográfico – a coloca entre os ficcionistas mais estudados do País

Raquel Cozer – O Estado de S. Paulo

Clarice Lispector estava internada no antigo Hospital do INPS da Lagoa, no Rio, quando a estudiosa de literatura Vilma Arêas lhe disse que achava o então recém-publicado A Hora da Estrela uma obra-prima. Clarice apenas resmungou em resposta: “Tanta gente está gostando desse livro que não pode prestar.” Ela morreria, com câncer, dias mais tarde, em 9 de dezembro de 1977, a um dia do seu aniversário de 57 anos. Se estivesse viva, teria completado ontem 90 anos.

Vilma acabou publicando, quase três décadas após aquele último encontro, um importante estudo sobre a produção literária da autora, Clarice Lispector com a Ponta dos Dedos (Companhia das Letras, 2005), partindo da análise de obras secundárias e rejeitadas pela criadora. Mas , professora da pós-graduação da Unicamp desde 1997, nunca quis orientar dissertação sobre a obra da ficcionista. Chegou inclusive a propor que seu departamento não aceitasse mais projetos relacionados a Clarice. “Hoje muita gente que pretende estudá-la nem a lê de fato, já chega para adorar. Acho esse endeusamento complicado. Ele diminui a obra, por mais paradoxal que isso pareça, porque a partir da adoração essa obra se torna invisível, se transforma numa questão de fé. Deixa de ser lida no sentido de possibilitar conhecimento”, avalia.

A sugestão radical de proibir estudos foi resposta a isso, embora Vilma não ignore a importância da busca por aspectos originais no trabalho de qualquer autor. “É claro que é necessário haver quem se interesse e quem escreva sobre uma obra. Desde que as dificuldades dessa obra não sejam rasuradas, nem os sentidos empobrecidos ou distorcidos.” O fato é que, tão pouco tempo depois de sua morte, Clarice está entre os autores que mais estimulam mestrandos e doutorandos a enfrentarem bancas no País. Uma análise da lista de dissertações e teses no site da USP permite a verificação: mais ou menos da geração de Clarice, o único autor quase tão pesquisado quanto ela é João Guimarães Rosa (1908-1967). Os outros escritores que mais suscitam estudos são Machado de Assis (1839-1908) e Mário de Andrade (1893-1945).

Nádia Gotlib, que está entre os maiores especialistas sobre a autora no Brasil, lembra que, no começo da década de 80, quando começou a dar aula na pós-graduação da USP, Clarice não atraía estudiosos. “A gente estudava muito Machado de Assis, José de Alencar, Graciliano Ramos. Foi ali em meados dos anos 80 que pesquisadores começaram a percebê-la de fato”, diz. Isso apesar de já desde o primeiro romance, Perto do Coração Selvagem (1943), a crítica especializada ter “acordado” para o texto dela.

Teorias. Fora da universidade, nas páginas do Suplemento Literário, do Estado, em 1965, foi o filósofo Benedito Nunes quem primeiro criou teoria envolvendo a produção de Clarice, articulando relação com o existencialismo. Esse olhar estimularia uma linha acadêmica forte até hoje, como lembra Jaime Ginzburg. “Outra linha que se consolidou foi de caráter estilístico, analisando a inovação formal, a fragmentação da linguagem, e buscando relações com escritores como James Joyce e Virginia Woolf”, diz o professor da USP, que orientou dissertação sobre Laços de Família (1960), defendida em 2007, e atualmente orienta duas relacionadas à autora. Em seguida, afirma, ganhou força a abordagem psicanalítica, na qual se destaca Yudith Rosenbaum. “Até hoje Clarice é muito lida pelos psicanalistas. Eles ficam extasiados diante da capacidade dela de perceber os mecanismos da ‘alma'”, diz Nádia.

Nos últimos 20 anos, apareceram com ênfase estudos de gênero, que partem do olhar feminino de Clarice; os judaicos, como os desenvolvidos por Berta Waldman (nascida na Ucrânia, a autora naturalizou-se brasileira depois que sua família, sofrendo com a perseguição aos judeus, emigrou para o País); e os biográficos, nos quais se destacam Nádia Gotlib e, fora do Brasil, o norte-americano Benjamin Moser, que em 2009 atraiu a atenção de países de todo o mundo para a autora com a publicação de Clarice, (Cosac Naify).

