Clássicos literários do rock

Taí uma ideia genial para um blog: o Classic Rocks fala sobre músicas inspiradas por (ou que aludem a) livros, escritores ou personagens literários.

Cheguei até ele faz um mês, quando o Salinger morreu e rendeu dois posts com todas os músicos ou as bandas que já o citaram de alguma maneira, tipo Guns e Cure, e me lembrei de indicar só agora. Como o texto mais recente trata de Sheryl Crow, algo nada recomendado para convencer alguém de alguma coisa, escolhi de modo aleatório (ok, tentei Bob Dylan, não achei e peguei Beatles) um post para linkar ali na primeira linha.

A música  em questão é I’m the Walrus, e o poema que a inspirou, The Walrus and the Carpenter, do Lewis Carroll, mas o que eu não sabia era disso aqui, que John Lennon disse na entrevista de 1980 à revista Playboy:

Nunca me ocorreu que Lewis Carroll estivesse comentando sobre o sistema capitalista e social. Não cheguei a esse nível de detalhe avaliando o que ele de fato queria dizer, como as pessoas estão fazendo com as músicas dos Beatles. Depois, quando voltei e olhei para o texto, me dei conta de que a morsa era a vilã da história, e o carpinteiro, o cara bom. Pensei: “Merda, peguei o cara errado. Devia ter dito: ‘Eu sou o carpinteiro'”. Mas não teria sido o mesmo, teria?

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Pra quem gosta de ler as entrelinhas, o poema que inspirou a música tá aqui.

Resistência em quadrinhos

Posso estar ficando monotemática com essa coisa de Irã, mas, na semana passada, quando esbarrei o primeiro capítulo de Zahra’s Paradise, a graphic novel on-line sobre a situação pós-eleições de 2009 naquele país, não resisti a ir atrás. Falei com o editor da série, Mark Siegel, da First Second (que publicará a versão impressa depois que os capítulos forem todos postados na internet), e eles me puseram em contato com um dos autores, Amir, que assina assim, só com o primeiro nome, para evitar represálias para a família dele que ainda vive no Irã.

Saiu no Caderno 2 de hoje, mas o link para a versão impressa não entrou no ar, e o on-line puxou uma versão não-finalizada do texto. Então o resultado taí, abaixo. Acho que foi a pauta que mais gostei de fazer nestes dois primeiros meses de Estadão (Update: a versão on-line, aqui).

Graphic novel on-line é a nova cara da resistência no Irã

HQ Zahra’s Paradise, que estreou na última sexta, destaca situação no país após as eleições de 2009

Raquel Cozer

O momento em que a estudante Neda Soltan, caída no chão de asfalto em Teerã, revirou os olhos para o alto e começou a sangrar pela boca e pelo nariz tornou-se o símbolo maior dos protestos que se seguiram às fraudulentas eleições de junho de 2009 no Irã. Foi naquela época que a HQ Zahra’s Paradise, idealizada por um escritor iraniano e um cartunista árabe, começou a ganhar forma. A história fictícia trataria da busca de uma mãe, Zahra, por um filho, Mehdi, desaparecido durante as manifestações.

Não só a agonia da jovem teve influência, mas também o modo como a imagem chegou ao público, em vídeo postado horas depois do ocorrido no YouTube e linkado ao Facebook e ao Twitter para, só então, repercutir nos meios tradicionais. Em vez de esperar dois anos até a finalização de uma graphic novel de 160 páginas, a editora e-americana First Second resolveu seguir o exemplo do iraniano que jogou as cenas na rede e, do papel, o projeto migrou para a internet. O primeiro capítulo foi ao ar na sexta-feira passada, na página www.zahrasparadise.com, e novos episódios serão publicados todas as segundas, quartas e sextas pelos próximos 18 meses, quando, enfim, ganharão versão impressa.

