O melhor filme jamais feito

Publicado no Cultura deste domingo

O monumental Napoleão de Kubrick

Livro lançado nos EUA conta história do projeto mais ambicioso do cineasta, que, rejeitado em Hollywood, ficou só no papel

Raquel Cozer

O bilhete, datilografado com rasuras num papel não timbrado, listava uma dezena de argumentos. O terceiro deles dizia: “Espero realizar o melhor filme jamais feito.” Era 20 de outubro de 1971 e pela última vez Stanley Kubrick (1928-1999) tentava convencer os estúdios MGM a bancar Napoleão, fita de três horas que planejava dirigir sobre o imperador francês. Àquela altura, ele já desconfiava de que era enorme a chance de o longa, de fato, jamais ser feito.

Embora o ambicioso projeto não tenha se concretizado, seus arquivos foram mantidos no espólio do diretor em Hertfordshire, Inglaterra. Por anos, admiradores puderam ler textos sobre o assunto e até uma versão do roteiro, de 1969 – que se acha numa busca no Google por “Napoleon”, “Kubrick” e “script”. Mas só agora a maior parte dos documentos se tornou pública, com o lançamento, no fim do ano passado, de uma edição limitada de luxo da Taschen, Stanley Kubrick”s Napoleon – The Greatest Movie Never Made.

Leia a íntegra do texto aqui

Última tentativa de Kubrick de convencer os estúdios

O menino mais esperto do mundo

O cartunista Chris Ware demorou tanto a decidir se dava ou não entrevista para jornalistas brasileiros — no fim das contas, não deu — que a sensacional HQ Jimmy Corrigan, o Menino Mais Esperto do Mundo, lançada em novembro pela Quadrinhos na Cia., quase passou em branco por aqui. À espera de aspas do norte-americano, os jornalões deixaram na gaveta pautas sobre o livro, com a notícia correndo o risco de ficar “velha” para os padrões apressadinhos do mercado editorial. Em novembro, que eu tenha visto, só o suplemento de sábado do Brasil Econômico, o Outlook (nas págs. 12 e 13), deu resenha do “Ulisses dos comics“, por Ronaldo Bressane. De resto, Twitter e blogs garantiram alguma divulgação.

O Caderno 2 deste sábado faz enfim justiça ao lançamento numa boa capa de Ubiratan Brasil. Sem entrevista com o autor, o Bira falou com o editor do selo de quadrinhos da Companhia das Letras, André Conti, e com o tradutor do livro, Daniel Galera.  E traçou um belo perfil do esquisitão Ware, cuja personalidade é resumida logo no primeiro parágrafo, numa declaração pinçada pelo repórter do graphic designer Chip Kidd: “Durante os exatos 27 minutos que durou nossa conversa, ele disse ‘Sinto muito’ oito vezes e ‘Não fique triste comigo’ outras cinco”.

Jimmy Corrigan reencontra o pai

Jimmy Corrigan, solitário, desprezado no trabalho e atormentado pela mãe, não é Chris Ware, apesar do forte teor autobiográfico da HQ — como o personagem, o autor também teve um reencontro tardio com o pai. Mas a frase de Kidd sobre Ware é a perfeita descrição de Corrigan: a postura encurvada, a mão tensa na boca, o olhar amedrontado, a pele num leve tom mais avermelhado (quase não se percebe) quando Corrigan está para morrer de terror ou constrangimento.

Com as patéticas ilusões diárias de Corrigan, mais a enorme derrota que é a vida dele, a HQ seria de cortar os pulsos, não fossem as boas surpresas que o obcecado detalhismo do cartunista reserva. Bem que, em 2005, a New Yorker sentenciou: Jimmy Corrigan é a primeira obra-prima formal dos quadrinhos.