Recreio

Voltei cheia de baianidade de uma Salvador em recesso de São João, mas nem é isso. É falta de tempo para postar, mesmo.

Peguei essa estampa de camiseta do Flickr de Andy J Miller. Que avisa, antes que reclamem da gramática: “And don’t go correcting the grammar, you might just get called out on a subtle little wise crack”. Via Ffffound.

A coluna de 26/6

No Estadão.com, aqui.

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BABEL

Livro de contos ajudará desabrigados do Nordeste

RAQUEL COZER –  raquel.cozer@grupoestado.com.br – O Estado de S.Paulo

Ronaldo Correia de Brito, Raimundo Carrero, Alberto Mussa e Marcelino Freire estão entre os 19 ficcionistas confirmados para a coletânea Tempo Bom, cuja renda será revertida aos moradores de Alagoas e Pernambuco que ficaram desabrigados com as chuvas dos últimos dias. O projeto foi idealizado na segunda-feira pelo escritor pernambucano Sidney Rocha e já tem editora, a paulistana Iluminuras; como os autores, ela abriu mão do porcentual nos lucros. Vários contos, inclusive inéditos, já foram enviados, e o livro está em produção. Falta a confirmação de dois ficcionistas. Rocha quer mandar o material para a gráfica na próxima quarta e pôr o livro (ainda sem preço definido) à venda nos primeiros dias de julho. “A ajuda financeira deve chegar o mais rápido possível aos locais necessitados. Será uma lição de eficiência, uma cruzada literária”, afirma. Por curiosidade, o escritor tem um conto num projeto similar que a Garimpo Editorial organiza – mas este, em prol do Rio e do Haiti, foi iniciado em março e não deve sair antes de agosto.

CINEMA
Long-seller juvenil

Pedro Bandeira acaba de assinar contrato para a adaptação de seu mais famoso livro juvenil, A Droga da Obediência. O longa será coproduzido pela REC Produtores (responsável por Cinema, Aspirinas e Urubus) e a Gullane (Carandiru). A obra, de 1984, teve mais de 1,5 milhão de cópias vendidas.

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Xuxa e o Mistério de Feiurinha, baseado em outro best-seller do autor, O Fantástico Mistério de Feiurinha, foi o segundo filme nacional mais visto de janeiro a maio de 2010 – perde apenas para Chico Xavier – e o melhor desempenho de Xuxa no cinema em anos.

QUADRINHOS 1
Contra o tempo

A Conrad corre para lançar a tempo da Flip a coletânea Meus Problemas com as Mulheres, de Robert Crumb, e, na Bienal, uma coletânea de histórias de Aline, mulher dele.

QUADRINHOS 2
Obra do canhoto

Uma versão em HQ para A Divina Comédia, de Dante, que sai em agosto nos EUA, teve direitos comprados pela Companhia das Letras. O responsável por ilustrar o Inferno, o Purgatório e o Paraíso do clássico foi Seymour Chwast, conhecido como “o designer canhoto” e estreante em graphic novels.

INTERNET
O Brasil na Biblioteca Mundial


É da Fundação Biblioteca Nacional o arquivo mais acessado na World Digital Library (wdl.org), projeto de digitalização de livros, manuscritos e acervos visuais e sonoros de bibliotecas de 55 países. Trata-se de um mapa da Espanha e de Portugal de 1810 (foto). Juntos, todos os documentos disponíveis tiveram 67 milhões de visualizações desde abril de 2009, quando o site entrou no ar.

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Nesta semana, Muniz Sodré, presidente da FBN, foi eleito membro do Conselho Executivo da WDL. Com os membros criadores – a Biblioteca do Congresso dos EUA e a Unesco – e conselheiros de mais quatro países, ajudará a definir os novos passos do projeto.

VENDAS
Memorial português

A morte de Saramago, dia 18, fez seus livros passarem a vender pelo menos dez vezes o que vendiam nas principais livrarias de São Paulo. A Saraiva, que havia comercializado 188 títulos do dia 13 ao 17, contabilizou 1.873 entre o 18 e o 22. Na Cultura, a venda foi 14 vezes a de antes de o autor morrer. A pedido de livreiros, a Companhia das Letras pôs no mercado mais 30 mil volumes.

NOVA EDIÇÃO
Francês nas prateleiras

Conhecido pelas adaptações que Robert Bresson fez de suas obras Diário de Um Pároco de Aldeia e Nova História de Mouchette, o francês Georges Bernanos (1888-1948) terá seu primeiro livro, Sob o Sol de Satã, de 1926 – que virou filme nas mãos de Maurice Pialat -, editado pela É Realizações. Considerado o mais original entre os autores católicos franceses do século 20, Bernanos andava esquecido no mercado nacional.

Colaborou Antonio Gonçalves Filho

Contos nanicos

Texto meu publicado no Caderno 2 de hoje.

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Um livro atarracado, só com contos nanicos

Veronica Stigger explora humor e concisão em ‘Os Anões’

Raquel Cozer – O Estado de S.Paulo

À primeira vista, parece ter 400 páginas o novo título de contos de Veronica Stigger, mas é a espessura que engana. São apenas 61, em papel cartonado, grosso, o que dá ao pequeno volume aspecto atarracado. A proposta, nas palavras da escritora e crítica de arte gaúcha, é que o formato “reitere o caráter anão do livro”.

