Enfim, algo a dizer

Confesso que quando soube, meses atrás, que a Flip teria mesa sobre o futuro do livro tive vontade de parar o que estava fazendo e tirar uma soneca.  O problema é que, no Brasil, fala-se muito mais sobre o tema do que se vê algum avanço, e não será uma mera falta de assunto que impedirá um repórter de escrever um lide.

Daí que foi uma boa surpresa conversar com um dos integrantes da mesa sobre o tema  na Flip (junto com Robert Darnton), o CEO da Penguin, John Makinson, por conta da parceria da editora com a Companhia das Letras (sobre a qual falo aqui e aqui, em reportagem publicada ontem no Caderno 2). Por uma razão simples: ao contrário da maior parte das pessoas que discorrem sobre o assunto no Brasil, ele fala com conhecimento de causa, já que a Penguin tem trabalho forte nesse sentido.

Agora, relendo a entrevista, faço um mea culpa. Durante a conversa a questão não me ocorreu, mas agora ela esperneia na minha frente.

A ideia do conteúdo extra como diferencial para um e-book sobreviver à pirataria de livros não lembra algo que você tenha ouvido antes? Não lembra aquele discurso do mercado cinematográfico de que “um DVD pirata não tem os extras que existem no oficial”? Não posso dizer que acompanhe de perto o mercado de DVDs, mas a gente tem uma ideia. Ou, se não, dá pra ter uma noção do capítulo seguinte lendo esta reportagem que a Ana Paula Sousa fez para a Ilustrada meses atrás.

Mas, enfim. A gente pode até desconfiar do futuro no caso dos livros. Mas, como ninguém está aqui para mãe Diná, vale ouvir quem faz o negócio funcionar hoje.

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[entrevista publicada no Caderno 2 de 16/7]

O desafio é tornar a leitura interessante nos E-BOOKS’

John Makinson, que estará na Flip, fala das apostas bem-sucedidas da editora em e-books e das possibilidades do mercado

Raquel Cozer – O Estado de S. Paulo

Uma exigência da Penguin na parceria com a Companhia das Letras foi que todos os livros da coleção Clássicos também saíssem no formato digital. Por quê?

Nos EUA, o mercado de e-readers vem crescendo rapidamente. Em pouco tempo, eles se tornaram plataformas atraentes para o leitor. No Brasil, as opções de leitores eletrônicos em celulares ou tablets ainda são incipientes, mas aposto que em poucos anos haverá um mercado significativo. Essa é uma razão. Outra razão foi entendermos que é possível oferecer bom material extra na literatura em formato digital. Por exemplo, se você pega Jane Austen, Orgulho e Preconceito, pode enriquecer o conteúdo digital com descrições de características do período, informações históricas sobre lugares onde os fatos se passam, trabalhos críticos. Tenho confiança na ideia de testar limites editoriais e acho que o Brasil logo terá mercado para isso. Você, que vê esse mercado de perto, o que acha?

O que me chama a atenção é o receio que editores têm de apostar nesse mercado. Tivemos em São Paulo um congresso sobre livro digital, e era dúvida recorrente a questão dos lucros. É possível lucrar com e-books?

Sim, claro que sim, porque o e-book não exige nada de manufatura, não exige investimento em distribuição e estoque. Você ainda tem o investimento, é claro, na edição, na divulgação do livro, mas não há custos físicos. Então a questão é: você pode determinar o preço do livro de forma que o consumidor fique satisfeito, e também o editor? Essa é uma das questões sobre as quais vou falar na Flip.

Já é lucrativo para a Penguin?

Sim, claro. Por que não seria?

Devido à pirataria, por exemplo.

Sim, isso é um fato. Mas no mercado do livro não tem sido como foi no da música. Há várias diferenças. Uma é que a psicologia do consumidor é outra. Na música, é interessante para jovens ter enorme quantidade de faixas no iPod, milhares delas. Não é cool ter milhares de livros no e-reader, porque ninguém conseguirá lê-los. Isso é um ponto. Outro ponto é que a indústria da música descobriu que o consumidor não queria comprar o álbum, e sim a faixa. Então o modelo desenvolvido por muito tempo não era o ideal. Não é o caso do livro. Não temos evidência de que as pessoas estejam interessadas em comprar capítulos, elas querem o livro. E, em terceiro lugar, as pessoas têm relação sentimental com o livro. Uma coisa importante na Penguin é a certeza de que os livros sejam bonitos para que as pessoas queiram ter e colecionar.

Mas na música também havia relação sentimental com álbuns. Será que as novas gerações terão essa relação com os livros?

Não sei! Creio que sim. Acho que há algo duradouro na relação sentimental com o livro. Nos EUA a oportunidade para pirataria e infração de direitos autorais já existe há muitos anos, há muitos sites de upload de conteúdo de livros. Não digo que não seja um problema. É um problema, mas não é “o” grande problema como na música. As vendas na Penguin continuam bem. Não estamos encolhendo, estamos crescendo.

Qual a parcela de livros da Penguin vendida no formato digital?

Os e-books chegam a 10% das nossas vendas. O que percebemos foi que há livros mais adequados para o formato digital que outros. Não são categorias totalmente consistentes, mas um novo best-seller, por exemplo, tem mais potencial para conteúdo extra na versão digital que um clássico, já que o próprio autor pode produzir esse conteúdo. O que é interessante é tentar entender o que o consumidor não compra quando compra o e-books, se deixa de comprar o livro hardcover (de capa dura, em geral a primeira edição de livros nos EUA) ou o paperback (tipo brochura).

Você foi citado no ranking dos nomes mais importantes da mídia em 2010 segundo o MediaGuardian por ações no mercado digital. Quais os próximos passos da Penguin nesse sentido?

