Faça o seu pior

Vi com atraso, tanto atraso que o prazo já acabou, o incrível concurso de poesia ruim da editora indie Small Press Distribution. Eles ofereceram um livro do catálogo da editora para quem fizesse um poema que coubesse em categorias como pior poema no geral, pior poema em que o título é maior que o poema em si, pior poema na forma de um status no Facebook e pior uso do ponto de exclamação num poema. Segundo a editora (sim, eu escrevi pra perguntar!), de 50 a 60 pessoas participaram nesta segunda edição, e os resultados entram no ar por estes dias.

Os resultados da primeira edição aparecem aqui, descendo um pouco a página.

Só tenho um haicai feito nesta vida, que Marina Della Valle conhece bem, e, na falta de um gancho melhor, aproveito para registrá-lo aqui. Chama-se…

(hai) cai

vou dançar
até cair
de imatura

Fabrício e a capivara

É curioso não ser uma leitora contumaz de poesia quando o que mais gosto na prosa é de terminar um parágrafo e pensar: “Peraí, isso é incrível demais, deixa ler de novo para ter certeza”. Um livro de poesia, ou melhor, um bom livro de poesia, dá essa sensação o tempo todo. É o caso de Esquimó, novo do Fabrício Corsaletti. Você termina as 80 págs. de cabo a rabo em menos de uma hora, mas depois não há como não querer reler cada uma delas – só para ter certeza.

Escrevi sobre o livro no Caderno 2 de hoje.

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A voz prosaica e pop de Corsaletti

Destaque na atual poesia brasileira, paulista de 31 anos converte cotidiano em verso no livro Esquimó

Raquel Cozer

Da janela do escritório Fabrício Corsaletti vê a Marginal e o Rio Pinheiros. Não chega a ser uma paisagem graciosa, mas serve como inspiração. O poeta se lembra de Bob Dylan e do verso “My woman got a face like a teddy bear” enquanto presta atenção nos enormes roedores marrons às margens do leito. E então anota: “o nariz da minha mulher/ lembraria o focinho/ de uma capivara/ de pelúcia.” São as primeiras linhas de Exílios, poema que integra seu mais recente livro, Esquimó (Companhia das Letras, 80 págs., R$ 31).

Foi assim, com referências prosaicas e pop, que o paulista de 31 anos se firmou como um dos maiores nomes da atual poesia brasileira. Seus novos versos falam de verruga, sovaco, rabanetes e idiotas; citam também Frida Kahlo, Eva Green, César Vallejo e a Praça Roosevelt. Mas não há nada em excesso, agressivo ou fora de contexto; pelo contrário, até o despropósito trabalha em favor da delicadeza. A mulher com focinho de capivara, por exemplo, seria assim numa ilha onde tais bichos “corressem risco de extinção” – uma vida a se cuidar.

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A íntegra do texto está aqui, e o poema de que falo no lide segue abaixo.

Exílios
por Fabrício Corsaletti

o nariz da minha mulher
lembraria o focinho
de uma capivara
de pelúcia
se vivêssemos
numa ilha
selvagem
onde as capivaras
fossem os únicos
animais e corressem
risco de extinção


desde que conheci
minha mulher
me sinto exilado
dentro de mim mesmo

Fala, boteco

Prestes a deixar o trabalho, recebo um livrinho da Hedra, A Voz dos Botequins e Outros Poemas, de Paul Verlaine (1844-1896), com seleção e tradução de Guilherme de Almeida (1890-1969). Para inspirar o fim de semana.

 

A Voz dos Botequins

A voz dos botequins, a lama das sarjetas
Os plátanos largando no ar as folhas pretas
O ônibus, furacão de ferragens e lodo,
Que entre as rodas se empina e desengonça todo,
Lentamente, o olhar verde e vermelho rodando,
Operários que vão para o grêmio fumando
Cachimbo sob o olhar de agentes da polícia,
Paredes e beirais transpirando imundícia,
A enxurrada entupindo o esgoto, o asfalto liso,
Eis meu caminho – mas no fim há um paraíso.

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Ao paraíso, pois.

(Verlaine também arriscava uns traços; o desenho no alto, feito por ele, é de Rimbaud, de quem era amante. A foto acima é só ilustrativa – a gente chama em jornal de “foto calhau” – do bar Bezerra, na Vila Romana, um mini-Frangó na variedade de cervejas. Hoje serve qualquer um do gênero.)