Não poucos detalhes corroboram essa característica em Os Anões, que sai agora pela Cosac Naify. A começar pela epígrafe, pinçada de texto do poeta Carlos Drummond de Andrade sobre “um continho bobo, anão, contente da vida”. Daí em diante, intercalam-se microcontos de três linhas, textinhos em forma de anúncio e minirroteiros para curtas-metragens. A narrativa de proporções mais ambiciosas tem somente seis páginas.

Seria algum tipo de obsessão com gente de baixa estatura? De fato, a origem de tudo está na frase “Ele tinha a altura de um pigmeu, e ela batia na cintura dele”, que um dia ocorreu à autora como ideia para abrir um texto e ficou guardada, sem conclusão. A sentença surge agora no início do conto-título, o primeiro da obra – e também o único a abordar anões propriamente ditos, o que faz entender que a pequenez que atrai Veronica não tem relação com a altura de ninguém.

“O que me interessava era trabalhar variações de gêneros, como já havia feito no Gran Cabaret Demenzial (2007), que tem textos em forma de legendas, de palestras, de peça de teatro”, afirma a escritora.

Essa não é a única semelhança entre os títulos. Como naquele, aparece aqui o interesse pelo imprevisível e pelo absurdo – o que levará, por exemplo, a dupla baixinha do conto inicial a causar comoção na fila de uma confeitaria por permanecer “em cima do banquinho a perguntar sobre doces e a pedir provinhas” sem pressa nenhuma (o resto não se pode contar, sob risco de tirar o impacto do conto anão).

A concisão, ela avalia, foi peça essencial para trabalhar o absurdo nos novos textos. “A maneira de narrar serve a ressaltar o que quero na história. Para o conto O Teleférico, fiz várias versões, sempre cortando um pouco, até chegar ao ritmo perfeito para destacar o sentido”, conta, referindo-se a um dos textos mais longos do volume, de três páginas.

A obra será lançada amanhã junto a outra de fato destinada a pessoas miúdas. Trata-se de Dora e o Sol (34), estreia de Veronica na literatura infantil, em parceria com Fernando Vilela, baseada na história real de uma vira-lata que vive com a mãe da autora.

Pós-Chernobyl

Estante em Chernobyl, na Ucrânia, em fotografia tirada 24 anos depois da devastação do acidente nuclear de 1986. Registro de Roman Kudryashov. Tirei daqui (as usual, clique para ampliar).

Você está pronto para publicar?

Da série o primeiro livro, assunto já falado por aqui, esbarrei neste pôster da 826 National, organização que dá assistência literária a crianças e adolescentes: “Você está absolutamente, positivamente e sinceramente pronto para publicar seu romance?” (Ok, os advérbios na pergunta-desafio são cortesia da casa).

Se clicar na imagem, e depois na que aparece na página seguinte, você conseguirá vê-la em tamanho ampliado. Agora, se conseguir o que está escrito da metade para baixo, por favor, me conte, porque não passei nesse exame de vista.

Custa US$ 18 e tem também nas cores azul marinho e amarelo, que achei ainda mais difícil de decifrar.

Quanto vale o livro

O site The Morning News publicou o resultado de breves entrevistas com os filhos de seus colaboradores sobre suas leituras de verão. Apenas questões básicas, como “o que acontece no livro”, “o que você diria ao autor” e “do que você mais gostou”.

As melhores respostas ficam para a pergunta “quanto você acha que o escritor recebeu para escrever o livro”. São elas:

“Dez dólares” (Olívia, 7 anos)
“Centenas. Cerca de 1.000? Não, dez libras” (Toby, 5 anos)
“Sete centavos” (Simon, 4 anos)
“50 dólares” (Iris, 7 anos)
“20 dólares e 20 estrelas” (Raimi, 7 anos)

Vi aqui.

O futuro dos… zzzzz

Todos os lados da discussão sobre o futuro dos livros em oito minutos.  Pronto. Agora veículos de cultura ou tecnologia podem pensar em só voltar a fazer reportagens sobre o assunto quando houver de fato algo novo a ser dito.

Tirei daqui.

A Babel de 19/6

Abaixo, a coluna de ontem do Sabático. Preciso dizer que foi mais caótico apurar com jogo do Brasil em meio de semana do que costuma ser com feriado…

Antes, para constar: além do Sabático regular ontem circulou o Sabático Especial Saramago, com reportagem de abertura do Toninho (cujas ótimas teorias sobre a obra do autor ficam para uma próxima); entrevista com o Harold Bloom, que o Bira conseguiu na sexta-feira mesmo; texto do Leonardo Boff sobre o ateísmo do (e um encontro com) Saramago; análise do Zanin sobre as adaptações para o cinema;  explicação da Lilia M. Schwarcz para a dialética do coco e texto meu sobre o caminho aberto pelo Memorial do Convento para as novas gerações em Portugal.

