Resistência em quadrinhos

Posso estar ficando monotemática com essa coisa de Irã, mas, na semana passada, quando esbarrei o primeiro capítulo de Zahra’s Paradise, a graphic novel on-line sobre a situação pós-eleições de 2009 naquele país, não resisti a ir atrás. Falei com o editor da série, Mark Siegel, da First Second (que publicará a versão impressa depois que os capítulos forem todos postados na internet), e eles me puseram em contato com um dos autores, Amir, que assina assim, só com o primeiro nome, para evitar represálias para a família dele que ainda vive no Irã.

Saiu no Caderno 2 de hoje, mas o link para a versão impressa não entrou no ar, e o on-line puxou uma versão não-finalizada do texto. Então o resultado taí, abaixo. Acho que foi a pauta que mais gostei de fazer nestes dois primeiros meses de Estadão (Update: a versão on-line, aqui).

Graphic novel on-line é a nova cara da resistência no Irã

HQ Zahra’s Paradise, que estreou na última sexta, destaca situação no país após as eleições de 2009

Raquel Cozer

O momento em que a estudante Neda Soltan, caída no chão de asfalto em Teerã, revirou os olhos para o alto e começou a sangrar pela boca e pelo nariz tornou-se o símbolo maior dos protestos que se seguiram às fraudulentas eleições de junho de 2009 no Irã. Foi naquela época que a HQ Zahra’s Paradise, idealizada por um escritor iraniano e um cartunista árabe, começou a ganhar forma. A história fictícia trataria da busca de uma mãe, Zahra, por um filho, Mehdi, desaparecido durante as manifestações.

Não só a agonia da jovem teve influência, mas também o modo como a imagem chegou ao público, em vídeo postado horas depois do ocorrido no YouTube e linkado ao Facebook e ao Twitter para, só então, repercutir nos meios tradicionais. Em vez de esperar dois anos até a finalização de uma graphic novel de 160 páginas, a editora e-americana First Second resolveu seguir o exemplo do iraniano que jogou as cenas na rede e, do papel, o projeto migrou para a internet. O primeiro capítulo foi ao ar na sexta-feira passada, na página www.zahrasparadise.com, e novos episódios serão publicados todas as segundas, quartas e sextas pelos próximos 18 meses, quando, enfim, ganharão versão impressa.

É a maneira certa de chegar ao público, acredita o editor da HQ, Mark Siegel, numa época em que a realidade não se dissocia das novas mídias. “Quando o que aconteceu em Teerã foi tuitado e postado em blogs, o mundo teve a possibilidade de ver coisas que regimes repressivos como o dos aiatolás em geral escondem”, diz Siegel ao Estado, de Nova York. O método permite também que a trama, que avançará no tempo até coincidir com os dias finais da publicação on-line – prevista para agosto de 2011 -, seja adaptada ao desenrolar dos fatos. Embora o fim esteja definido, as reviravoltas no governo do presidente Mahmoud Ahmadinejad e do líder supremo Ali Khamenei podem levar a HQ a ganhar contornos inesperados.

Os autores de Zahra’s Paradise assinam os quadrinhos apenas com os primeiros nomes, Amir e Khalil. Com familiares na região em conflito, temem represálias. Embora a autora iraniana Marjane Satrapi  tenha aberto portas com sua HQ Persépolis – cuja trama se passa em 1979, pré-Revolução Islâmica -, a situação é diferente. “Ela deu uma voz nunca antes imaginada à geração dela naquele lindo trabalho autobiográfico. Nossos quadrinhos são fictícios, mas, ao mesmo tempo, tratam da história de todo mundo. A maior dificuldade é que diz respeito ao momento presente”, diz Amir por telefone ao Estado, com seu tom de voz suave e cuidadoso que, por vezes, beira o inaudível.

Anonimato

Amir é também jornalista, documentarista e ativista de direitos humanos. Antes de se estabelecer nos Estados Unidos, passou temporadas no Afeganistão, no Canadá e na Europa. Khalil, de origem árabe, faz cartuns desde muito jovem, embora Zahra’s Paradise seja sua primeira graphic novel, e também tem obras como ceramista e escultor. Os dois têm certo reconhecimento nos EUA – mas a HQ eles só assinarão com seus nomes completos caso a situação mude bastante no Irã.

