Pilgrim & Lizewski

Saiu no Caderno 2 de hoje minha reportagem de capa sobre as HQs e os filmes Scott Pilgrim Contra o Mundo e Kick-Ass: Quebrando Tudo, que chegam ao País neste ano. Tinha lido a HQ do Scott Pilgrim (imagem acima) faz pouco mais de um mês e estava esperando um gancho bacana para dar um texto maior que só um sobre o lançamento (pela Quadrinhos na Cia.). E o gancho veio com Kick-Ass, que tem curiosidades em comum com a outra – como Mark Millar e John Romita Jr., criadores do Kick-Ass, confirmaram em entrevista, que posto aqui depois.

A Fernanda Ezabella tinha falado faz tempo do filme Kick-Ass no blog dela. Quando eu soube do lançamento da HQ pela Panini, vi que tinha assunto de sobra. Para quem viu ou verá o filme, recomendo muito os quadrinhos – por sinal, de longe mais violentos que o longa (abaixo, a Hit Girl em versão ilustrada).

Na edição, tem também texto do Jotabê Medeiros, outro entusiasta do Kick-Ass, sobre a Hit Girl. O meu está abaixo, com os trailers dos dois filmes.

Rebeldes (quase) sem causa do século 21

HQs e filmes de Kick-Ass e Scott Pilgrim chegam este ano ao País

Raquel Cozer – O Estado de S.Paulo

O canadense Scott Pilgrim e o americano Dave Lizewski são garotos sem nenhum atrativo especial. Não possuem inteligência acima da média, não sofreram mutações que lhes rendessem superpoderes nem têm razões nobres para entrar em lutas. Apesar disso, ou talvez por isso mesmo, estão para o cinema adaptado de quadrinhos hoje como Wolverine e Homem-Aranha estiveram ao longo da última década.

Os dois personagens protagonizam, respectivamente, Scott Pilgrim Contra o Mundo e Kick-Ass: Quebrando Tudo, graphic novels e filmes que vêm sendo apontados pela imprensa internacional como os exemplos mais bem-sucedidos do gênero neste começo do século 21. “(O filme Kick-Ass é) tão pós-moderno que faz todos aqueles que vieram antes parecerem relíquias de uma era passada”, definiu o jornal inglês Guardian, um dos maiores entusiastas dos dois lançamentos. “De gargalhar, inteligente e subversivamente emocional, (Scott Pilgrim) tem o fio narrativo mais cinético que você verá no papel”, descreveu a Paste Magazine, ao incluir a HQ entre as 20 melhores da década.

O que leva as duas histórias a receber tantos superlativos? Alguns fatores podem ser levados em conta, como o fato de colocarem losers totais como heróis, uma evolução do “orgulho nerd” que filmes como Superbad (2007) colocaram nas telas nesta década. Também são histórias nas quais a tecnologia tem papel fundamental tanto dentro como fora da trama. Ambas se desdobram em mídias – viraram fenômeno na internet, com discussões sobre trailers e as trilhas sonoras antes de mesmo de chegarem aos cinemas, além de terem inspirado versões em game.

O público brasileiro poderá conferir as histórias ainda neste ano. Os dois primeiros títulos (de um total de seis) da versão em HQ de Scott Pilgrim foram lançadas por aqui no mês passado, em um único volume, pelo selo Quadrinhos na Cia.; o filme, com Michael Cera (ator de Juno) no papel principal, tem estreia mundial no segundo semestre. Kick-Ass chega aos cinemas nacionais na sexta-feira da semana que vem. Mais ou menos pela mesma época, deve sair por aqui a graphic novel, pela Panini.

A caráter. Idealizada pelo escocês Mark Millar, em uma parceria com o ilustrador americano John Romita Jr., Kick-Ass conta a história de Dave Lizewski, adolescente fã de quadrinhos que, encafifado com o fato de ninguém nunca ter tentado virar super-herói na “vida real”, enfia-se numa roupa de mergulho e sai pelas ruas, sem treinamento nem nada, à caça de bandidos.