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BABEL

Raquel Cozer – raquel.cozer@grupoestado.com.br – O Estado de S.Paulo

Obra holandesa de referência para as artes ganha tradução na íntegra

O clássico O Outono da Idade Média, de Johan Huizinga (1872-1945), terá em outubro sua primeira edição na íntegra em português, com tradução direta do holandês. A obra, de 1919, vem sendo trabalhada há seis anos pela Cosac Naify. A primeira tentativa de versão não deu certo, e só depois disso a editora localizou a tradutora Francis Janssen, filha de holandeses. “Huizinga misturava holandês antigo e moderno, então é difícil entender as nuances”, diz o editor Milton Ohata, que teve colaboração dos historiadores Evaldo Cabral de Melo e Tereza Aline de Queiroz nas leituras do texto. O livro, sobre a arte medieval, destaca-se por abordar a Idade Média como uma era completa em si, e não transitória entre a Antiguidade e o Renascimento. A edição brasileira baseia-se na holandesa de 1997, que restabeleceu o texto original e está fora de catálogo. A maioria das 20 traduções existentes, inclusive a de Portugal, foi feita a partir da versão abreviada inglesa.

EVENTO
Festa no Recife
A 2.ª FreePorto, festa literária criada no Recife como resposta à “prima rica” pernambucana Fliporto, aposta no nonsense para a edição que vai de 3 a 5/12. Após anunciar o Ano da Bulgária no Brasil e o Prêmio Nacional Pierre Menard de Cover Literário, ao qual concorrem os textos “menos originais possíveis”, o evento inicia em julho um jogo interativo que convidará leitores a desvendar um mistério relacionado ao tema do encontro, o conto O Casamento da Raposa.

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Entre os autores já confirmados para o evento estão Mario Prata, Antonio Prata, Nicolas Behr e Ronaldo Correia de Brito.

CINEMA
Policial rumo às telas
Ninguém se Move, policial de Denis Johnson que sai este mês pela Companhia das Letras, está sendo produzido para o cinema numa parceria entre a empresa brasileira RT Features, de Rodrigo Teixeira, e a produtora independente norte-americana This Is That, responsável por filmes como 21 Gramas (2003) e Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças (2004).

AULAS
Capital em livro e vídeo
Um dos maiores especialistas do mundo em Karl Marx, o antropólogo David Harvey lançou há pouco o livro A Companion to Marx”s Capital, cujos direitos acabam de ser comprados pela Boitempo. A obra é uma compilação das aulas sobre o volume 1 de O Capital, que Harvey ministrou por 40 anos na City University de Nova York – e que, em 2008, já haviam ganhado versão em 13 vídeos, disponibilizados em davidharvey.org.

ORIGINAIS
Indiscrições na rede 1
Um autoidentificado “agente literário rabugento” criou um blog para destacar mensagens embaraçosas recebidas de autores inéditos. Fica em slushpilehell.tumblr.com (algo como “inferno de pilha de originais”) e inclui tentativas como “Olá. Você é um agente visionário que quer levar o estagnado mercado de ficção a novos patamares?”. A descrição do blog diz: “Relaxem, autores. SlushPile Hell nunca vai zombar de conceitos de livros nem transcrever amostras. Estes são só trechos isolados que vocês têm que admitir que são… Ah, não importa, vocês vão ficar chateados de qualquer jeito.”

BLOG
Indiscrições na rede 2
Em encontro com blogueiros na quarta-feira, em São Paulo, para divulgar e reunir opiniões sobre o blogdacompanhia.com.br, o editor Luiz Schwarcz ouviu a sugestão de que a página passasse a incluir textos de editores e autores com bastidores da criação de livros. “É preciso cuidado para não ferir a ética”, comentou, “mas já avisei a Maria Emilia (Bender, editora) de que ainda escrevo um post chamado Sexo, Drogas e Originais”.

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Blogueiro de primeira viagem, Schwarcz tem feito sucesso com textos como aquele em que conta como levou Rubem Fonseca para a Companhia. Chegou a tentar escrever um sobre como a editora deixou de comprar os direitos de Harry Potter, mas notou que não poderia fazer isso sem “ferir a ética”.

Era da desconfiança

Saiu no Sabático de ontem meu texto sobre Os Excluídos, da sino-americana Yiyun Li – uma dos 20 autores com menos de 40 que merecem atenção, segundo lista recente da New Yorker. O romance acaba de sair no Brasil pela Nova Fronteira.

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Vidas às margens de uma história

Raquel Cozer – O Estado de S.Paulo

Yiyun Li passou a infância orientada a nunca confiar em ninguém fora de casa. A recomendação, comum a crianças em qualquer lugar do mundo, era algo mais complexa na China do final dos anos 70. Com a morte do líder comunista Mao Tsé-tung (1893-1976), o país viveu uma breve fase de liberalização política, a Primavera de Pequim, para em seguida entrar num período nebuloso que culminaria com o massacre de estudantes na Praça da Paz Celestial, em 1989.

Li, hoje com 37 anos, deixou a capital chinesa em 1996 para estudar nos Estados Unidos, mas os reflexos daqueles tempos – prova de que não era simples o que seus pais lhe pediam – permaneceram. “Só entendi totalmente depois que saí do país e me tornei escritora”, diz, por e-mail, ao Estado, a autora que acaba de ter publicado por aqui seu primeiro romance, Os Excluídos (2009), cuja trama se inscreve no ambiente de desconfiança e medo em que vivia a população de um vilarejo fictício em 1979. A história se desenvolve em torno da condenação à morte da personagem Gu Shan, de 28 anos, por ideias anticomunistas. Em 21 de março, quando começa o romance, os moradores são convocados à cerimônia pública na qual ela será exposta, ao som de hinos, antes da execução.