O interessante desse ranking foi o argumento de que estamos redefinindo a indústria do livro. Alguns dos aplicativos que estamos desenvolvendo serão bem diferentes de tudo o que fizemos até agora. A maneira como apresentamos informações de viagem no iPad, ou como fazemos livros ilustrados para criança virem à vida, ou ainda como envolvemos redes sociais e comunidades de um jeito novo no mercado para adolescente. Isso tudo é muito novo e requer novas habilidades de editores. Significa que temos de entender novas tecnologias, novos critérios para determinar preços, temos de ser criativos na maneira de pensar no leitor. Não diminuo as questões que você levantou, a pirataria, a preocupação com lucro, são questões sérias. Mas, acima de tudo, estamos muito otimistas.

A digitalização de clássicos que o Google promove pode prejudicar as vendas da Penguin?

Bem, você pode obter no Google os clássicos em domínio público, mas, se fizer isso, a experiência de leitura não será atraente. Eles digitalizam e escaneiam manuscritos originais, e estes são os velhos, difíceis de ler. Mas eles no Google são espertos, logo darão jeito de melhorar isso. Com isso, nos desafiam a pensar em como tornar os Clássicos da Penguin realmente atraentes por seus preços. A questão é: o que você compra quando compra nossos clássicos é design, introduções, qualidade de tradução, notas de rodapé. Devemos deixar claro para o leitor o que temos de diferente, porque estamos propondo que comprem por uma quantia razoável de dinheiro algo que podem conseguir de graça. É um desafio interessante.

Thomas Pynchon, the Dude

Só eu não tinha visto o trailer do livro Vício Inerente, narrado pelo Thomas Pynchon, né? Tudo bem, não tenho pudor em ser a última a postar. Ao menos posso usar como desculpa para tocar no assunto a info de que o livro sairá ainda neste semestre pela Companhia das Letras. Mas também tenho considerações a fazer.

Achei curiosa a forma como foi feita a divulgação. A Penguin pôs o vídeo no ar em agosto sem revelar o narrador, e logo correu na rede a versão de que era o escritor – o poder da dúvida como arma de marketing. Confesso que, comparando com a voz dele no episódio dos Simpsons do qual participa, achei bem pouco parecido, tirando uma certa rouquidão lá no fundo.

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Daí, na época, blog Speakeasy, do Wall Street Journal, resolveu tirar a história a limpo e chamou um especialista para comparar as vozes dos dois vídeos e a deste clipe alemão. A conclusão: “É um estilo bem único de entonação, muito pra cima e pra baixo. Ele atinge esses pontos acentuados a cada par de palavras. Com um grau razoável de certeza profissional, acredito que essas vozes são da mesma pessoa”. Só então, “desmascarada”, a editora admitiu que o narrador era o Thomas Pynchon.

Tá certo, se a Penguin disse, está dito. Mas, depois de ouvir várias vezes cada um dos clipes, tendo mais a concordar com quem argumenta que a voz do Doc, no trailer, parece mesmo é com a do Dude..

Como a Penguin se reinventou em 75 anos

Os primeiros paperbacks da Penguin apareceram no verão de 1935 e incluíam obras de Ernest Hemingway, André Maurois e Agatha Christie. Eles tinham códigos de cor (laranja para ficção, azul para biografia, verde para policiais) e custavam só US$ 0,6, o mesmo preço de um maço de cigarros. Mudava para sempre a maneira como o público pensava sobre livros – a revolução do paperback tinha começado.

O trecho acima, do site da Penguin Books, tenta esclarecer a reviravolta que a editora fez lá atrás, com livros baratos e bem editados, já que, na época, “se você quisesse ler um bom livro, precisaria ou de muito dinheiro ou de um cartão de biblioteca”.

Anos depois, a editora foi também uma das primeiras a perceber que podia explorar novas tecnologias. Em 1992, lançou seus primeiros audiobooks, esse mercado misterioso que ainda hoje faz sucesso mesmo entre quem pode ler. Tornou-se também a primeira editora a ter um site e a primeira a abrir uma e-bookstore.

Isso tudo está no site deles, mas daí me lembrei de que a ânsia por se adequar resultou em alguns tropeços. Em 2007, na Era de Ouro da Wikipedia, a editora apostou num projeto arriscado, o A Million Penguins, que abriu espaço para o público escrever um romance a milhões de mãos. É claro que deu tudo errado.

"Ok, é isso. Parem de escrever e baixem seus lápis"

Apurei a pauta para a Ilustrada na época e cheguei a falar com o coordenador da coisa, que lamentou: “Alguém escreve algo e no dia seguinte outra pessoa vai lá e muda absolutamente tudo. Não sei se vai chegar a algum lugar“. Bem, não se pode negar que era engraçado ver a história virando do avesso dia após dia.

Anyway, não dava para esperar que, ao completar 75 anos, a Penguin fosse uma senhora ultrapassada. Ontem, no anúncio do iPad, lá estava ela entre as editoras que fecharam acordos de distribuição de conteúdo com o iBooks, da Apple.

Ver uma editora se adequar assim faz desconfiar dos comentários apocalípticos sobre o mercado editorial. Ok, o mercado fonográfico não conseguiu se adaptar e se afogou, como relataram à exaustão todos os veículos na última década, mas, enfim, músicos sempre podem viver de shows. O mercado cinematográfico se reinventou, com o 3D, principalmente (dia desses vi Up, da Pixar/Disney, em casa, e achei bem mais sem graça do que todas as críticas que li, de gente que viu no cinema).

O mercado editorial tem todo um histórico para tentar se adequar e não perder a mão. Para as editoras que resistem ao futuro, a Penguin é um belo exemplo.