É a maneira certa de chegar ao público, acredita o editor da HQ, Mark Siegel, numa época em que a realidade não se dissocia das novas mídias. “Quando o que aconteceu em Teerã foi tuitado e postado em blogs, o mundo teve a possibilidade de ver coisas que regimes repressivos como o dos aiatolás em geral escondem”, diz Siegel ao Estado, de Nova York. O método permite também que a trama, que avançará no tempo até coincidir com os dias finais da publicação on-line – prevista para agosto de 2011 -, seja adaptada ao desenrolar dos fatos. Embora o fim esteja definido, as reviravoltas no governo do presidente Mahmoud Ahmadinejad e do líder supremo Ali Khamenei podem levar a HQ a ganhar contornos inesperados.

Os autores de Zahra’s Paradise assinam os quadrinhos apenas com os primeiros nomes, Amir e Khalil. Com familiares na região em conflito, temem represálias. Embora a autora iraniana Marjane Satrapi  tenha aberto portas com sua HQ Persépolis – cuja trama se passa em 1979, pré-Revolução Islâmica -, a situação é diferente. “Ela deu uma voz nunca antes imaginada à geração dela naquele lindo trabalho autobiográfico. Nossos quadrinhos são fictícios, mas, ao mesmo tempo, tratam da história de todo mundo. A maior dificuldade é que diz respeito ao momento presente”, diz Amir por telefone ao Estado, com seu tom de voz suave e cuidadoso que, por vezes, beira o inaudível.

Anonimato

Amir é também jornalista, documentarista e ativista de direitos humanos. Antes de se estabelecer nos Estados Unidos, passou temporadas no Afeganistão, no Canadá e na Europa. Khalil, de origem árabe, faz cartuns desde muito jovem, embora Zahra’s Paradise seja sua primeira graphic novel, e também tem obras como ceramista e escultor. Os dois têm certo reconhecimento nos EUA – mas a HQ eles só assinarão com seus nomes completos caso a situação mude bastante no Irã.

Parte das primeiras reações à publicação on-line mostra que os dois têm razões para a precaução que tomam. Alguns hate comments (comentários anônimos com ameaças) tiveram de ser apagados da página virtual, que abre espaço para internautas opinarem. Críticas menos agressivas foram mantidas. “Alguém que reza não manteria bebidas alcoólicas em sua casa. Isso seria um grande pecado”, escreveu um internauta islâmico, ao qual outro leitor tratou de responder: “Alguém que teme a Deus de verdade não julga o comportamento dos outros.”

Um outro internauta elogia a iniciativa, mas faz a ressalva de que, no Irã, mulheres de religiões diferentes nunca teriam uma relação tão afetuosa (a HQ começa com a mãe de Mehdi, islâmica, dando um abraço em uma amiga armênia, da minoria cristã). E de que Zahra “parece árabe, e não iraniana”. “Num país como esse, onde se vê tantas culturas diferentes numa mesma vizinhança, é claro que você terá muitos pontos de vista diferentes”, minimiza Siegel. “Amir, como iraniano, cria a partir de algo que fez parte de sua realidade desde sempre. Cada detalhe tem base na vida real.”

A maior parte dos comentários, no entanto, é de apoio. Um leitor sueco se oferece para traduzir os textos para o seu idioma; outro, para o hebraico. Siegel vê as iniciativas como um sinal positivo, mas as traduções que já estão no ar – persa, árabe, francês, espanhol, italiano e holandês – são feitas por profissionais. Antes mesmo de iniciar a série, a First Second havia conseguido o aval de seis grandes editoras mundo afora, responsáveis por essas traduções e pelo futuro lançamento da HQ impressa. Por enquanto, nenhuma editora do Brasil se ofereceu para publicar a graphic novel. Internautas brasileiros que não falem outro idioma podem, ao menos, entender algo da história em espanhol.

Ausência

Zahra’s Paradise é, como afirma Amir, uma narrativa sobre a ausência, sobre a mãe que não perde a crença no reencontro com o filho. Não à toa o título, além de remeter à protagonista da trama, é o nome de um cemitério daquele país. “A sensação de perda é algo que quase todo iraniano conhece”, diz o autor. Ele não diminui sentimento na vida de pessoas de outras nacionalidade: “Todos nós, no mundo inteiro, conhecemos ou conheceremos a sensação da perda, de um jeito ou de outro.” Mas acredita que a convivência dos iranianos com a sensação de perder um ente querido de uma hora para a outra interfere na forma como a arte é produzida naquele país.