Poucos deles saberão que, antes de morrer, a jovem teve seus rins retirados para um transplante não autorizado e as cordas vocais cortadas para não se manifestar na cerimônia. Enquanto esses fatos se fazem revelar, a autora apresenta personagens como Tong, menino de 7 anos que aprende a delatar em troca de segurança; Nini, garota deficiente de 12 anos tratada como escrava na casa dos pais; Bashi, o idiota da vila, que desenterra o corpo de Shan e descobre que o cadáver foi violado; sr. e sra. Hua, casal de catadores que criou sete meninas abandonadas no lixo até elas lhe serem tiradas pelo governo. Logo o leitor se dará conta de que há muito pouco de inocência nessa história ? aos 14 anos, antes de se voltar contra o comunismo, Shan, então integrante da Guarda Vermelha de Mao, chutou durante um confronto a barriga da mãe grávida de Nini, causando a deformidade da menina.

O tom realista e duro da narrativa de Yiyun Li já tinha chamado a atenção da crítica internacional em sua estreia como escritora, em 2005, com o livro A Thousand Years of Good Prayers – na época, foi eleita pela revista literária Granta uma das melhores jovens autoras dos EUA. O volume recebeu prêmios como o PEN/Hemingway Award e o Guardian First Book Award, e dois de seus contos foram adaptados para o cinema por Wayne Wang em 2007, Mil Anos de Orações e A Princesa de Nebraska. Há poucos dias, Li foi listada pela prestigiosa revista New Yorker entre os 20 escritores de menos de 40 anos que merecem atenção – uma seleção que, em outros tempos, incluiu nomes como Martin Amis e Ian McEwan. Uma trajetória peculiar para uma jovem que, quando chegou aos EUA, com 24 anos, pretendia apenas se tornar imunologista – chegou a fazer o curso em Iowa, mas abandonou a especialização. Casada e mãe de dois filhos, ela hoje mora em Oakland, na Califórnia. Veja a seguir os principais trechos da entrevista.

Ao longo do romance, vários personagens tomam atitudes questionáveis para receber em troca algum benefício, como o rapaz que entrega as cartas da namorada às autoridades para conquistar um posto no Exército. Traições como essas, ou até crimes, eram comuns na China pós-Revolução Cultural?

Em momentos de turbulência política como os retratados no romance, ou mesmo como os 30 anos anteriores aos acontecimentos ali narrados, é comum as pessoas entrarem em pânico no que diz respeito à própria segurança. E, quando isso acontece, tendem a trair umas às outras sem pensar que poderiam fortalecer a própria sobrevivência se juntassem forças aos vizinhos ou amigos. Naquele momento, na China, muitas pessoas acreditavam que, quanto mais gente ao redor fosse derrubada, menor seria a punição que caberia a elas próprias. Com certeza não era a única maneira de reagir ao que acontecia ali, mas talvez tenha acontecido com mais frequência do que deveria acontecer. Não era algo inaceitável pela lógica daquele momento.

E como era confiar em alguém num ambiente como aquele? É possível dizer que as experiências daquele período ajudaram a definir as características da atual sociedade chinesa?

As pessoas, de fato, desconfiavam muito umas das outras naquele ambiente. A orientação que eu mesma recebia em casa era a de nunca confiar em ninguém que fosse de fora. Pensando como algo coletivo, é possível dizer que a sociedade tenha sido, de uma maneira ou de outra, moldada em parte pela desconfiança e por outros resultados emocionais de experiências políticas como aquela.

Você cresceu em Pequim, enquanto os acontecimentos do romance se passam em um vilarejo muito pequeno, fictício. E, no entanto, há ali um realismo social muito forte. A situação era similar nesses dois cenários? Como você, que tinha 7 anos naquela época, percebia a realidade desses “excluídos”?

No final dos anos 70, Pequim era muito parecida com uma pequena cidade de província. O realismo social a respeito do qual você fala é uma reprodução da minha vida e da minha geração crescendo. O que fiz foi apenas descrever vidas que me eram muito familiares. Agora, de fato, uma coisa que eu não conseguia entender direito era a realidade dos excluídos. Mas, como criança, quando você está confuso (e quando ninguém dá explicações nem ajuda a entender o mundo), você absorve os detalhes da realidade como uma esponja. Comecei a compreender tudo aquilo quando entrei na adolescência. Agora, entender totalmente… Isso só aconteceu depois que deixei o país e me tornei escritora.

O New York Times descreveu seu romance como “nada fácil ou agradável de ler”. Você concorda? Foi trabalhoso escrever uma história assim?

Não achei difícil escrever o romance, mas, na revisão, me dei conta de como a história é dura. Ainda assim, diria que “agradável” não é uma qualidade que eu me empenhe em alcançar. Minha resenha favorita foi a de um jornal local, que disse que o meu livro “não foi feito para os covardes”. Quando li isso, gargalhei.

Você foi para os Estados Unidos em 1996 para estudar imunologia e lançou o primeiro livro quase dez anos depois. Como aconteceu essa passagem da ciência para a literatura?

Comecei escrevendo um pouco quando ainda estudava imunologia, mas em 2000 desisti do curso. Trabalhei por algum tempo em um hospital e entrei num curso de escrita criativa em Iowa, e foi então que comecei a levar a sério a escrita. Acho que me ocorreu que nunca amei a ciência como amo a literatura. Queria ser escritora e fazer algo que eu amasse.

E é fácil para você escrever em inglês?