Lizewski (vivido no filme por Aaron Johnson) vai parar no hospital duas vezes, mas uma das brigas é filmada por um estranho e cai no YouTube, o que, em tempos de internet, basta para que Kick-Ass vire hit internacional. Em meio a isso, o neo-herói esbarra em três outros personagens a caráter cujas intenções ele demora a decifrar: Big Daddy (Nicholas Cage), Hit Girl (Chloë Moretz, que tinha 11 anos na época das filmagens) e Red Mist (Christopher Mintz-Plasse, de Superbad). A direção do longa ficou a cargo de Matthew Vaughan, que também participou da criação do roteiro e bancou boa parte da produção (leia ao lado).

Com forte influência de games e mangás, Scott Pilgrim é escrita e ilustrada pelo canadense Bryan Lee O”Malley, e teve o primeiro de seus seis volumes lançad0 em 2004. Nele, o leitor é apresentado a Scott, rapaz de 23 anos que não tem emprego, toca guitarra na banda de rock amadora Sex Bob-Omb e namora uma colegial de 17 anos – pelo menos até conhecer Ramona Flowers, entregadora da Amazon.com graças a quem se envolverá na missão de derrotar sete integrantes de uma tal Liga dos Ex-Namorados do Mal.

Simultâneas. Tanto Kick-Ass quando Scott Pilgrim mal tinham ganhado forma como HQ quando suas versões em filme começaram a ser produzidas, o que de cara já as diferencia de outras adaptações de quadrinhos – o longa-metragem de Quarteto Fantástico (2005), só para ficar em um exemplo, estreou quatro décadas depois de os personagens surgirem no papel. “Assim que começamos a criar Kick-Ass, soubemos do interesse para adaptações”, diz Romita Jr. de Nova York, por telefone ao Estado, “mas ficamos céticos, porque isso acontece em Hollywood o tempo todo. Eles dizem que querem e somem.”

Apesar de não encontrar um grande estúdio que bancasse a proposta superviolenta do filme, o diretor Matthew Vaughan insistiu. E começou a trabalhar no roteiro enquanto Millar e Romita Jr. ainda criavam a graphic novel. “Foi um processo simultâneo, o que não acontece com frequência”, lembra Romita Jr. “Tanto que, na primeira metade do filme, tudo lembra muito o meu trabalho de arte na HQ. Mas, como não fui rápido o suficiente, o filme foi concluído antes, de modo que a segunda parte ficou com visual bem diferente.”

Bryan Lee O”Malley também sofreu os efeitos das filmagens precoces de Scott Pilgrim. Tinha lançado só o primeiro volume da série quando o diretor Edgar Wright iniciou a adaptação para os estúdios da Universal. “Foi complicado continuar a escrever depois que o roteiro foi feito, e o elenco, escolhido. Tive que tomar algum tempo para voltar a ficar familiarizado com minha própria versão dos personagens”, conta O”Malley, em entrevista por e-mail ao Estado.

É claro que, com tantas similaridades entre as duas produções, não demoraram a surgir outras relações. Quando Kick-Ass estreou no Reino Unido, em abril deste ano, foi precedido por um trailer de Scott Pilgrim. O personagem que luta contra os ex-namorados do mal de Ramona, por sua vez, é mencionado no filme de Matthew Vaughan. Até as personagens femininas mais fortes de cada história têm semelhanças. A jovem atriz Chloë Moretz deu vida à Hit Girl ( a verdadeira heroína de Kick-Ass) usando uma chamativa peruca rosa – uma das tonalidades também adotada nos cabelos de Ramona Flowers (Mary Elizabeth Winstead) em Scott Pilgrim.

Da interatividade

Vi, enfim, Fahrenheit 451, a adaptação do Truffaut pro romance do Ray Badbury em que bombeiros queimam ficções, biografias e afins num governo totalitário para o qual livros são nocivos para a sociedade – e no qual uns so-called “homens-livros” precisam resgatar as histórias do esquecimento por meio de suas memórias, decorando-as palavra por palavra (o que, aliás, me faz pensar o quão perigoso seria depender da memória de uma Raq-livro para eternizar um romance).