“A ausência se torna parte da vida. A questão é de que maneira você lida com isso, e criação artística foi a maneira que encontrei”, diz. Amir destaca que o cartum, símbolo mundial de resistência política, justamente por isso é forte naquela região. Não poucos amigos, conta, tiveram de abandonar o país após fazerem desenhos “hilários” de Ahmadinejad. “Não importa quão forte o Estado se torne, os iranianos, em especial as novas gerações, encontram um modo de externar suas ricas vidas interiores.”

São os jovens do mundo todo o público que Amir e Khalil mais esperam atingir, para que entendam a realidade muito além do que permitem entrever as manchetes dos jornais. Também por isso decidiram fazer de um dos personagens principais, o irmão do jovem desaparecido, um blogueiro. Com a ajuda da internet, o rapaz vasculhará no limbo extrajudicial pistas que possam levar a Mehdi.

“A juventude tem muita urgência em se comunicar, em se fazer escutar. Quando a Revolução de 1979 aconteceu, ninguém fora do país tinha bem a dimensão do que estava acontecendo ali. A internet virou essa realidade do avesso”, diz Amir. “Mostrou que o mundo se preocupa com o Irã, o que é uma mensagem muito inspiradora para todos nós.”

Tamablogues (ou metapostagem)

Lamentei para o Leonardo Cruz a dificuldade em atualizar isto aqui e a impossibilidade de fazê-lo todo dia; afinal de contas, trabalha-se. Ele criou e alimentou por uns bons anos o blog Ilustrada no Cinema, até levar sua banquinha para a editoria de Esportes da Folha, e contou que sentia o tempo todo o peso da cobrança. Dele mesmo, que fosse. Como escreveu:

“Os blogs são a ressurreição dos tamagotchis. Você acha que ele lhe pertence, que você cuida do espaço, manda naquilo ali, mas, no fundo, você é escravo do negócio, ele te suga, explora seu sentimento de culpa e fica dizendo: “Me atualiza, me atualiza, me atualiza”. E você sofre, se martiriza, não dorme direito. Terrível.”

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Tá certo. Blogs são mimados e pedem atenção intensiva. Em geral, adoecem e morrem cedo. Essa forma primitiva de vida chamada Twitter tem muito mais chance de sobreviver quando o mundo (tal como o conhecemos) acabar.

Um post-it apaixonado

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You are not an open book/ I can’t do nothing ‘bout that“, diz a letra de Open Book, do The Rakes, o que inspirou o designer Yuan Pan a criar a animação em stop-motion sobre um post-it de coração partido por causa um livro que não se abre para ele. Gostei.
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Peguei a dica aqui. Só depois entendi que não é o clipe oficial da música, que é bem mais sem graça.

Fabrício e a capivara

É curioso não ser uma leitora contumaz de poesia quando o que mais gosto na prosa é de terminar um parágrafo e pensar: “Peraí, isso é incrível demais, deixa ler de novo para ter certeza”. Um livro de poesia, ou melhor, um bom livro de poesia, dá essa sensação o tempo todo. É o caso de Esquimó, novo do Fabrício Corsaletti. Você termina as 80 págs. de cabo a rabo em menos de uma hora, mas depois não há como não querer reler cada uma delas – só para ter certeza.

Escrevi sobre o livro no Caderno 2 de hoje.

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A voz prosaica e pop de Corsaletti

Destaque na atual poesia brasileira, paulista de 31 anos converte cotidiano em verso no livro Esquimó

Raquel Cozer

Da janela do escritório Fabrício Corsaletti vê a Marginal e o Rio Pinheiros. Não chega a ser uma paisagem graciosa, mas serve como inspiração. O poeta se lembra de Bob Dylan e do verso “My woman got a face like a teddy bear” enquanto presta atenção nos enormes roedores marrons às margens do leito. E então anota: “o nariz da minha mulher/ lembraria o focinho/ de uma capivara/ de pelúcia.” São as primeiras linhas de Exílios, poema que integra seu mais recente livro, Esquimó (Companhia das Letras, 80 págs., R$ 31).