Nunca é fácil escrever, em idioma nenhum. Mas, pelo que posso avaliar, não é mais difícil para mim escrever em inglês do que qualquer outro nativo. Acho até mais fácil escrever em inglês do que em chinês. Aliás, para mim, a ideia de escrever um livro em chinês é praticamente impossível.

Escritores mais jovens são quase sempre comparados a outros como forma de referência. Lembro-me de ter lido uma frase em que você era comparada ao mesmo tempo com Saramago e Coetzee. Com quem de fato se identifica?

Ah, todas as comparações são bem-vindas para mim, porque sei que não sou tão boa quanto ninguém com quem sou comparada. Minha preferida é Tolstoi, Chekhov e George Orwell em uma única resenha. Foi uma grande honra, mas não quero ser comparada a Orwell, e sei que nunca seria tão boa quanto Tolstoi e Chekhov! William Trevor, o contista e romancista irlandês, é provavelmente a maior influência literária na minha carreira.

Por falar em idade, ficou surpresa em ver o seu nome entre os 20 autores com menos de 40 anos que merecem atenção, segundo a revista New Yorker?

O que me surpreendeu foi ser chamada de jovem! Eu não sou mais tão jovem assim, mas é reconfortante saber que escolhi uma profissão na qual a juventude dura um pouco mais do que na maior parte das outras profissões.

O que achou de ver os seus contos transformados em filmes por Wayne Wang?

Quando ele me falou que queria transformar meus contos em filme, disse a ele que seria impossível, porque minhas histórias são muito internas e muito silenciosas para o cinema. Fiquei feliz quando ele me provou que eu estava errada.

E há alguma chance de vermos Os Excluídos no cinema?

Não acho que o romance tenha chance de ser transformado em filme, pela óbvia razão de que é muito político e sombrio, e as autoridades na China não permitiriam que as filmagens fossem realizadas no país. Diferentemente dos contos que Wang adaptou, a história de Os Excluídos teria de ser filmada na China.

A coluna de 12/6

Na primeira imagem, os registros números 19, 20 e 21 do primeiro livro de registros da Fundação Biblioteca Nacional, em 1899: O Coruja, Casa de Pensão e O Cortiço, de Aluizio de Azevedo. No Estadão.com, a Babel tá aqui.

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BABEL

Raquel Cozer – raquel.cozer@grupoestado.com.br – O Estado de S.Paulo

Biblioteca Nacional alcança a marca de meio milhão de obras registradas

No mês em que o direito autoral chega ao centro da discussão política no País – depois de amanhã, o Ministério da Cultura lança a consulta pública do Anteprojeto da Lei de Direitos Autorais -, a Fundação Biblioteca Nacional alcançará a marca de 500 mil obras intelectuais registradas. Isso deve ocorrer em até duas semanas, segundo o responsável técnico Jaury de Oliveira, do Escritório de Direitos Autorais. O dado curioso é que, no intervalo de quase cem anos entre o primeiro registro – o livro Lithographia e Chromolithographia, de León de Rennes, em 1899 – e 1995, só 90 mil obras foram registradas; as outras 410 mil o foram nos últimos 15 anos. “O aumento é progressivo. O tema ganhou relevo graças aos meios digitais”, diz Oliveira. Ele ressalta, porém, que parcela “surpreendente” das obras é “de gente simples, como agricultores e garis”. Em tempo: segundo o artigo 19 da lei 9.610/98, o registro de autoria em órgão público é facultativo.


LOJAS

Empréstimo de e-books

A Saraiva estreou na quarta, no http://www.saraiva.com.br, sua loja de e-books. A empresa entra nesse mercado dois meses depois da Livraria Cultura e aponta como diferencial a criação de aplicativo próprio para o usuário acessar os livros eletrônicos, o Saraiva Digital Reader. Sérgio Herz, diretor de operações da Cultura, diz que é “igualzinho” ao leitor da Adobe, usado por sua livraria.

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Em breve, a Saraiva deve disponibilizar um recurso para empréstimo de e-books. O dono do livro envia um link para um amigo baixá-lo, mas fica impossibilitado de lê-lo enquanto não for devolvido. Se precisar, pode “desemprestá-lo” com um clique. Herz afirma que a Cultura também tem tecnologia para isso, mas que ainda não oferece o serviço por considerá-lo burocrático.

DVD
Gullar por Gullar

O Instituto Moreira Salles lança, no segundo semestre, um DVD com Ferreira Gullar lendo a íntegra de seu Poema Sujo – obra de 1976 produzida no exílio, em Buenos Aires, e tida como sua obra-prima. A filmagem foi realizada em 2006 por João Moreira Salles e Walter Carvalho e sai por ocasião dos 80 anos que o poeta completa neste ano.

INFANTIL
A velha e a mosca

Vencedor do prêmio Opera Prima na última Feira de Bologna, There Was An Old Lady, de Jeremy Holmes, será lançado no Brasil pela Amarilys, após leilão entre seis editoras. Considerado uma “delícia tipográfica” pelo júri do evento – o próprio livro é o corpo da personagem central -, sai em outubro, como Tinha Uma Velhinha Que Comeu uma Mosca (foto).

CONTOS
Depois do Booker Prize

Quando levou o Booker Prize por O Tigre Branco, em 2008, o indiano Aravind Adiga chamou atenção por ser estreante na literatura. Seu mais recente livro, no entanto, foi escrito antes do romance. Trata-se de Entre os Assassinatos, que sai em novembro pela Nova Fronteira. São 12 contos interligados, situados entre 1984 e 1991, anos em que Indira e Rajiv Gandhi foram mortos.