Não tenho habilidade crítica para comentar o quanto é lindamente filmado, mas, num primeiro momento, tudo ali no roteiro me lembrou um episódio de Monty Python, tão bizarra e ostensiva a premissa, com a diferença da intenção do filme de passar uma mensagem séria. É nos detalhes que transparece a genialidade.

Por exemplo, a cena em que Linda, mulher do protagonista, Montag, “participa” de um programa de TV – ela na sala de casa, dois atores na tela. A ideia é que ela tenha falas no programa. Dois personagens discutem como organizar uma festa e lançam, olhando para a câmera, perguntas como: “Devemos deixar Madeleine na cabeceira na mesa, não é? O que você acha, Linda?”. Ao que ela responde variações de: “Sim, claro! Absolutamente!” .

É visionário, por vários motivos. Pra começar, o filme é de 1966 (e o livro, de mais de uma década antes, 1953) e, quando ninguém falava disso, o casal Linda e Montag tem em casa uma espécie de home theater. Modesta em proporções, vá lá, mas um home theater em 66! E daí que a cena é toda baseada na interatividade – que nós, brasileiros, viríamos a conhecer em 1992, com o Você Decide, e que só viria a ser entendida mesmo em tempos de internet. Que tal o poder de se sentir parte daquilo?

Mas nada tão bom como o modo como a tal interatividade acontece.

Os diálogos me fizeram lembrar do Eduardo Vicente, o melhor professor de matemática que já passou por Petrópolis. Que, depois de meses conseguindo respostas certas dos alunos para as perguntas mais cabeludas, comentou: “Vocês já notaram que só respondem certo porque termino as perguntas com um ‘não é’? Tipo: ‘O xis do vértice é menos B sobre 2A, NÃO É?’. Agora, se dissesse: ‘Parem para pensar, dois mais dois NÃO É igual a quatro, É??’, aí vocês teriam dúvida”.

(Re)lançamento

Não vi Invictus e sei que vou ver em breve, embora minha relação com filmes do Clint Eastwood tenha algo de estranho – não posso deixar de ver e não consigo parar de reclamar. Gosto de detalhes, mas quero largar no meio quando vejo coisas como a família da Menina de Ouro chegando da Disney no hospital e enfiando uma caneta na boca dela para que assine um testamento ou a neta do velhote de Gran Torino deixando claro que só quer a herança.

Dá para entender que um drama é um drama com bem menos que isso.

Dito isto, tenho medo de saber o que ele fez com a história de como Mandela acabou com o apartheid, que já é uma trajetória do herói mesmo sem tintas dramáticas. Mas verei porque, vamos combinar, Morgan Freeman como Mandela deve ser demais. E porque o recorte, a Copa de rúgbi que uniu brancos e negros na mesma torcida, é dos mais interessantes sobre a segregação racial na África do Sul.

No ano passado li o título que inspirou o longa, Conquistando o Inimigo, do britânico John Carlin, cujo lançamento quase não foi falado, e vi que agora voltou às livrarias, com a clássica sobrecapa no estilo “Oi, também estou nos cinemas! Me leva?”.

Eu era assim...

...e fiquei assim

O livro tem drama o suficiente para Clint Eastwood se refestelar (tanto que, oh god, na introdução o autor admite que sabia correr o risco de cair numa espécie de autoajuda). Mas, vá lá, é um detalhado retrato da política e da sociedade sul-africana naqueles anos, e isso não como sinônimo de maçante – há informações ali para se surpreender a cada par de páginas. Escrevi sobre o livro e a volta às livrarias no Caderno 2 de hoje.

Educação, no papel e na tela

Um trecho do livro de memórias An Education, da jornalista inglesa Lynn Barber, e o trailer do filme, abaixo. Do livro eu não li mais que esses parágrafos aí, mas, na comparação com o longa, que vi em L.A., diria que Nick Hornby fez um belo trabalho no roteiro. Estreia no mês que vem por aqui.