Foi assim, com referências prosaicas e pop, que o paulista de 31 anos se firmou como um dos maiores nomes da atual poesia brasileira. Seus novos versos falam de verruga, sovaco, rabanetes e idiotas; citam também Frida Kahlo, Eva Green, César Vallejo e a Praça Roosevelt. Mas não há nada em excesso, agressivo ou fora de contexto; pelo contrário, até o despropósito trabalha em favor da delicadeza. A mulher com focinho de capivara, por exemplo, seria assim numa ilha onde tais bichos “corressem risco de extinção” – uma vida a se cuidar.

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A íntegra do texto está aqui, e o poema de que falo no lide segue abaixo.

Exílios
por Fabrício Corsaletti

o nariz da minha mulher
lembraria o focinho
de uma capivara
de pelúcia
se vivêssemos
numa ilha
selvagem
onde as capivaras
fossem os únicos
animais e corressem
risco de extinção


desde que conheci
minha mulher
me sinto exilado
dentro de mim mesmo

Fala, boteco

Prestes a deixar o trabalho, recebo um livrinho da Hedra, A Voz dos Botequins e Outros Poemas, de Paul Verlaine (1844-1896), com seleção e tradução de Guilherme de Almeida (1890-1969). Para inspirar o fim de semana.

 

A Voz dos Botequins

A voz dos botequins, a lama das sarjetas
Os plátanos largando no ar as folhas pretas
O ônibus, furacão de ferragens e lodo,
Que entre as rodas se empina e desengonça todo,
Lentamente, o olhar verde e vermelho rodando,
Operários que vão para o grêmio fumando
Cachimbo sob o olhar de agentes da polícia,
Paredes e beirais transpirando imundícia,
A enxurrada entupindo o esgoto, o asfalto liso,
Eis meu caminho – mas no fim há um paraíso.

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Ao paraíso, pois.

(Verlaine também arriscava uns traços; o desenho no alto, feito por ele, é de Rimbaud, de quem era amante. A foto acima é só ilustrativa – a gente chama em jornal de “foto calhau” – do bar Bezerra, na Vila Romana, um mini-Frangó na variedade de cervejas. Hoje serve qualquer um do gênero.)

Por falar em Teerã

 

Vi só agora a grande vencedora do World Press Photo 2009, uma fotografia do italiano Pietro Masturzo sobre os protestos em Teerã contra Ahmadinejad.

Achei a história melhor que a imagem: o cara fez uma série de registros nas noites que se seguiram às eleições de junho de 2009, depois de se dar conta de que os protestos pelas ruas, registrados à exaustão, continuavam depois que o sol se punha, mas desta vez sobre telhados de casas. Embora as ruas ficassem vazias, gritos de “morte ao ditador” e “Deus é maior” ecoavam pela capital do Irã.

A imagem, que deixou para trás mais de 100 mil concorrentes, não chegou a ser publicada na época em nenhum grande jornal.

A galeria com todos os vencedores da WPP 2009 está aqui. O paulistano Daniel Kfouri ficou em terceiro na categoria esportes de ação, com esta foto aqui

O que eu também não contei

Nunca perguntei, mas imagino que quase todo jornalista da área cultural (que trabalhe em jornal diário, pelo menos) já deve ter passado pela situação de, na correria do fechamento, terminar um texto e sentir que faltou deixar claro o quanto o livro/filme/CD é de fato bom e por quê.

Aconteceu ontem comigo. Terminei uma ótima entrevista com a iraniana Azar Nafisi às 13h30 para entregar o texto às 14h30, e agora, lendo, acho que a matéria não dá bem a dimensão do quanto é interessante o recém-lançado O Que Eu Não Contei. Ok, sou repórter, não crítica literária, e o essencial está lá, mas, se pudesse burilar um pouco, acrescentaria alguns bons detalhes sobre o conteúdo do livro.

Acontece que agora são quase 14h de sábado e preciso mesmo almoçar, então deixo para comentar num próximo post. Por enquanto, segue o texto publicado hoje no Caderno 2, que na internet está disponível para assinantes do Estadão.