TRADUÇÃO
Para estrangeiro ver

Tem muitas incorreções a recente tradução de Boleros em Havana, de Roberto Ampuero, lançada pelo selo Bonobo. Assinada por Viviane Vieira, inclui erros de português (como “mau-humorados”) e trechos sem sentido (como “terrível equívoco, pelo qual alguém deve estar pagando a pratos rotos” e “as intermináveis filhas dos que esperavam resignação por um pedaço de pão”).

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Contatada pela coluna, a Novo Século, detentora do selo, afirmou que já havia detectado problemas na tradução e que recolherá o livro antes de lançar uma nova edição. Quem tiver comprado o título pode falar com a editora pelo tel. (0 –11) 3699-7107.

Colaborou Roberto Muniz

O livro pela capa

A AbeBooks, subsidiária da Amazon, selecionou 25 capas de livros que merecem um olhar mais atento: “Se você esbarrar em alguma dessas edições na vitrine de uma livraria, acreditamos que deva parar e prestar atenção. A maior parte delas esteve por aí durante algumas décadas, algumas são muito famosas, algumas foram famosas e algumas poucas foram esquecidas“.

Clicando na imagem abaixo você vê a seleção completa. Se alguém com boa memória se animar a fazer uma versão brasileira, posso caças as capinhas na internet e postar aqui no blog, com o devido crédito da curadoria.

Me gusta leer

Vídeo genial da espanhola Random House Mondadori para divulgar seu novo site, Me Gusta Leer. Dica do Rodrigo Levino.

Pilgrim & Lizewski

Saiu no Caderno 2 de hoje minha reportagem de capa sobre as HQs e os filmes Scott Pilgrim Contra o Mundo e Kick-Ass: Quebrando Tudo, que chegam ao País neste ano. Tinha lido a HQ do Scott Pilgrim (imagem acima) faz pouco mais de um mês e estava esperando um gancho bacana para dar um texto maior que só um sobre o lançamento (pela Quadrinhos na Cia.). E o gancho veio com Kick-Ass, que tem curiosidades em comum com a outra – como Mark Millar e John Romita Jr., criadores do Kick-Ass, confirmaram em entrevista, que posto aqui depois.

A Fernanda Ezabella tinha falado faz tempo do filme Kick-Ass no blog dela. Quando eu soube do lançamento da HQ pela Panini, vi que tinha assunto de sobra. Para quem viu ou verá o filme, recomendo muito os quadrinhos – por sinal, de longe mais violentos que o longa (abaixo, a Hit Girl em versão ilustrada).

Na edição, tem também texto do Jotabê Medeiros, outro entusiasta do Kick-Ass, sobre a Hit Girl. O meu está abaixo, com os trailers dos dois filmes.

Rebeldes (quase) sem causa do século 21

HQs e filmes de Kick-Ass e Scott Pilgrim chegam este ano ao País

Raquel Cozer – O Estado de S.Paulo

O canadense Scott Pilgrim e o americano Dave Lizewski são garotos sem nenhum atrativo especial. Não possuem inteligência acima da média, não sofreram mutações que lhes rendessem superpoderes nem têm razões nobres para entrar em lutas. Apesar disso, ou talvez por isso mesmo, estão para o cinema adaptado de quadrinhos hoje como Wolverine e Homem-Aranha estiveram ao longo da última década.

Os dois personagens protagonizam, respectivamente, Scott Pilgrim Contra o Mundo e Kick-Ass: Quebrando Tudo, graphic novels e filmes que vêm sendo apontados pela imprensa internacional como os exemplos mais bem-sucedidos do gênero neste começo do século 21. “(O filme Kick-Ass é) tão pós-moderno que faz todos aqueles que vieram antes parecerem relíquias de uma era passada”, definiu o jornal inglês Guardian, um dos maiores entusiastas dos dois lançamentos. “De gargalhar, inteligente e subversivamente emocional, (Scott Pilgrim) tem o fio narrativo mais cinético que você verá no papel”, descreveu a Paste Magazine, ao incluir a HQ entre as 20 melhores da década.

O que leva as duas histórias a receber tantos superlativos? Alguns fatores podem ser levados em conta, como o fato de colocarem losers totais como heróis, uma evolução do “orgulho nerd” que filmes como Superbad (2007) colocaram nas telas nesta década. Também são histórias nas quais a tecnologia tem papel fundamental tanto dentro como fora da trama. Ambas se desdobram em mídias – viraram fenômeno na internet, com discussões sobre trailers e as trilhas sonoras antes de mesmo de chegarem aos cinemas, além de terem inspirado versões em game.

O público brasileiro poderá conferir as histórias ainda neste ano. Os dois primeiros títulos (de um total de seis) da versão em HQ de Scott Pilgrim foram lançadas por aqui no mês passado, em um único volume, pelo selo Quadrinhos na Cia.; o filme, com Michael Cera (ator de Juno) no papel principal, tem estreia mundial no segundo semestre. Kick-Ass chega aos cinemas nacionais na sexta-feira da semana que vem. Mais ou menos pela mesma época, deve sair por aqui a graphic novel, pela Panini.