Parte das primeiras reações à publicação on-line mostra que os dois têm razões para a precaução que tomam. Alguns hate comments (comentários anônimos com ameaças) tiveram de ser apagados da página virtual, que abre espaço para internautas opinarem. Críticas menos agressivas foram mantidas. “Alguém que reza não manteria bebidas alcoólicas em sua casa. Isso seria um grande pecado”, escreveu um internauta islâmico, ao qual outro leitor tratou de responder: “Alguém que teme a Deus de verdade não julga o comportamento dos outros.”

Um outro internauta elogia a iniciativa, mas faz a ressalva de que, no Irã, mulheres de religiões diferentes nunca teriam uma relação tão afetuosa (a HQ começa com a mãe de Mehdi, islâmica, dando um abraço em uma amiga armênia, da minoria cristã). E de que Zahra “parece árabe, e não iraniana”. “Num país como esse, onde se vê tantas culturas diferentes numa mesma vizinhança, é claro que você terá muitos pontos de vista diferentes”, minimiza Siegel. “Amir, como iraniano, cria a partir de algo que fez parte de sua realidade desde sempre. Cada detalhe tem base na vida real.”

A maior parte dos comentários, no entanto, é de apoio. Um leitor sueco se oferece para traduzir os textos para o seu idioma; outro, para o hebraico. Siegel vê as iniciativas como um sinal positivo, mas as traduções que já estão no ar – persa, árabe, francês, espanhol, italiano e holandês – são feitas por profissionais. Antes mesmo de iniciar a série, a First Second havia conseguido o aval de seis grandes editoras mundo afora, responsáveis por essas traduções e pelo futuro lançamento da HQ impressa. Por enquanto, nenhuma editora do Brasil se ofereceu para publicar a graphic novel. Internautas brasileiros que não falem outro idioma podem, ao menos, entender algo da história em espanhol.

Ausência

Zahra’s Paradise é, como afirma Amir, uma narrativa sobre a ausência, sobre a mãe que não perde a crença no reencontro com o filho. Não à toa o título, além de remeter à protagonista da trama, é o nome de um cemitério daquele país. “A sensação de perda é algo que quase todo iraniano conhece”, diz o autor. Ele não diminui sentimento na vida de pessoas de outras nacionalidade: “Todos nós, no mundo inteiro, conhecemos ou conheceremos a sensação da perda, de um jeito ou de outro.” Mas acredita que a convivência dos iranianos com a sensação de perder um ente querido de uma hora para a outra interfere na forma como a arte é produzida naquele país.

“A ausência se torna parte da vida. A questão é de que maneira você lida com isso, e criação artística foi a maneira que encontrei”, diz. Amir destaca que o cartum, símbolo mundial de resistência política, justamente por isso é forte naquela região. Não poucos amigos, conta, tiveram de abandonar o país após fazerem desenhos “hilários” de Ahmadinejad. “Não importa quão forte o Estado se torne, os iranianos, em especial as novas gerações, encontram um modo de externar suas ricas vidas interiores.”

São os jovens do mundo todo o público que Amir e Khalil mais esperam atingir, para que entendam a realidade muito além do que permitem entrever as manchetes dos jornais. Também por isso decidiram fazer de um dos personagens principais, o irmão do jovem desaparecido, um blogueiro. Com a ajuda da internet, o rapaz vasculhará no limbo extrajudicial pistas que possam levar a Mehdi.

“A juventude tem muita urgência em se comunicar, em se fazer escutar. Quando a Revolução de 1979 aconteceu, ninguém fora do país tinha bem a dimensão do que estava acontecendo ali. A internet virou essa realidade do avesso”, diz Amir. “Mostrou que o mundo se preocupa com o Irã, o que é uma mensagem muito inspiradora para todos nós.”

Deu a louca no Martin Amis?