A autora na adolescência, nos anos 60, em foto do livro

‘Eu resisto como mulher e artista’

Azar Nafisi volta ao Irã e à Revolução Islâmica em O Que Eu Não Contei, rememorando agora relação com os pais

Raquel Cozer

Dara, filho caçula da escritora iraniana Azar Nafisi, ainda era pequeno quando, questionado sobre por que preferia Zorro a ídolos locais, respondeu: “Não gosto de heróis iranianos, eles machucam minha mãe. Eles têm armas e querem nos matar.” Nos primeiros anos pós-Revolução Islâmica, ele se lembrava de ter visto um jovem ameaçá-la por andar sem véu.

O garoto não tinha idade para entender, mas reproduzia uma ideia sobre a qual Azar fala no recém-lançado O Que Eu Não Contei (tradução de Mauro Pinheiro, Record, 378 págs., R$ 54,90): “O Estado tem tido uma presença tão invasiva em nossas vidas que nenhum cidadão iraniano pode pretender ignorá-lo”. Nem mesmo uma criança.

Tal onipresença já havia inspirado a iraniana a escrever o aclamado Lendo Lolita em Teerã (2003), misto de ficção e memórias com base nos tempos em que deu aulas usando textos proibidos pelo governo dos aiatolás. Ao lançar aquele livro, Azar já vivia nos EUA com o marido e os dois filhos. O que mudou desde então foi que o pai e a mãe, ambos ainda vivendo em Teerã, morreram.

Ao relembrar a vida com os dois, Azar teve dimensão de que a história de sua família era tão ligada aos acontecimentos políticos – o pai havia sido prefeito de Teerã; a mãe, membro do Parlamento – que não havia mais como ignorar a vontade de rever a trajetória de seu país no século 20 por meio do que havia vivenciado em casa.

“Quando deixei o Irã, em 1997, me senti livre para escrever sobre o país. Mas nunca tinha sentido isso em relação aos meus pais. Com a morte deles, me dei conta de que faltava algo a dizer. Precisava alcançar a paz em relação aos meus pais para chegar à paz comigo mesmo”, diz a autora por telefone ao Estado, de Washington, onde vive e leciona na Johns Hopkins University”s School .

Um trecho do livro dá a dimensão da relação conturbada de Azar com a mãe: “Depois da Revolução Islâmica, eu costumava brincar dizendo que nós tínhamos nos preparado para um período assim vivendo com minha mãe.” A comparação, a título de brincadeira, tem relação com a ideia da autora de que “uma das grandes coisas sobre a ficção é que trata de indivíduos, mas as relações destes são sempre simbólicas do que temos em sociedade“.

A literatura, em sua avaliação, também tem ligação estreita com esse universo maior: “Coisa curiosa sobre o totalitarismo é que o Estado sempre censura a literatura e a arte, pois são por natureza democráticas. Elas dão voz a todos, e o totalitarismo tira a voz.” Mas, avalia, se por um lado o primeiro passo do totalitarismo é destruir a literatura, a primeira reação da literatura é resistir. Resisto como mulher, artista e professora.

Nos EUA, Azar passou a dar palestras e se tornou uma voz forte contra o governo islâmico, o que a tornou persona non grata – não pode voltar ao país nem para visitar parentes. “O Irã será sempre meu lar. Foi onde nasci, onde estão as pessoas que amo.” é também o único país em que seus livros são proibidos – embora se orgulhe de saber que cópias em xerox das obras atravessaram a fronteira.

Azar não sabe se voltaria – caso lhe fosse permitido – a viver no país recém-anunciado pelo presidente Mahmoud Ahmadinejad como “Estado nuclear”. “O povo não tem o que comer. Num país como esse, em vez de prestar atenção no bem-estar das pessoas, pensar em guerra é ultrajante.” Ela lamenta ainda a postura do governo brasileiro. “Achei infeliz receberem Ahmadinejad quando até ex-membros do governo iraniano são atacados. Entendo que o Brasil valorize a conversa diplomática, mas Irã e Brasil são membros da ONU e aceitaram as convenções dos direitos humanos. Não se pode ignorar isso.”