A caráter. Idealizada pelo escocês Mark Millar, em uma parceria com o ilustrador americano John Romita Jr., Kick-Ass conta a história de Dave Lizewski, adolescente fã de quadrinhos que, encafifado com o fato de ninguém nunca ter tentado virar super-herói na “vida real”, enfia-se numa roupa de mergulho e sai pelas ruas, sem treinamento nem nada, à caça de bandidos.

Lizewski (vivido no filme por Aaron Johnson) vai parar no hospital duas vezes, mas uma das brigas é filmada por um estranho e cai no YouTube, o que, em tempos de internet, basta para que Kick-Ass vire hit internacional. Em meio a isso, o neo-herói esbarra em três outros personagens a caráter cujas intenções ele demora a decifrar: Big Daddy (Nicholas Cage), Hit Girl (Chloë Moretz, que tinha 11 anos na época das filmagens) e Red Mist (Christopher Mintz-Plasse, de Superbad). A direção do longa ficou a cargo de Matthew Vaughan, que também participou da criação do roteiro e bancou boa parte da produção (leia ao lado).

Com forte influência de games e mangás, Scott Pilgrim é escrita e ilustrada pelo canadense Bryan Lee O”Malley, e teve o primeiro de seus seis volumes lançad0 em 2004. Nele, o leitor é apresentado a Scott, rapaz de 23 anos que não tem emprego, toca guitarra na banda de rock amadora Sex Bob-Omb e namora uma colegial de 17 anos – pelo menos até conhecer Ramona Flowers, entregadora da Amazon.com graças a quem se envolverá na missão de derrotar sete integrantes de uma tal Liga dos Ex-Namorados do Mal.

Simultâneas. Tanto Kick-Ass quando Scott Pilgrim mal tinham ganhado forma como HQ quando suas versões em filme começaram a ser produzidas, o que de cara já as diferencia de outras adaptações de quadrinhos – o longa-metragem de Quarteto Fantástico (2005), só para ficar em um exemplo, estreou quatro décadas depois de os personagens surgirem no papel. “Assim que começamos a criar Kick-Ass, soubemos do interesse para adaptações”, diz Romita Jr. de Nova York, por telefone ao Estado, “mas ficamos céticos, porque isso acontece em Hollywood o tempo todo. Eles dizem que querem e somem.”

Apesar de não encontrar um grande estúdio que bancasse a proposta superviolenta do filme, o diretor Matthew Vaughan insistiu. E começou a trabalhar no roteiro enquanto Millar e Romita Jr. ainda criavam a graphic novel. “Foi um processo simultâneo, o que não acontece com frequência”, lembra Romita Jr. “Tanto que, na primeira metade do filme, tudo lembra muito o meu trabalho de arte na HQ. Mas, como não fui rápido o suficiente, o filme foi concluído antes, de modo que a segunda parte ficou com visual bem diferente.”

Bryan Lee O”Malley também sofreu os efeitos das filmagens precoces de Scott Pilgrim. Tinha lançado só o primeiro volume da série quando o diretor Edgar Wright iniciou a adaptação para os estúdios da Universal. “Foi complicado continuar a escrever depois que o roteiro foi feito, e o elenco, escolhido. Tive que tomar algum tempo para voltar a ficar familiarizado com minha própria versão dos personagens”, conta O”Malley, em entrevista por e-mail ao Estado.

É claro que, com tantas similaridades entre as duas produções, não demoraram a surgir outras relações. Quando Kick-Ass estreou no Reino Unido, em abril deste ano, foi precedido por um trailer de Scott Pilgrim. O personagem que luta contra os ex-namorados do mal de Ramona, por sua vez, é mencionado no filme de Matthew Vaughan. Até as personagens femininas mais fortes de cada história têm semelhanças. A jovem atriz Chloë Moretz deu vida à Hit Girl ( a verdadeira heroína de Kick-Ass) usando uma chamativa peruca rosa – uma das tonalidades também adotada nos cabelos de Ramona Flowers (Mary Elizabeth Winstead) em Scott Pilgrim.

Sábado

Nah, a imagem não tem nada a ver com o texto que posto a seguir, da coluna Babel, publicada no Sabático de 5/6. Mas é que comecei a achar P&B demais o blog.

Só uma tarde dessas de sábado, no Ibirapuera, com sol, jornal e preguiça.

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BABEL

Raquel Cozer

DIGITAL
Distribuidora brasileira segue tendência internacional

A recém-anunciada Distribuidora de Livros Digitais (DLD), plataforma de hospedagem e distribuição de e-books com participação das editoras Objetiva, Record, Sextante, Intrínseca, Rocco e Planeta, aponta para uma tendência do mercado internacional. Neste ano, três grandes iniciativas similares foram anunciadas na Espanha, na França e na Itália. A versão espanhola chama-se Libranda, inclui as gigantes Planeta, Santillana e Random House Mondadori e inicia atividade na próxima semana. O projeto francês, a ser lançado também neste mês, junta três plataformas que surgiram isoladas: a Numilog (da Hachette), a Eden Books (Gallimard, Flamarion e La Martinière/Le Seuil) e a Eplateforme (Editis, Média Participations e Michelin). Na Itália, Rizzoli e Feltrinelli se uniram na plataforma Digita. Em todos os casos, a proposta é permitir a venda de e-books só para lojas com tecnologia adequada, para reduzir a pirataria, e evitar o que ocorreu nos EUA, onde as editoras, despreparadas para o mercado digital, bateram de frente com imposições da Amazon.