O professor da UFRJ João Camillo Penna vê essa variedade de linhas como o maior diferencial entre as teses e dissertações sobre a escritora e as elaboradas a respeito de Machado, Rosa ou Graciliano. “A importância das obras deles faz com que sejam inesgotáveis e sempre apresentem algum aspecto a ser explorado. Mas é interessante se perguntar sobre a diferença entre os estudos sobre eles e Clarice. Em que a série de abordagens relacionadas a ela se diferenciam dos grandes autores da literatura brasileira? Clarice é diferente porque nela a questão propriamente literária vem para segundo plano. Ela manifesta em sua obra uma consistente recusa do literário. O que é, sem dúvida, um artifício, uma maneira própria de fazer literatura. Isso repercute na fortuna crítica dela: os leitores procuram nela algo que se passa na literatura, mas não fica na literatura.

Empatia. Jaime Ginzburg define esse “algo” como empatia. “Os textos dela despertam um interesse afetivo que tem a ver com o alimento de certas demandas de individualidades. As verbalizações de Clarice sobre fobia, por exemplo, causam reconhecimento no leitor.” De certa maneira, é essa empatia que explica a adoração criticada por Vilma Arêas e que, como Ginzburg admite, leva muitos candidatos a mestrandos e doutorandos a apenas repisarem ideias em suas propostas. “Há pessoas que apresentam ideias que não são academicamente originais por não estudar pesquisas anteriores. Querem, por empatia, dizer coisas que já foram ditas”, afirma.

Mas Ginzburg é o primeiro a rejeitar a ideia de que exista um excesso de estudos sobre a autora em detrimento de outros nomes – se houver um doutor sobre Clarice em cada universidade pública, avalia, isso será positivo. Envolvido com pesquisa sobre a relação de Clarice com a ditadura, ele chegou a publicar numa revista da USP texto sobre uma carta dela ao ministro da Educação, em 1968, em defesa dos estudantes (sobre a relação de Clarice com a ditadura, Vilma lembra que o cartunista Henfil chegou a enterrá-la numa de suas tirinhas do Pasquim, algo que fazia com quem considerava reacionário). Ginzburg sugere alternativas ainda pouco abordadas pelos candidatos a estudiosos da autora: Clarice no contexto latino-americano; sua presença para a literatura africana de língua portuguesa; e, acima de tudo, sua herança para autores brasileiros vivos, entre os quais lista Marçal Aquino, Bernardo Carvalho, João Gilberto Noll e Silviano Santiago.

Não vá ficar sem presente

Não será por falta de ideia que aquele seu amigo de gosto peculiar ficará sem presente neste Natal. A Abebooks, uma livraria inglesa bem interessante que vende títulos novos ou usados apenas pela internet, incluiu entre suas seções (escolares, raros, primeiras edições etc) uma Sala do Livro Estranho. Ela entrou no ar no ano passado e está com 176 títulos no momento.

Why Do I Vomit: And Other Questions About Digestion by Angela Royston

A obra em destaque por esses dias é Por Que Eu Vomito, de Angela Royston. É uma espécie de guia superespecializado para ajudar pais a responderem perguntas difíceis dos filhos. No caso, considerando que a dúvida da criança seja sempre a questão-título, o livro arruma respostas simples para as mais variadas razões possíveis – bactéria, virose ou alternativas que eventualmente possam deixar os pais constrangidos.

Outros livros interessantes: Como Entender as Mulheres por Meio dos Seus Gatos (medo de imaginar o que a gata Whatever pode dizer sobre mim), 101 Utilidades para um Gato Morto (meu amigo Tocantins tem uma ótima história envolvendo uma paquera, um cadáver de gato e uma geladeira; deve ser algo comum, porque o título está esgotado), O Livro de Culinária do Heavy Metal, O Comportamento Social do Lagarto e Ensine Sua Mulher a Ser uma Viúva (também esgotado, mas imagino que não seja fácil contactar algum comprador).