Recreio

Tinha prometido que não ficaria mais de dois dias sem postar nada. Prestes a chegar a uma semana, eu me rendo. Abra seu The American Spelling Book na pág. 59 e leia comigo a última linha.

Você sempre pode consultar a história da frase  na Wikipedia ou aqui no Phrases.org, se confiar na fonte.

Em busca do Booker Prize perdido

Em 1970, segundo ano do Man Booker Prize, a inglesa Bernice Rubens (1928-2004) foi premiada por The Elected Member, de 1969. Na época, o Booker avaliava obras lançadas no ano anterior ao prêmio. Em 1971, e regra mudou, e passaram a ser avaliados livros editados no próprio ano. Venceu In a Free State, do britânico (Nobel de 2001) V.S. Naipaul.

E quando diabos concorreram os livros publicados em 1970? Nunca. Ninguém lembrou deles, até porque o Booker nem era celebrado assim. Então um arquivista da Fundação Booker Prize, ao tentar entender por que seu querido Fifth Business, de Robertson Davies (1913-1995), não havia vencido em 1971, descobriu que a obra nem fora considerada. Porque o ano inteiro de 1970 tinha sido excluído.

A Fundação Booker Prize chama de fazer justiça histórica, mas também dá para chamar de bela sacada do sempre atento departamento de marketing: neste mês, foi anunciado o Lost Man Booker Prize, que dará ao vencedor do Booker de 1970 em potencial o que é do vencedor do Booker de 1970 em potencial. Eles chamaram uma equipe para avaliar os livros daquele ano (gente que, ok, nem bem era nascida em 1970) e selecionar uma shortlist, a ser anunciada em 25 de março. Os internautas poderão votar no melhor desses seis, e o vencedor sairá em maio.

 

É a terceira vez que o Booker cria um prêmio que celebra o próprio prêmio. As outras foram o Booker dos Bookers, em 1993, em comemoração aos 25 anos da honraria, e o The Best of the Booker, em 2008, pelo 40º aniversário. A boa notícia para os concorrentes ainda vivos é que Salman Rushdie, ganhador dos outros dois prêmios que dependeram da escolha do público, ainda não tinha nada publicado em 1970.

Abaixo, a lista dos autores e os livros pelos quais estão sendo avaliados. Será uma disputa acirradíssima entre 22 nomes, dos quais 11 já morreram. Coloco um sinal da cruz, amém (na verdade, um sinal de mais), para os que não terão condições terrenas de colocar as mãos em seu Booker perdido.

xxx
Brian Aldiss, The Hand Reared Boy 
+ H.E.Bates, A Little Of What You Fancy?
Nina Bawden, The Birds On The Trees
Melvyn Bragg, A Place In England
+ Christy Brown, Down All The Days
Len Deighton, Bomber
+ J.G.Farrell, Troubles
Elaine Feinstein, The Circle
Shirley Hazzard, The Bay Of Noon
Reginald Hill, A Clubbable Woman
Susan Hill, I’m The King Of The Castle
Francis King, A Domestic Animal
+ Margaret Laurence, The Fire Dwellers
David Lodge, Out Of The Shelter
+ Iris Murdoch, A Fairly Honourable Defeat
+ Shiva Naipaul, Fireflies
+ Patrick O’Brian, Master and Commander
+ Joe Orton, Head To Toe
+ Mary Renault, Fire From Heaven
Ruth Rendell, A Guilty Thing Surprised
+ Muriel Spark, The Driver’s Seat
+ Patrick White, The Vivisector

 

Leitura é arte

Adorei o pôster de 1968 da Openbare Bibliotheek (biblioteca open bar? =P), a maior pública da Europa, reinaugurada em 2007. Pra namorar enquanto as férias não vêm.

Roubei daqui.

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Aliás, por falar em férias, essa realidade cada vez mais virtual…

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(Dá pra perceber que estou sem tempo pra escrever?)

Histórias de tirar o fôlego

A TankBooks resolveu lançar livros no que chama de “uma das peças de maior sucesso na história do design de embalagens”. São títulos de Kafka, Hemingway, Tolstói e outros em formato de box de cigarro.

Recreio