TRADUÇÃO

Quase cinco séculos depois

O clássico Le Vite de” Più Eccellenti Architetti, Pittori et Scultori Italiani, de Giorgio Vasari (1511-1574), terá sua primeira edição brasileira no início de 2011, mais de 460 anos depois de sair na Itália. Também chamada de As Vidas dos Artistas, a biografia de nomes como Michelangelo e Leonardo tem mais de 600 páginas e foi vertida por Ivone C. Benedetti para a Martins Fontes.

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Tradutora de italiano e francês, Ivone teve seu primeiro romance, Immaculada (2009), anunciado há uma semana como finalista na categoria autor estreante do Prêmio SP de Literatura. A obra saiu pela Martins Fontes, que em geral não publica ficção adulta, mas abriu exceção para sua colaboradora.

PREMIAÇÃO
Mulheres finalistas

Ainda sobre o Prêmio SP de Literatura, chamou atenção o fato de os dez finalistas na categoria livro do ano serem de autores homens, enquanto oito dos dez finalistas na categoria autor estreante são de mulheres. A curiosidade é que a proporção de concorrentes do sexo feminino foi quase a mesma nas duas categorias: livros delas representaram 26% dos 88 títulos inscritos em livro do ano, e 31% dos 129 em autor estreante.

PARIS
Revista literária

A tradicional livraria Shakespeare and Company voltará a editar a revista Paris Magazine, que teve três edições, de 1967 a 80, sob comando de George Whitman. Fatema Ahmed, ex-editora da Granta, cuidará da nova publicação, cuja primeira edição terá tradução de poema de Apollinaire por Lawrence Ferlinghetti e conto de Marie NDiave. Em duas semanas, no festival bianual da livraria, será anunciado ainda um prêmio de 10 mil para novelas, publicadas ou não.

JUVENIL
Acima da expectativa

Previstos para 1.º de julho, os dois primeiros livros juvenis de Mauricio de Sousa (com Antonio Carlos Vilela) já tiveram mais de 100 mil pedidos em pré-venda. Somadas, as tiragens de Coisas Que os Garotos Devem Saber e Coisas Que as Garotas Devem Saber seriam de 40 mil cópias, e a Melhoramentos agora soltará 120 mil. Os títulos têm Mônica e Cebolinha na mesma versão em mangá da Turma da Mônica Jovem.

BIOGRAFIA 1
Revelações de Johnny Cash

A Leya lança no fim do ano a tradução de Cash: The Autobiography, memórias do músico Johnny Cash. Retratado nos últimos anos no filme Johnny e June e na HQ Johnny Cash: Uma Biografia, o músico escreve na capa da edição americana de 2003: “Se minha vida tem algo a dizer, vou dizer isso aqui.”

BIOGRAFIA 2
A volta do Kafka de Crumb

O grupo Ediouro aproveitará a vinda de Robert Crumb para a Flip e colocará nas livrarias a biografia Kafka de Crumb, com cartuns do americano e texto de David Z. Mairowitz. O livro saiu pela extinta Relume Dumará em 2006, pouco depois de a Ediouro adquirir a editora. A nova edição sai em julho pela Desiderata, que também pertence ao grupo.

Depois da Mafalda

Ao longo dos últimos anos, muitos jornalistas se referiram ao laconismo de Quino durante entrevistas como fruto de enorme timidez. Não sei se acreditaram nisso de fato ou se definiram dessa maneira para justificar a ausência de respostas extensas, daquelas que dá gosto de ler, com histórias e digressões no meio, como costumam ser as entrevistas com grandes cartunistas.

Conversei com ele por telefone duas semanas atrás e a sensação foi diferente. Não é timidez o que o leva a falar pouco. Enquanto forem feitas perguntas, ele responderá, mas de tempos em tempos se perceberá aquela nota de enfado no fundo da voz. Como Quino cria cartuns há quase cinco décadas sobre o mesmo assunto, as mazelas do mundo, também não pode evitar que as perguntas feitas ao longo dessas décadas se repitam com frequência considerável. Deixei de lado aquelas que muitos fazem embora existam respostas à exaustão na internet (por que parou de desenhar Mafalda; se não voltará a desenhá-la; qual é o lance com a sopa; o que Mafalda pensaria do mundo hoje etc.), mas a questão não é essa.

Ele não gosta de dar entrevistas e não se esforça mais do que a educação exige. As respostas não surpreendem porque isso não interessa a ele. Muito menos agora, com o glaucoma que o impede de trabalhar – a quem perguntar, dirá que é pausa criativa. Talvez fosse mais honesto com ele próprio fazer como Bill Watterson, não falar. O que ele faz de melhor independe de palavras. Faladas, pelo menos.

Enfim, meu texto sobre os três lançamentos dele pela Martins Fontes no Brasil, publicado no Caderno 2 da última quinta, está aquiQue Presente Inapresentável, o mais recente deles, de 2004 (de onde saiu a imagem acima), é o meu preferido. A Mafalda funciona melhor em pequenas doses, então o Dez Anos com Mafalda chega a cansar. Mas, por falar em entrevistas, a melhor que já li com ele está na abertura desse volume. Foi feita em 1987 e inclui respostas elaboradas como ele nunca mais deu — tem inclusive a confissão de que chegou a decalcar imagens dos personagens das tiras porque tinha dificuldade em fazê-los sempre parecidos.