Martin Amis andava quietinho demais para o jeito Martin Amis de ser. No último ano, só me lembro de ter ouvido falar nele pela participação no lançamento do Original de Laura, o título que fez Nabokov se revirar no caixão à la Uma Thurman em Kill Bill.  

Daí, no intervalo de três dias, fico sabendo que:  

1) Ele concluiu que em 2020 a Inglaterra será cenário de um “tsunami grisalho”, com “uma população de dementes muito velhos, como uma invasão de imigrantes terríveis, a empestear os restaurantes e os cafés e as lojas”. E que, para evitar uma guerra civil entre os velhos e os jovens, seria interessante criar em cada esquina uma cabine de eutanásia, que premiaria quem compreendesse a inutilidade de sua existência com um martini e uma medalha.  

Amis e seus primeiros fios brancos, o prenúncio do tsunami grisalho de 2020

2) Ele argumentou, em entrevista à Prospect Magazine (ainda não publicada), que o sul-africano JM Coetzee, Prêmio Nobel, duas vezes Booker Prize, autor do sensacional Desonra, não tem nenhum talento e que “todo o seu estilo se baseia na ideia de não transmitir nenhum prazer”.  

3) Ele lançará nos próximos meses The Pregnant Widow, título já em pré-venda na Amazon (e que ele já andou dizendo que causará polêmica).   

E então tudo se encaixa.

Por dentro, mesmo, do jornal

Um novo recorde? O New York Times publica hoje 36 erratas, incluindo oito na mesma história.

O texto acima foi escrito por um jornalista do próprio New York Times e está acessível para milhões de leitores, mas, é claro, não no vetusto jornal, nem nas páginas virtuais da publicação. Entrou no ar no NYTPicker, blog que já completou um ano e ganhou há meses uma versão no Twitter, mas que continuaria fora do meu radar não fosse a dica do ex-colega da Ilustrada Gustavo Villas-Boas.

É impressionante que se mantenha ativo após tanto tempo. A descrição:  

Este site dedica-se exclusivamente ao que acontece dentro do New York Times – o jornal e a própria instituição. Escrito por uma equipe de jornalistas que preferem trabalhar no anonimato, NYTPicker fala sobre o funcionamento interno do principal jornal do país e faz comentários sobre seu conteúdo. Por favor, escreva para o NYPIcker com todas as informações, fofocas, sugestões e pensamentos sobre o New York Times. Todos os e-mails serão confidenciais.

Tem até reprodução de memorando assinado pela alta chefia dando conta de que a empresa resolveu verificar por que vários funcionários “ficaram doentes com sintomas gastrointestinais” num curtíssimo período de tempo. É de se imaginar o estrago que a ideia faria em algum jornal brasileiro…

O melhor filme jamais feito

Publicado no Cultura deste domingo

O monumental Napoleão de Kubrick

Livro lançado nos EUA conta história do projeto mais ambicioso do cineasta, que, rejeitado em Hollywood, ficou só no papel

Raquel Cozer

O bilhete, datilografado com rasuras num papel não timbrado, listava uma dezena de argumentos. O terceiro deles dizia: “Espero realizar o melhor filme jamais feito.” Era 20 de outubro de 1971 e pela última vez Stanley Kubrick (1928-1999) tentava convencer os estúdios MGM a bancar Napoleão, fita de três horas que planejava dirigir sobre o imperador francês. Àquela altura, ele já desconfiava de que era enorme a chance de o longa, de fato, jamais ser feito.

Embora o ambicioso projeto não tenha se concretizado, seus arquivos foram mantidos no espólio do diretor em Hertfordshire, Inglaterra. Por anos, admiradores puderam ler textos sobre o assunto e até uma versão do roteiro, de 1969 – que se acha numa busca no Google por “Napoleon”, “Kubrick” e “script”. Mas só agora a maior parte dos documentos se tornou pública, com o lançamento, no fim do ano passado, de uma edição limitada de luxo da Taschen, Stanley Kubrick”s Napoleon – The Greatest Movie Never Made.

Leia a íntegra do texto aqui

Última tentativa de Kubrick de convencer os estúdios