O catálogo de livros estranhos está aqui, e você colaborar com sugestões.

Having fun

http://www.flickr.com/photos/evanmischelle/

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A Dani Arrais foi quem viu a imagem acima e disse que achou a cara do blog. Não sabe o quanto mandou de nostalgia junto. “Se divertir não é difícil quando você tem um cartão de biblioteca”, diz a mensagem, que perde boa parte do impacto em português. É que diversão, pra menina petropolitana míope e tímida que eu era na infância, vivia relacionada com as pequenas felicidades garantidas pelo cartão da biblioteca.

Tinha guardado na minha cabeça que a que eu frequentava em Petrópolis se chamava Biblioteca Alceu Amoroso Lima, como a de Pinheiros, aqui em São Paulo, não me perguntem por quê. Perdi bem uns minutos na internet até encontrar no Google Maps a praça em que ela fica, a Visconde de Mauá, e daí chegar ao nome certo: Centro de Cultura Raul de Leoni.

Memória nunca foi o meu forte.

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Encontrei em toda a rede apenas duas fotos solitárias do lugar. O resto, a parte de dentro, tentei recriar na cabeça, e enquanto isso fiquei pensando o que será que fizeram com as fichas antigas, dos meus tempos. Será que têm ainda todos os dados guardados por pura falta de alguém para mexer nos arquivos ou já digitalizaram tudo e jogaram fora a minha foto em preto e branco, de franjinha torta, dente encavalado e óculos de gatinha? (Ai.)

E de repente imaginei que não seria mal conhecer a cronologia das minhas leituras. Se os primeiros livros registrados com o número do meu cartão foram mesmo, conforme dita a lembrança, todos os da coleção do Monteiro Lobato, na sequência (“todos” é mentira. Naquela coleção de velhas páginas amarelas e capa verde dura, faltava o primeiro volume dos Os Doze Trabalhos de Hércules, única lacuna, que nunca preenchi). Ou se os Monteiros Lobatos vieram depois dos Pedros Bandeiras e dos Para Gostar de Ler. Ou se intercalava tudo com os Marcos Rey e com os Enrola e Desenrola, concorridíssimos também.

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Mas lembro que, muitos anos depois, alguns antes do vestibular – o cartão já esquecido por causa da bela concorrência da biblioteca adulta do meu pai -, implantamos ali nosso novo conceito de diversão. Era nos jardins bem em frente que, quando caía o sol, Jaque, Gi e eu, lá com nossos 15, 16 anos, parávamos para papear longe dos meninos. Sobre eles, naturalmente. E tomando cerveja em latinha, segredo bobo que não registrávamos em papel nenhum.

(A linda imagem lá no alto, que deu origem a este post, é da M I S C H E L L E).

Um reencontro com o passado

[Publicado no Sabático de 4/12]

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Foto Lucia Gardin.

Em Retorno 201, volume de textos escritos na juventude nos quais está a gênese de filmes como Amores Brutos, Guillermo Arriaga transforma em ficção a localidade em que viveu na adolescência

Raquel Cozer – O Estado de S.Paulo

Há um pouco dos filmes Amores Brutos (2000) e 21 Gramas (2003) no livro de contos Retorno 201, de Guillermo Arriaga (Gryphus), que acaba de chegar às livrarias brasileiras. Não que trabalhar com o cinema tenha influenciado de alguma forma a obra literária do mexicano, autor do roteiro dos dois premiados longas. Pelo contrário. Guardadas na gaveta por mais de duas décadas, as histórias contidas no volume incluem a gênese de sua obra cinematográfica.

“Creio que elas incluem todo o mundo narrativo que veio depois, várias estruturas que usei no cinema. Quem viu Amores Brutos percebe facilmente de onde saiu aquele formato ao ler as histórias. No conto Em Paz, é possível reconhecer a estrutura de 21 Gramas. Os temas também são os mesmos. Desde cedo tenho as mesmas obsessões”, afirma o autor, por telefone, ao Sabático.

O que ele chama de obsessões são as vivências da Cidade do México onde nasceu e ainda mora. Em Retorno 201, elas estão evidentes. O nome do livro é o mesmo do conjunto habitacional onde morou dos 8 aos 19 anos e que continuou a frequentar socialmente até os 25. Não era uma favela, como, segundo ele, costumam pensar. Bairro de classe média baixa, era perigoso só para quem se metia em perigo – caso, é claro, dele próprio, cuja perda de olfato aos 13 anos, de tanto apanhar na rua, é fato conhecido.

Pois são de brigas, acidentes, mortes, dores e mentiras que tratam os contos. Se há um protagonista, é a localidade, onde convivem pessoas tão distintas como o ex-capitão de navio mercante que passa as noites aos berros, embriagado, e o respeitável médico acusado de realizar aborto que levou uma mulher à morte. “Parte das histórias é real, parte imaginação. Basicamente, a origem é real. Não posso, por exemplo, dizer que o médico existiu mesmo, senão daqui a pouco batem na minha porta com uma reclamação. Prefiro dizer que há muita criação ali”, desconversa.

Autor de três romances, editados no Brasil – O Búfalo da Noite, em 2002, Um Doce Aroma da Morte, em 2007, e O Esquadrão Guilhotina, em 2008, todos também pela Gryphus -, Arriaga demorou a publicar os contos, quase todos escritos quando tinha entre 24 e 27 anos, devido a uma espécie de trauma. Sem crise com as experiências no bairro em que passou a primeira juventude, ele precisou superar a rejeição do primeiro editor ao qual tentou mostrá-los. “Ele disse que não eram bons, sem explicar por que. Não tinha lido nem queria se dar ao trabalho.”

É claro que, depois de se tornar roteirista premiado, o caminho ficou mais fácil. E Arriaga, que sempre propagou o perfeccionismo de fazer e refazer incontáveis vezes os textos de romances e roteiros, tanto não tem restrições a esses contos que não sentiu necessidade de dar uma última mexida antes de publicá-los, em 2006, aos 48 anos. “Reescrevi só na época, duas ou três vezes cada um. Escrevia como louco naquele tempo. Tenho três volumes de contos prontos, mas este é o único que me encorajei a publicar. O resultado me satisfaz muito.” Difícil foi pensar assim em relação ao último conto incluído no livro, O Rosto Apagado, que escreveu aos 35 anos. Essa história, acerca de um homem que perde a visão e tenta manter na memória a imagem da mulher, custou ao mexicano quatro meses de trabalho.

Estruturas. O notório gosto de Arriaga por histórias fragmentadas aparece cá e lá nos textos, intercalado por tramas lineares como a de A Viúva Diaz, história singela de um rapaz apaixonado por uma jovem casada e que – não intencionalmente, segundo o autor – remete a Mario Vargas Llosa, uma das declaradas admirações do mexicano na literatura. Entre as fragmentadas predominam as narrativas violentas, como Lilly, sobre adolescentes que descobrem poder abusar de uma menina doente mental, e O Invicto, que trata de uma disputa de liderança entre garotos da rua. “Creio que toda história tem uma forma distinta de ser contada. Mas o fato é que, na vida real, sempre que recordamos ou contamos um fato, o fazemos de forma fragmentada”, diz Arriaga.

O estilo de texto não raro descrito como “cinematográfico” o autor credita a uma “tradição literária que usa o movimento para contar histórias” – na qual coloca nomes como Dostoievski, Stendhal e o conterrâneo Juan Rulfo, que “mostram reflexões traduzidas em ações”. “Muitos escritores demonstram uma preocupação maior com a linguagem, criam romances que ela protagoniza. Para mim, o ideal é que o ser humano ou a própria vida o faça.”

Enquanto projetos anteriores de livros tiveram de ser abortados ao se tornarem roteiros – caso de Amores Brutos e 21 Gramas -, Retorno 201 segue outro caminho. Um único conto, Rogélio, foi a base de um curta dirigido por Arriaga (e que pode ser visto em bit.ly/rogelio), mas ele não quer “desperdiçar” o restante das histórias aos poucos. Sua intenção é, em breve, filmar um longa que aborde a série de narrativas.